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domingo, abril 08, 2007

No Blog Panorama, De Mario Araujo Filho

Escrever, para Graciliano

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer". (Graciliano Ramos)

Comentário: como disse Nietzsche certo dia, irritado com os dogmáticos e filisteus de sua terra: "Eu daria vagões de vidas moderninhas, por um minuto das conversas de Goethe com Eckermann".

Eu dou bibliotecas inteiras com livros de Jorge Amado e de seus descendentes, por uma frase de Graciliano. Mesmo porque, da minha biblioteca Amado foi expulso desde 1967. Quanto à última comparação do trecho acima, ela tem história mais do que ilustre, pois vem de Montaigne. Ele imaginou o termo "ensaio" justamente para seguir a prática da Casa Real, que tentava barrar a circulação de moedas falsas, sem a liga de ouro requerida. Ensaiar as palavras deveria, pensou Montaigne, significar o mesmo que o ensaio das palavras: distinguir o ouro e o seu peso. Aliás, "pensar" e "pesar" têm o mesmo nascimento no espírito. Quem não pesa, não pensa. Recordo isto quando vejo livros e livros acadêmicos que recolhem manuscritos não tratados segundo o "método das lavadeiras". Escritos não tratados, sem respeito pelo leitor, cheios de jargão profissional, etc. Os seus autores dizem deles que são "ensaios". Pobre noção de ensaio! Este setor literário e filosófico tem poucos representantes dignos no século 20. Adorno, Sartre, Camus, Merleau-Ponty, Aron, Popper, Malraux, Curtius, Chesterton, Huxley, Orwell, Mann, Ortega y Gasset, Valéry, e vamos ficando assim. O resto é panfletagem ideológica, sectária, sei lá como nomear a imensa produção de livros (palavras, palavras, palavras...).

Existe um livrinho saboroso sobre o significado da palavra ensaio. Trata-se de uma fonte preciosa de informações sobre a escrita, o Renascimento, a modernidade. Para dar graça à descoberta, fica apenas a sugestão da procura...

Roberto Romano

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