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quarta-feira, outubro 29, 2008

Publicada em 29/10/2008



Gabeira, vencedor político

Roberto Romano




Apurações encerradas, análises econômicas e sociais oferecidas à ordem pública, alguns pontos merecem atenção. Se existe setor no qual atitudes arrogantes geram fracassos, a política é um deles. Os gregos costumavam chamar o arrogante como pessoa ao mesmo tempo cômica e trágica. O lado ridículo mostra algo que o indivíduo orgulhoso compartilha com todos os humanos, a fraqueza para tudo manter sob controle, em especial a própria língua. O trágico surge como fruto da comédia desempenhada pelo ator que se julga admirado, quando na verdade é alvo de caçoadas. E quando rimos do arrogante pretensioso, sentimos no fundo da alma uma dor fina, que pouco a pouco transforma nossas risadas em esgar melancólico. Afinal, ele é a nossa figura, apenas invertida. Platão recusa a comédia justamente por tal motivo: nela sentimos um prazer, que se manifesta no riso, misturado com uma dor insuportável.


Não é saudável rir dos tolos que se julgam deuses poderosos e onipotentes, pois neles se reflete a nossa tolice, visto que todos nós deixamos o Paraíso porque ousamos nos erguer à condição divina. Deixemos a Grécia, pois, entremos na cultura judaica e cristã. O filósofo Pascal, em suas Cartas contra os jesuítas, diz que o Senhor inventou o riso para pôr Adão em seu devido lugar. “Nas primeiras palavras ditas por Deus ao homem após a Queda, temos uma caçoada, uma ironia picante (...) pois devido à desobediência de Adão (...) parece pelas Escrituras que Deus, em castigo, o fez sujeito à morte, a após tê-lo reduzido à miserável condição, devida ao pecado, riu-se dele : ‘Eis que o homem tornou-se um de nós’. Ironia cruel e sensível, pela qual Deus o espetou vivamente...” (11a Carta a um Provincial).

A palavra grega (alazoneia) utilizada para expressar a soberba, usada nos Evangelhos (sobretudo na Primeira Epístola de João), carrega uma síntese de significados trágicos e ridículos. Na lingua política grega e helenística, o termo implica em impostura perigosa, sobretudo nos discursos demagógicos que mais imitam o verdadeiro. Os gloriosos são personagens tragicômicos que usam palavras e signos para enganar os incautos. A sátira, sobretudo a de Luciano de Samosata, estratégica na cultura cristã primitiva, nutre-se quase que totalmente da crítica à alazoneia.

Nas eleições brasileiras de agora, muita soberba foi péssima para os partidos políticos. A começar com a tese, tola como poucas, da onipotência presidencial, capaz de eleger postes. O fanático político, como todo fanático, acredita piamente em milagres. Como o líder Moisés transformou um cajado em serpente, também o dono do País, segundo o fanático, pode tudo, quando e como desejar. O deus do Planalto, no entanto, mostrou o calcanhar de barro. E o barro está fraturado para 2010. Naquele ano, era a crendice, a Chefe da Casa Civil seria eleita apenas com a benção do suposto nume. Se o PT deseja continuar nos palácios federais, precisará fazer muito mais do que aplaudir os trocadilhos insípidos do seu presidente de honra.

No Rio, ocorreu a tragicomédia mais notória de todo o processo eleitoral. O vencedor perdeu em estatura política para Fernando Gabeira. O sr. Paes senta no trono, mas abandona aquela aparência austera que ostentou no Congresso, em práticas supostamente oposicionistas. Nada mais constrangedor do que assistir um político que ontem atacava de modo arrogante o Chefe de Estado (não raro com nítida injustiça), e hoje dobra a língua e a espinha diante de Lula. Nada mais próprio para suscitar vômitos do que os truques de sua campanha contra Fernando Gabeira. Este último não é vencedor moral, como dizem os aduladores de plantão, agora presos às botas de Paes. Ele é vencedor político ao provar que é possível fazer campanha sem pôr a mão em excrementos. A diferença pequena de votos, a enorme abstenção (927.250 eleitores não votaram, a diferença foi de 55.225 votos.) mostra que milhares de cariocas preferem programas, não lama. A tendência pode ser ampliada, jogando na laxa do lixo os conteúdos pertinentes. Valeu, Gabeira, parabéns!

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