Powered By Blogger

quarta-feira, abril 11, 2007

Sobre o uso do termo "leviano" em política

Folha de São Paulo, Tendências e Debates.


Sobre o uso do termo "leviano" em política


ROBERTO ROMANO

A tradição brasileira define o Poder Executivo como o grande beneficiário da soberania. Longe estamos dos ideais democráticos que atribuíam aquela prerrogativa à coletividade cidadã. A Constituição indica o povo como seu titular, mas nossas práticas e nossos valores foram distorcidos por meio da propaganda e de várias formas autoritárias. O crime de lesa-majestade cometido contra a população se reiterou nas ditaduras Vargas e militar. É comum ouvir políticos e acadêmicos referindo-se ao governo como "o Estado". De fato, no Brasil, o Legislativo e o Judiciário dificilmente são partícipes plenos da soberania.

Quando alguns membros do PSDB tudo faziam para integrar a administração Collor, uma deputada tucana afirmou, em "Tendências/Debates", que o presidente ocasional "não era tirano, mas soberano". Recordei à ilustre dama que o atributo era dos cidadãos, sendo exercido pelos Três Poderes em seu nome. Hoje, os senhores do PSDB estão no palácio e usurpam a prerrogativa soberana, governando por medidas provisórias, que arrancam do Parlamento e da Justiça a sua majestade.
Os termos "soberania popular" e "majestade" incomodam os ouvidos "globalizados". Mas são índices para reconhecer a força das normas democráticas num país. Somos herdeiros do mundo greco-latino em práticas e valores. O direito e a política não fogem à regra. No Estado moderno, atualizando as formas romanas da vida pública, as idéias de soberania e majestade, contra o exercício ditatorial ou aristocrático do mando, aplicam-se especialmente à totalidade dos cidadãos (Thomas, Y., "L'Institution de la Majesté", "Revue de Synthèse", 3-4, julho/dezembro de 1991, págs. 331 e seguintes).
A "maiestas" exige reverência. Faltar com o decoro diante dela ou no seu exercício é destruir as bases da fé pública. Um magistrado não tem o direito de ser leviano. Seu ofício e o respeito, nele essencial, pela "civitas" exigem a ponderação, a "gravitas". O demagogo usa o discurso com leviandade. Para os romanos, "falar ao público dizendo o que ele gostaria de ouvir é apanágio do homem que se define ao redor da "levitas". A "gravitas" comanda uma atitude adequada, que não se curva em proveito do sucesso político passageiro" (Yavetz, Z., "La Plèbe et le Prince", "Foule et Vie Politique sous le Haut-Empire Romain", Paris, Maspero, 1984, págs. 84 e seguintes).

Assim, para quem possui a "gravitas", "a leviandade consiste em obter o favor do povo desconsiderando o bem geral" (Yavetz, Z., op. cit., pág. 138). O governante não pode tratar os cidadãos como tolos ou crianças. Isso é atentar contra a "maiestas" coletiva. Ele deve ser o portador de uma "gravitas dicendi" (Hellegouarch'h, J., "Le Vocabulaire Latin des Relations et des Partis Politiques sous la République", Paris, Les Belles Lettres, 1972, págs. 279 e seguintes).

Essas preliminares sobre os termos "grave" e "leviano" em política são importantes para que o leitor medite sobre as palavras do presidente Fernando Henrique, que tenta fugir da clara responsabilidade, por ele assumida, na busca de proteger particulares em operações de compra e venda públicas, implicando bens estatais. Para o presidente, são "levianos" o jornal, o político e o cidadão que procuram ouvir e ler o que foi realmente dito e não aceitam a palavra do governo sem crítica. Se a "gravitas" significa a recusa de endereçar à massa promessas ilusórias, o atual governo não é grave, mas ligeiro. O uso indecoroso do frango a preço baixo (em Roma, dizia-se "pão e circo"), as frases de mau gosto sobre as dentaduras populares, tudo isso é muito leve. Prodígio de "levitas" foi manter a "paridade" entre nossa moeda e o dólar, fornecendo ilusões à classe média, o grande eleitorado presidencial. Fiada no câmbio milagroso, aquela gente comprou, rigorosamente com dinheiro público, bilhões em bugigangas eletrônicas no estrangeiro, engordando os empreendimentos Disney (leves diversões, à altura do intelecto médio) e as companhias de turismo. Com essas palavras, FHC retornou ao Planalto. Gravidade republicana?

E o teor das falas gravadas? "Babaca" e quejandos são termos levianos. A boca suja pode ser aceita entre malandros, na sua vida íntima. Mas, na língua de quem decide a alienação de bens públicos, com repercussões vitais e espirituais sobre os trabalhadores e os empresários, semelhantes vocábulos indicam apenas...."levitas"!

O magistrado FHC, dizendo-se "apenas" presidente, sofre em silêncio longe das salas de aula. "Se eu ainda fosse professor, daria zero para semelhantes pessoas." Estas teriam escutado as fitas dos loquazes poderosos e entendido tudo fora do contexto, numa exegese caolha. Se ele, que deveria ser o magistrado de todos os brasileiros e não de alguns apenas, entra nesse terreno, respondo como docente: o senhor se engana, a sua hermenêutica é distorcida.Ao oferecer um texto para leitura e análise dos alunos, digo-lhes que não se detenham em frases isoladas. E forneço a bibliografia mais completa sobre o assunto. Professor que esconde livros é péssimo exemplo profissional. O governo tudo fez para que as suas conversas fossem ignoradas pelo público. A Folha, sob ameaças policiais e de censura, publicou parte do material.

Os exegetas de plantão, como o sr. Pimenta da Veiga, isolaram as frases de seu plano lógico. Os áulicos ameaçam, como FHC, desclassificar quem não crê no presidente com fé de carvoeiro. Com o uso leve das palavras ("vagabundos", "neobobos", "caipiras" e outras pérolas), o presidente recebe nota baixa nas pesquisas de opinião pública. O professor que rege o Brasil já recebeu, só pelo seu método (esconder o material de leitura dos alunos e atacar quem analisa o seu conteúdo), nota zero de seus antigos colegas, que ainda recusam a demagogia e o servilismo, faces da leviandade científica e política.


Comentário: vez em quando devo lembrar aos fanáticos do petismo (hoje estou preso à tautologia...) que ao dizerem que eu nada falei nos dois governos tucanos da república, eles mentem. Além de mentirosos (isto poderia ser involuntário, pois é possível dizer mentira sem mentir, como diz Santo Agostinho) eles têm má fé. Todas as vezes em que eles jogam-me a pedrada de que me calei no tucanato, recomendo que leiam meus textos no período. Eles não seguem para os arquivos. O que demonstra que são desonestos. Há um Blog mais desonesto de todos os petistas. Ele insiste na calúnia de que sou aderente dos tucanos. Mas não tem a coragem de ir aos arquivos de ontem e de hoje. A mentira canalha lhe basta. É para tais pessoas que às vezes coloco no Blog artigos antigos. Para jogar na cara suja deles (os seus donos têm a cara e muito mais coisa suja) a mentira de que padecem. Não adianta, porque fanático não se convence com fatos, porque sua cabeça é lavada na máquina do partido. Mas os ouvidos dos que devem escutá-los, fica prevenido.

Roberto Romano

Arquivo do blog