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quarta-feira, setembro 10, 2008

Publicada em 10/9/2008


Segurança e insegurança

Roberto Romano

Reiteradas vezes a universidade é acusada de ser alheia à vida pública e aos seus problemas. O juízo não passa pelo exame criterioso. Em todas as áreas da ordem civil, estatal, militar, os campi geram saberes que aprimoram a nossa existência. O problema encontra-se nos gestores do Estado ou da sociedade civil. Se eles têm vistas largas, políticas podem ser implementadas com base nos conhecimentos dos laboratórios, arquivos, bibliotecas. Caso contrário, o saber se acumula, à espera de lideranças capazes e honestas.

No caso dos grampos, hoje em destaque, a universidade produziu textos sérios sobre o tema, mas a sua divulgação é restrita. Por tal motivo, transcrevo o trecho de uma tese doutoral, defendida em 2001 no IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). O autor é Marco Aurélio Chaves Cepik. Peço atenção às suas advertências para controlar a Abin. A parte entre aspas é de Cepik. “Em dezembro de 1999, o parlamento brasileiro aprovou a lei de criação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), sancionada em seguida pelo presidente da República.

Para instruir as missões e o mandato da agência, a legislação em vigor define a atividade de inteligência como sendo aquela que visa a ‘obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do estado’ (Lei 9.883/99, art. 1, § 2 ). O problema é que essa definição é excessivamente vaga, mesmo quando comparada à generalidade costumeira com que o tema é tratado na legislação de outros países. Ela implica, no limite, a idéia absurda de que a agência de inteligência está legalmente encarregada do provimento da onisciência para o governo brasileiro. Se a Abin e os demais órgãos policiais e militares do Sisbin aferrarem-se à letra desse artigo aparentemente anódino em sua lei de criação, correrão o risco de tornarem-se rapidamente irrelevantes para o processo decisório governamental ou, o que seria pior ainda, tentarão acumular poder irrestritamente, protegidos pelo segredo governamental que a própria lei os encarrega de gerenciar.

Sed quis custodiet ipsos custodes? (Quem tutela o tutor? RR) A seriedade da pergunta do poeta e satirista romano Juvenal sobre quem vigia os guardiães não admite respostas retóricas. Não basta dizer que são os cidadãos que controlam, em última instância, os mandatos concedidos aos legisladores, juízes, governantes e suas diversas agências executivas. Tampouco resolve o dilema estabelecer uma comissão parlamentar para supervisionar as atividades de inteligência. A existência da Abin e do Sisbin tem agora amparo legal, mas ainda resta um longo caminho para que possam usufruir da legitimidade derivada da percepção pública de que seu trabalho de proteção da Constituição e dos cidadãos contra ameaças externas e internas não é em si mesmo uma ameaça à segurança dos brasileiros. A lei de criação e os seus dirigentes da área de inteligência, especialmente na Abin e no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR), declaram reiteradamente os altos padrões de ética profissional e o respeito do novo órgão aos direitos humanos, à Constituição e aos tratados internacionais assinados pelo Brasil. No entanto, assim como na política de defesa nacional e no também recém criado Ministério da Defesa, a distância entre a intenção declarada e o gesto ainda terá que ser percorrida. Dados as reiteradas denúncias de violações e questionamentos sobre a missão dos órgãos de inteligência, nos próximos anos a Abin e os demais órgãos de inteligência e segurança do Estado brasileiro caminharão sobre um fio de espada para tentar equilibrar dois desafios normativos, o da agilidade e o da transparência”.

Recebi críticas por responder “sim” à pergunta da Folha de São Paulo (6/9/2008) sobre a nossa vivência (ou não) em regime policial. Trabalhos como o citado mostram que tenho razão ao apontar o Brasil como sepulcro dos sonhos democráticos.

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