Nota prévia
Por coincidencia, no mesmo dia foi publicada a minha coluna, em Campinas (Correio Popular, postada abaixo), a primeira de uma série que analisará problemas da ética universitária, incluindo os plágios, e a notícia sobre a acusação levantada contra um professor de direito. Nestas situações, o mais prudente é esperar a investigação ampla e profunda dos responsáveis, tanto na Escola quanto no Tribunal. Como o mundo universitário, segundo Hegel, é o zoológico do Espírito, cobras podem picar e produzir feridas letíferas. Mas a existência da acusação mostra que tenho boas razões para escrever sobre o tema. Aliás, só decidi redigir artigos sobre este ângulo pouco nobre da universidade, depois de muitos casos tétricos. Que o alerta sirva, afinal. Espero que a luz se faça no caso em questão, e que a dignidade de todos os participantes seja preservada, o que é difícil, mas não impossível.
Roberto Romano
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Correio Popular de Campinas, 28/03/2007
Intelectuais e mordaças voluntárias
ROBERTO ROMANO
Muitos intelectuais silenciam quando seu partido político chega ao poder. As violentas agressões aos direitos coletivos e individuais desaparecem para aquelas mentes que militam em favor de si mesmas e de seus grupos. Como resultado, muitos intelectuais recebem mordaças e seus nomes são cobertos pelo silêncio espesso das ditaduras em ato ou em potência. A regra vale para todos os regimes políticos da modernidade. A mitologia reza que os pesquisadores buscam a verdade sem dogmatismo. Triste engano. Quem vive entre os habitantes dos laboratórios e bibliotecas descobre a falácia. Não por acaso Hegel afirma ser o universo dos intelectuais um “reino animal do espírito”. Cada mestre afirma buscar o verdadeiro, o correto, o belo. Mas todos querem unir seus nomes aos saberes admitidos pelos colegas, políticos, jornalistas, populares. Na luta pela fama, que resulta em verbas, admissão nos gabinetes poderosos, servilismo dos pares menos favorecidos, urge esmagar os concorrentes. Como ninguém na intelectualidade chega ao controle do Estado ou das igrejas (quem realiza a façanha deixou de ser pesquisador antes de pisar nos palácios), a constelação dos cerebrinos, como afirma um comentador de Hegel, “é o reino dos ladrões roubados”. A fama decepciona, pois “o que falta aos intelectuais, para chegar ao poder não é prestígio, mas votos”. A frase de Gérard Lebrun demonstra lucidez enceguecedora.
Muitos, na corrida pelo domínio do verbo e das verbas, copiam trabalhos alheios e os apresentam como seus. Ou usam idéias de colegas e citam a fonte, malandramente, só na bibliografia geral do livro. Muitos se apropriam de métodos e técnicas inventados pelos pares. As malícias do zoológico espiritual são infindáveis e dolorosas. Cada “apropriação heterodoxa” atinge os prejudicados, que amanhã poderão prejudicar seus colegas. É apropriada, para descrever os intelectuais, a frase do sobrinho de Rameau (protótipo do acadêmico sem dinheiro, poder, talento ou disciplina) : “Parecemos alegres; mas no fundo temos péssimo humor e grande apetite. Lobos são menos esfaimados; tigres, menos cruéis. Devoramos como lobos quando a terra ficou muito tempo coberta de neve; estraçalhamos como tigres tudo o que é bem-sucedido”. Recordando Molière: “ninguém será inteligente, se não for tão tolo quanto nós”.
Um livro importante ostenta título sugestivo: Silenciando cientistas e acadêmicos em outros campos, ou Silencing scientists and scholars in other fields: power, paradigm controls, peer review, and scholarly communication. O autor é Gordon Moran (London, Ablex Publishing Corporation, 1998). Gordon narra as impressões recolhidas por ele quando, jovem bolsista, aceitava ser usado pelos velhos professores para preencher as cadeiras vazias nas palestras de mestres visitantes e nas recepções que vinham depois. A impressão causada no moço que iniciava a vida profissional era de certa polidez dos grandes intelectuais nos debates teóricos e metodológicos. Gordon manteve a certeza de que os grandes nomes acadêmicos são afáveis, ouvem e falam na hora certa, respeitam o “sentimento” (como se dizia no século 18 francês) dos oponentes.
Pobre Gordon! Mais tarde, ao trabalhar como crítico de pintura, foi conduzido a noções que contradiziam o ensino oficial. No Palazzo Publico de Siena há o retrato de Guido Riccio da Fogliano, atribuído a Simone Martini. Gordon aventou a hipótese de que o artista seria outro. Esperava polidez no debate e recebeu “insultos, censura, falsificações, todas dirigidas para silenciar a nova hipótese indesejada”. Evidente: a atribuição a Martini alimenta o turismo com os cartazes, pratos, cinzeiros, azulejos de banheiro, garrafas de vinho. Esse plano lucrativo une-se ao mercado dos cargos em museus, revistas acadêmicas, fundações. Daí o ódio trazido pela hipótese de Gordon. Na pesquisa científica e humanística as coisas também se passam deste modo: hipóteses novas são duramente recebidas e, não raro, silenciadas. (continua…)
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Juiz é acusado de copiar obra de autor americano
Marco Antonio Marques da Silva, que disputa vaga de professor titular na USP, diz que houve uma coincidência
Para o autor da denúncia, o professor doutor David Teixeira de Azevedo (USP), 13 páginas foram retiradas do livro "American Courts"
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Virou um imbróglio de acusações a disputa pela vaga de professor titular de direito penal da Faculdade de Direito da USP. A vaga foi aberta no início do ano pela aposentadoria da docente Ivette Senise Ferreira.
Um dos candidatos, o professor de direito processual penal da Pontifícia Universidade Católica e também juiz de segundo grau atuando como desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, Marco Antonio Marques da Silva, é acusado de apresentar como sua uma obra escrita em inglês pelo professor Daniel John Meador, da Universidade de Virgínia, EUA.
O juiz nega que houve cópia. Afirma que se trata apenas de "meras coincidências".
Segundo o autor da denúncia, o professor doutor David Teixeira de Azevedo, da USP, ao menos 13 páginas do trabalho "Organização da Justiça Norte-americana. O Procedimento Penal", publicado no número 736 da "Revista dos Tribunais", de fevereiro de 1997, como sendo de autoria de Marques da Silva, teriam sido retiradas "ipsis literis, et verbis et virgulis" (tim-tim por tim-tim, numa tradução livre do latinismo) do livro "American Courts", de Meador, de 91.
A bibliografia arrolada no texto assinado por Marques da Silva menciona 23 obras. O livro de Meador, entretanto, não aparece como referência.
"Li o texto assinado por Marques da Silva em 1998. Achei estranho. Parecia uma tradução mal feita. Em 2000, li o texto original, do professor Meador, e pensei: "Parece o trabalho do Marques da Silva". Quando ele se inscreveu para o concurso de titular, agora no início do ano, fui comparar. São páginas e páginas, incluindo gráficos, absolutamente idênticos ao da obra americana." O relato é do professor Teixeira de Azevedo, que enviou representação para o diretor da faculdade, professor João Grandino Rodas.
Memorial
A discussão sobre o texto de 1997 de Marques da Silva ressurgiu agora em razão do concurso para professor titular, a mais alta posição da hierarquia acadêmica. Dois professores disputam o cargo: Sergio Salomão Shecaira, que é da USP, e Marques da Silva.Cada um dos candidatos tem de apresentar uma tese, passar por prova de erudição e pelo julgamento de memorial (conjunto de livros, artigos e textos produzidos pelo postulante ao posto, e que condensam a colaboração dele à ciência jurídica). O conjunto dessas notas, dadas por uma banca, indica quem vencerá o concurso.
Foi o próprio Marques da Silva quem incluiu em seu memorial o trabalho publicado na "Revista dos Tribunais" e que agora é contestado.Estava prevista para amanhã reunião da Congregação da Faculdade de Direito, em que a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, titular do Departamento de Direito do Estado, apresentaria relatório sobre os dois candidatos ao concurso.
Ontem, na faculdade, professores comentavam que Di Pietro deverá adiar a apresentação de seu relatório. Segundo Antonio Cabral, pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, só quem poderá dizer se houve plágio no caso em questão é o Judiciário, "depois de analisar as obras". "Não há fórmula pronta", diz."Isso não impede, entretanto, a universidade de tomar as medidas administrativas que julgue adequadas. Quando flagramos um dos nossos alunos copiando trabalho alheio, simplesmente o reprovamos, independentemente de medidas judiciais", explica.
Professor nega acusação de colega e diz que houve "meras coincidências"
DA REPORTAGEM LOCAL
O professor Marco Antonio Marques da Silva enviou à Folha, por escrito, sua versão dos fatos. Segundo ele, "o suposto reclamo" atinge apenas um dos vários itens do memorial que, no caso dele, é composto de 27 artigos. "Desconsiderando-se o texto questionado restariam ainda 26", diz ele.Sobre o texto questionado, Marques da Silva diz que foi produzido "como relatório de viagem aos EUA, a convite do governo daquele país, entre 21 de março e 10 de abril de 1995". "Não tinha a intenção de ser um texto erudito."
"Quanto à alegação de o artigo/texto ter sido retirado "ipsis literis, et verbis et virgulis" do livro "American Courts", de Daniel John Meador, informo não corresponder à verdade. Alega-se que "pela leitura comparativa ao menos 13 páginas foram integralmente copiadas, inclusive dois gráficos do trabalho original". Observo que [o conceito de] "leitura comparativa" é muito vago, além de restar sem conteúdo. Assim, com o livro em questão, constata-se não haver a "cópia" indicada. Há meras coincidências quanto a fatos históricos, composição dos Tribunais e funcionamento, pois esses dados são imutáveis", escreveu. Com referência aos gráficos do trabalho original, o professor Marques da Silva diz que foram retirados do "State Court Caseload Statistics - Supplement to Examining the Work of State Court", que indica a estrutura de todas as Cortes Estaduais americanas". (LC)
Roberto Romano Moral e Ciência. A monstruosidade no sec. XVIII
Silence et Bruit. Roberto Romano
quarta-feira, março 28, 2007
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