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quarta-feira, março 21, 2007

Jornalismo

Calar a voz do profeta

Domingos Zamagna (*)


No início da década de 70 a TV italiana fez uma transmissão sobre o santo Sudário de Turim. Programa austero, mas belo, capitaneado por um excelente jornalista-poeta, por sinal grande amigo de D. Hélder Câmara. No final, o Papa Paulo VI leu uma mensagem em que, substancialmente, dizia: Todos nós temos verdadeira curiosidade para conhecer como foi Jesus Cristo. Mas isso se torna muito difícil, porque os dados evangélicos, que são os verdadeiramente confiáveis, não nos autorizam a tirar muitas conclusões. Uma coisa, porém, eu vos digo: Se quiserdes, hoje, conhecer quem foi Jesus Cristo, olhai para o rosto dos pobres. Eles espelham a verdadeira face do Cristo.

Esta foi a primeira recordação que me veio à mente ao saber que o teólogo jesuíta Jon Sobrino foi banido do magistério. Do que sei sobre ele, de seus livros e artigos, e de uma recente palestra feita em São Paulo, jamais poderia supor que tamanho refinamento intelectual e amor pela Igreja de todos, mas especialmente dos pobres, pudesse ser objeto de tão severa punição. Mas se esta é a sabedoria e a pedagogia de uma congregação da Cúria Romana, vamos respeitá-la, pois todos aprendemos a ser disciplinados, em Roma, Havana ou Teerã.

Como todos os jornalistas, prezo a autonomia do pensamento e a liberdade de expressão. Minha profissão nos treina para não ser excessivamente crédulos. Por isso, quando um documento vem a público, somos instados a ler e entender linhas e entrelinhas, o que se diz e o que se oculta. Não há comunicado ou notificação que se esgote na materialidade dos signos: devemos ver o que ocorre de fato, para além das minudências e tecnicalidades, sejam elas exaradas pelo Kremlin, Pentágono ou Planalto, pelo Quai d’Orsay ou pela Santa Sé. Será prudente aguardar a seqüência dos fatos nos próximos meses. Pois há quem assegure que esta moção faz parte de uma estratégia para lançar a V Conferência do CELAM no precipício da sensaboria teológica e pastoral.

Não sei qual será a reação do Pe. Sobrino. Certamente seguirá a sua consciência. Santo Tomás de Aquino, que aliás também foi condenado, faria o mesmo. Não me preocupo tanto por se calar a voz de um teólogo. Atualmente exige-se tão pouco dos teólogos, esta modalidade de serviço eclesial ficou tão repetitiva e previsível que é relativamente fácil substituir uns pelos outros. O que me assusta, e escandaliza, é quando se cala a voz de um profeta. No caso desse inteligente e humilde profeta-teólogo, ele optou por não ser um mero repetidor de fórmulas arcaicas – como se isso fosse sinônimo de ortodoxia – nem sempre inteligíveis para a contemporaneidade. Está cada vez mais difícil encontrar estímulo entre os porta-vozes de alguns modelos institucionais para quem, não desejando que a Igreja caia na irrisão do mundo da competência, se esforça por tornar a Palavra de Deus realmente significativa para os jovens e os pobres do nosso continente.

Desde os tempos bíblicos sabemos que os profetas são perseguidos pelos reis, pelos levitas e pelos sábios. A menos que se convertam ao Deus vivo da Revelação, que se manifesta sempre, não pela exclusão, mas pela solidariedade, pelamisericórdia, pela compaixão.

(*) Jornalista e professor de Filosofia.

Comentário: o autor é modesto. Trata-se, no seu caso, de um especialista em Exegese dos mais ilustres, conhecedor das técnicas e das teorias, com uma erudição extrema. Fico muito contente em ter Domingos Zamagna como amigo.

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