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domingo, março 04, 2007

Pânico e democracia

O CESeC – Centro de Estudos de Segurança e Cidadaniaam

http://www.uccesec.com.br

Alexandre Staut
São Paulo

Conceitos sociais de justiça e punição entram em colapso em episódios nos quais a população se vê ameaçada de alguma forma. A análise é de Roberto Romano, filósofo e professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e estudioso de fenômenos relacionados ao terrorismo. Ele afirma que o pânico e a revolta do cidadão paulistano na segunda- feira (15) em torno dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) deveriam ser estratégicos para reflexões acerca dos destinos da democracia e do Estado de Direito.

“Na teoria, o Estado moderno concentra a força física e a estabilidade de comportamento. Assim, deveria garantir uma segurança mínima, não absoluta, à população. Se a instituição pública não consegue assegurar seu poder, as falhas sociais se alastram. Este foi o motivo do pânico generalizado que São Paulo protagonizou na semana passada. O cidadão correu para sua casa por não acreditar nas instituições públicas. Não podemos nos esquecer de que a residência, a princípio, representa uma instituição anterior ao Estado”, diz Romano.

“O que houve em São Paulo foi um verdadeiro desastre. A culpa não é do Judiciário, é do sistema, que é falho”, diz Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Romano explica que o fenômeno ocorrido na cidade é denominado “massa de fuga”, ou seja, o mesmo que aconteceu em Nova York, em setembro de 2001, ou em Madrid, em março de 2004, nos episódios dos atentados terroristas. “É como se um grupo estivesse trancado em uma sala de cinema e alguém de repente gritasse ‘fogo!’”, exemplifica.

Normalmente, a paranóia causada em torno da “massa de fuga” se transforma em “massa de vingança”, um fenômeno cunhado no século XVIII durante a Revolução Francesa. “A confusão acerca de conceitos de justiça e de punição fez com que muita gente apoiasse esquadrões de matança de bandidos e levantasse bandeiras a favor da pena de morte em São Paulo. Este é o primeiro aspecto que denota a transferência da ‘massa de fuga’ para a ‘massa de vingança’. A vingança é uma prática ancestral sempre presente nas sociedades, basta pensar nos justiceiros que agem até hoje no interior do Brasil”, afirma o filósofo.

“Mas o sentimento de vingança contra os bandidos apenas legitima a falta de autoridade do Estado, que está falido. Não deveria ser novidade para ninguém de que a bandidagem vende a morte como mercadoria. Neste sentido, ninguém deveria se assustar com seu comportamento, que é recorrente e previsível”, diz.

Os primeiros ensaios escritos sobre fenômenos relacionados ao terrorismo, pânico e vingança datam do século XIX, e, desde aquela época, estudos apontam que sua causa está relacionada à falta de credibilidade de instituições políticas. “Na Rússia, em 1879, por exemplo, foi criado um partido chamado ‘A Vontade do Povo’, um núcleo de propostas terroristas que dinamitou o refeitório do Czar. Mas o alvo dos atentados terroristas contra políticos começou a ocorrer na Revolução Francesa, no século XVIII, em uma luta para acabar com o prestígio do poder governamental”, diz o filósofo Roberto Romano.

Ele diz acreditar que, ao correr para casa, a população não lutou para fazer valer seus direitos democráticos, apenas legitimou uma regressão à barbárie. “O que é perfeitamente compreensível, pois o poder público nacional não tem credibilidade. A população vê o grupo de políticos do País como uma grande quadrilha distribuída nas esferas federais, estaduais e municipais”, diz. “O que não atenua a problemática da criminalidade no Brasil é que a ação do facínora nacional é calculada, organizada, como se houvesse uma tática de guerra em questão. O mesmo não se pode dizer do poder público, que tem táticas medíocres, irracionais.”

Romano afirma que em vez de cobrar pena de morte e a matança em massa de bandidos, a população deveria exigir padrões éticos das autoridades. “Em uma atitude impensada, muita gente ficou aliviada com a suposta negociação entre o governo estadual e o PCC. Se esse acordo aconteceu realmente, entramos em um caminho sem volta para a barbárie”, diz.

Ele observa que o Iluminismo pode ajudar a entender os sinais de decadência urbana e desorganização social que São Paulo protagonizou. “O grande problema é que a multidão não é educada para a Arte e a Ciência. A população média brasileira não sabe fazer cálculos básicos de probabilidade. Assim, não consegue reunir dados para escolher seus políticos”. Ele cita o Marquês de Condorcet, um nobre nascido em 1743 e considerado o responsável pelo plano da Revolução Francesa, como sendo um filósofo que mostrou a importância de ensinar Matemática ao povo. Autor de um livro chamado “Sobre as Eleições”, Condorcet passou a vida a pensar na situação dos pobres e dos ignorantes. “Assim como Diderot, Condorcet compreendia a instrução por seu papel esclarecedor, como uma estratégia formadora de códigos de civilidade. É isso o que falta no Brasil. Por isso não adianta propor a morte aos bandidos, nosso problema é mais complexo”, diz.

“A decisão da Justiça de progressão de regime de pena para presos acusados de cometer crimes hediondos é mais um dado que mostra a problemática brasileira. Não nos esqueçamos de que o Judiciário acompanha a crise do Estado”, diz o filósofo. O presidente do STF discorda de Romano. “O Judiciário cumpre a Constituição. Talvez o grande problema seja a administração penitenciária e o tráfico de drogas”, diz Farias Mello.

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