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CONTRA A RAISON D' ÉTAT

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Ah, o mundo intelectual....

Pascal diz que jamais devemos dizer "meu livro"e sim "nosso livro". Mas ele não pensou nos que adiantam coisas e fingem ignorar que elas foram ditas antes...coisas do "reino animal do Espírito" como dizia o bom Hegel.
Roberto Romano


Palavras que definem o silêncio


Sobre a Tagarelice, de Plutarco,
mostra como o discurso esconde muitas vezes
a incapacidade real de escutar o outro
*Regina Schöpke

Diderot dizia que quase nada se retinha sem o auxílio das palavras, mas que ainda assim elas nunca bastavam para transmitir o que sentimos. Para Kant, as palavras nunca poderiam lesar alguém - bastava não acreditar nelas. Nietzsche chamava a atenção para o fato de que aquele que se sabe profundo esforça-se para ser claro, enquanto aquele que gostaria de "parecer" profundo esforça-se para ser obscuro. A linguagem nos constitui: é a teia de nossos pensamentos, de nossa imaginação, de nossa vida social. Mas há menos palavras do que coisas a serem ditas e sentimentos a serem expressos. Falar é uma arte, e a língua tanto pode ser uma ferramenta para erguer mundos quanto uma arma letal. É por isso que, para Plutarco, filósofo grego do primeiro século de nossa era, ainda mais importante do que falar é saber calar.
De fato, quem fala demais corre o risco de dizer o que não deve. Mas a tagarelice, segundo Plutarco, não é só um desejo desmedido de falar; oculta algo mais profundo, a incapacidade real de ouvir. Fala-se muito para não escutar os outros e, talvez, para não escutar a si próprio. Trata-se de uma espécie de "surdez voluntária" - quem fala mais do que deve atrai para si a desconsideração e a antipatia geral, não sendo poucos os exemplos de imoderados que causaram a sua própria ruína, a dos outros ou mesmo a de uma nação inteira por não conseguirem reter o que sabiam.
Eis aí um pouco do que podemos encontrar em Sobre a Tagarelice e Outros Textos (tradução de Mariana Echalar, Landy,112 págs., R$ 30). Plutarco tinha um pensamento bastante eclético: ele acreditava na mística dos números, na Providência, em adivinhações e foi, inclusive, nomeado sacerdote vitalício de Apolo Pítico, em Delfos. Ele pode ser definido mais como historiador e moralista do que como um filósofo, embora essa seja uma consideração temerária, uma vez que Plutarco viveu a vida inteira para a filosofia, mesmo sem deixar nenhuma grande obra teórica. Seu pensamento chegou até nós em dois conjuntos: as dezenas de biografias de personagens célebres, denominadas geralmente de Vidas Paralelas, e a coletânea de tratados que recebeu o nome de Obras Morais.
É deste último conjunto que foram extraídos os três textos que compõem este volume: Sobre a Tagarelice, Sobre a Demora da Justiça Divina e Das Doenças da Alma e do Corpo, Quais São As Mais Graves?. No primeiro, Plutarco preocupa-se com a justa medida no ato de falar, mostrando a necessidade de evitar os exageros. O que fica evidente é a valorização do discurso e a importância do silêncio e da reflexão para o verdadeiro aprendizado da filosofia. No segundo texto, vemos uma reflexão sobre o fato dos perversos não serem punidos imediatamente pelos seus delitos. Ainda que Eurípides diga que a justiça firme avança "a passos pesados", os maus sempre acabam vendo-a muito mais "como obra do acaso do que da Providência", diz Plutarco. Mas Deus, diz ele, dá a cada um o remédio necessário, não possuindo uma medida comum ou um tempo determinado para sua ação. Deus ou a Natureza, diria Espinosa, muitos séculos depois - já que, apesar de toda a mística de Plutarco, o que vemos é a constatação de que, como decorrência de sua natureza nefasta, os maus caminham para o abismo com suas próprias pernas.
No último tratado, Plutarco reflete sobre uma questão eterna: que tipo de sofrimento é mais prejudicial ao homem? Como filósofo não é difícil deduzir que ele opta pelas doenças da alma, sobretudo porque as do corpo são mais facilmente denunciáveis, enquanto as do espírito, mais ocultas e em geral malignas, "roubam a percepção" dos que são acometidos por elas. Seja qual for a gravidade das doenças físicas, Plutarco sustenta que "as tempestades da alma são sempre as mais graves", pois impedem o homem de voltar a si. E, assim, "sem piloto e sem lastro, ele cai de cabeça na confusão e no desvario".
Enfim, este pequeno resumo dos textos contidos neste volume serve, no fundo, para nos mostrar três coisas: não estamos diante de uma simples curiosidade literária de um passado remoto; as grandes questões humanas não variam tanto, mesmo ao longo dos séculos; e não evoluímos tanto a ponto de poder desprezar a sabedoria dos antigos. Ainda hoje continuamos inconfessadamente esperando que os maus sejam punidos por uma justiça superior, assim como continuamos deixando que o veneno inoculado em nossas almas destrua os nossos corpos. E, ainda mais do que tudo, falamos demais, quase sempre sem dizer o essencial.
Regina Schöpke é filósofa e historiadora

SILENCE ET BRUIT. LA SATIRE EN DENIS DIDEROT, PUBLICADO EM PORTUGUÊS NO ANOS DE 1997 PELA EDITORA UNICAMP, COM O TÍTULO DE SILÊNCIO E RUÍDO. A SÁTIRA EM DENIS DIDEROT. EMBORA LIDO POR PESSOAS DA BRASIL INTEIRO E DO EXTERIOR, ESTE LIVRO "NÃO EXISTE"PARA AS SEITAS FILOSÓFICAS QUE DOMINAM AS AGÊNCIAS DE FINANCIAMENTO, ETC. É BOM NOTAR, NO ENTANTO, QUE ANTES DE OUTROS, ALGUÉM ESCREVEU SOBRE UM TEMA, COM FARTA BIBLIOGRAFIA E ANÁLISE. O link para o livro inteiro está no cabeçalho deste Blog, para quem quiser conferir. Reproduzo abaixo, exatamente, o capítulo em português que fala de Diderot e do falatório, segundo...Plutarco. Quem quiser, entenda.

Roberto Romano





Capítulo VI: Plutarco: Garrulice e Adulação.



Rousseau, outro expulso do convívio humano por vontade própria ou não, estudou o abismo entre lisonja e amizade. Nele, é possível constatar após os trabalhos de J.-S. Spink, a presença de Plutarco mostra-se diretamente. Como se lê no IVº. Passeio: “No pequeno número de livros que eu lí às vezes ainda, Plutarco é o que mais me atrai e me traz proveitos. Foi a primeira leitura de minha infância, será a última de minha velhice”. Segundo Marcel Raymond, as Moralia de Plutarco e os Ensaios de Montaigne são “duas formas clássicas da reflexão e da meditação literária e filosófica” anteriores a Rousseau.1 O leitor de Plutarco considera grave defeito, na fala e na escrita, utilizar “um estilo demasiado florido e demasiado suave se, além disto, ele nada significa e não pode produzir nenhum efeito além do som das palavras”.2 Existe literatura sobre Rousseau e Plutarco, há quase um consenso sobre a importância plutarquiana em seu modo de encarar a existência. 3 A bibliografia sobre Diderot e Plutarco é quase nula.4

É possível analisar uma obra inteira que tematiza o sentido e a linguagem, como é o caso do Sobrinho, sem passar pelo texto de Plutarco, lido e retomado, desde a Renascença na república letrada, enquanto fonte comum de crítica ao excesso de palavras ? Na França, sobretudo, o De Garrulitate alimentou os mais amplos círculos intelectuais, políticos, religiosos. Plutarco não apresenta doutrinas éticas sem carne. Ele as expõe em figuras e anedotas, dando vida ao problema que enfrenta. Antes de ser traduzido por Amyot, escritor cujo nome se irradia em toda a cultura européia , o discurso que discutimos surgiu em pelo menos seis versões latinas diversas. A história desta tradução, com seus pressupostos, foi realizada por Robert Aulotte.5 Este estudioso coligiu dados e analisou frase a frase as obras originais e a sua forma francesa. Discutindo as “traições” , as lacunas, e outros problemas textuais, Aulotte teceu considerandos sobre a recepção filosófica e cultural das Moralia. Isto interessa muito para o que será desenvolvido a seguir.



A voga das Moralia atingiu e marcou, só na França (deixando-se de lado Erasmo e os grandes humanistas europeus) Ambroise Paré, La Primaudaye, Jean Bodin e...Montaigne. 6 Discípulo de Platão, Plutarco surge na época moderna ao lado do mestre, mas em companhia de Montaigne, “sem que seja sempre possível determinar o que pertence a Amyot e o que constitui a contribuição dos Ensaios”.7 Crítico de estoicos e epicuristas, Plutarco não raro “empresta”, destes últimos, pedras para sua construção teórica. Este procedimento eclético facilitou a sua aceitação pelos céticos. Isto ocorreu com Montaigne, que apreciou o modo “dubidativo e ambiguo” do pensador. 8 A moral estoica, também divulgada na época, não seduz, por seu rigor excessivo, as almas dos humanistas. No século l7 diminui o público das Moralia, com os católicos e os protestantes sequiosos de certezas éticas, sem nenhuma suspensão do juízo, ou melhor, só com a suspensão do raciocínio livre, em favor dos frios dogmas. Plutarco ensinou aos homens do século l6 a polidez civil, fazendo-os pensar com seus próprios recursos, distinguindo a verdadeira amizade da falsa,também treinou-os para que dominassem a lingua em público e na vida íntima. A presença plutarquiana mostra-se na literatura narrativa e dramática. Sob Corneille e Racine encontram-se rostos de heróis trágicos e retos idealizados por Plutarco, nas Vidas e nas Moralia.9 A lingua foi enriquecida com o árduo esforço de Amyot para exprimir em francês o lexico e a sintaxe refinadíssimos, cultivados nos campos de Platão, de Aristóteles, dos estoicos, epicuristas, etc.

Durante o século l7, apesar de sua influência ter sido menos abrangente, Plutarco continuou ensinando o sincretismo das sabedorias antigas. Além disto, ajudou a manter e expandir “o gosto da análise, o culto da razão, da civilidade e da nobreza moral”. Ele também forneceu ao “homem de bem” o material linguístico preciso e rigoroso, mas elegante, “para exprimir os milhares de matizes de sua psicologia”.10

No século l8, Montesquieu forneceu sua definição de “lei”, cuja importância é lugar comum do pensamento moderno, a partir de Plutarco.11 A música enquanto arte formadora, tal como vista por Plutarco, é discutida por Montesquieu, pois ela é “um meio entre os exercícios do corpo que tornam os homens duros, e as ciências da especulação que os tornam selvagens”. Nos mesmos livros e capítulos do sua obra prima, Montesquieu parece penetrar no âmago da luta ao redor do teatro, que se tornará guerra declarada entre Rousseau e os enciclopedistas após a Carta sobre os Espetáculos : “Enfim, os exercícios dos gregos só excitavam neles um gênero de paixões, a rudez, a cólera, a crueldade.12 A música excita todas estas paixões, e pode fazer a alma experimentar a doçura, a piedade, a ternura, o doce prazer. Nossos moralistas, que, entre nós, proscrevem tão fortemente os teatros, fazem-nos sentir bastante o poder que a música tem sobre as almas”. 13


Voltaire, no Dicionário Filosófico, falando sobre o “amor socrático”, diz que “se abusa”de Plutarco, “que, nos seus falatórios, no Diálogo sobre o Amor, faz um interlocutor afirmar que as mulheres não são dignas do amor verdadeiro”.14 Na Enciclopédia encontra-se um juízo peremptório sobre o pensamento de Plutarco: “os assuntos das Moralia...são, em geral, tratados superficialmente”.15 Seja qual for a opinião sobre Plutarco, o fato é que ele foi lido e ajudou a formar as percepções éticas, políticas, estéticas e filosóficas da França cultivada, até a época em que Diderot liderou as Luzes enquanto seu irmão adversário, Rousseau, se consolava da solidão lendo o tratado “Como utilizar nossos inimigos”.16

O texto sobre a garrulice começa num círculo onde impera a impossível comunicação de sentidos e significados. A fala movimenta a lingua e o ouvido. No relacionamento “normal”, o elocutor enuncia algo e o intérprete, ouvindo, conduz os sons para um sentido lógico. Pode haver erro nesta operação, tanto em quem fala quanto no ouvinte. Mas os meios são abertos ao corretivo. A filosofia busca dar forma inteligível à linguagem, depurando seus equívocos em favor do acesso comum à ciência, à beleza, ao bem. Isto ajuda a prática costumeira de produzir e interpretar leis comuns de convívio, o que fornece solidez à cidade. Nesta faina curativa, a filosofia usou frequentemente o remédio homeopático: o semelhante cura o semelhante. Ou seja, no mal, o remédio. 17

Na parolagem sem freios a cura é árdua. O remédio a ser usado, neste caso, é o próprio veneno: trata-se do logos, ele mesmo doente. Se as demais insanidades podem ser curadas pela palavra ou podem ser entendidas 18 , neste caso a situação é “embaraçosa”, como traduz Amyot, ao ler o paradoxo inicial do texto plutarquiano. O logos adoecido, fluxo instável 19 , não tem solidez alguma. No acometido de logorréia ele é menos remédio e mais veneno. Naquelas pessoas só a boca opera, enquanto o ouvido permanece trancado. Vimos acima, citando o texto de Luciano sobre o mímico (De Saltatione), que Demetrius se encantou com o artista, após ter este feito calar instrumentos e, sem palavras, encenou poemas e tragédias.”Eu ouvi a história que você fez, eu não a enxerguei apenas. Opino que você fala com a mãos!”. Não se trata apenas de “falar”, no caso. O bailarino e pantomímico, segundo o filósofo, era gárrulo com as mãos. O texto remete ao loquaz. Esta é uma característica essencial de Jean François, no Sobrinho.O autor da Carta sobre os Surdos e os Mudos, e da Carta sobre os Cegos preocupou-se, como venho indicando até agora, com o dificílimo problema da tradução entre os cinco sentidos. É este o paradoxo inicial que encontramos no De Garrulitate. No adoecido de parolice, não há passagem possível da lingua para o ouvido. Para ele, o silêncio é insuportável.

Enfrentamos uma “doença da alma” : os falastrões apresentam “uma surdez voluntária” . Eles se queixariam de terem recebido da natureza apenas uma lingua e dois ouvidos. Impossível dialogar com o gárrulo, pois ele não ouve. O boquirroto é como um vaso furado onde as palavras sensatas entram e saem imediatamente. A imagem foi produzida por Amyot a partir de Eurípides, citado por Plutarco, combinando poesia e uma frase que vem adiante (DG, 502 E) : “as palavras ouvidas, que os demais retêm, escorrem nos gárrulos, os quais, a seguir, como vasos, vazios de espírito, cheios de barulho, vão daqui para alí”. 20 Os outros cuja alma adoeceu —o avaro, o ambicioso, o lascivo— conseguem atingir o alvo de seus desejos, mas o falador sempre se decepciona : ele jamais encontra um ouvinte. Entre os exemplos dados por Plutarco desta impossivel comunicação, um é importante para nós: “quando o boquiroto entra num banquete...todos se calam, temendo fornecer-lhe ocasião para falar”. Vimos que Jean-François tem um pacto “tácito” com os convivas de seus mestres. Quando ele come, todos falam. Quando ele fala, imediatamente vem a censura: “ó Rameau!”.

A palavra do gárrulo é infértil. “Pois, como se diz que a semente dos que se unem muito frequentemente com as mulheres não tem força de engendrar, também a conversa destes falastrões é estéril”. Jean-François é um gênio sem obras que frequenta os trabalhos alheios, mas não tem forças ou energia para gerar os seus próprios. Assim, ele mimetiza o labor dos outros, acumulando um saber ou pretenso saber do que já foi feito —sobretudo por seu tio— sem produzir música ou teatro. Saltando de uma produção para outra, o sobrinho só capta e expressa fragmentos, nunca um ser inteiro: “Ele —Não é nada, são momentos que passam. (Depois, voltou a cantar a abertura das Indias Galantes e a canção Profundos abismos, e acrescentou :) Alguma coisa há que me fala e diz : Rameau, gostarias bem de ter feito esses dois trechos; se tivesses feito esses dois trechos, terias feito outros dois; depois que tivesses feito um certo número, serias tocado, cantado potr toda parte; quando andasses, irias de cabeça erguida, a consciencia testemunharia perante ti mesmo o teu mérito próprio, os outros te apontariam com o dedo. Dir-se-ia : foi ele que fêz as belas gavotas....”.21 Como não fez nem fará “belas gavotas”, e muito menos “As Indias Galantes”, Jean-François não tem, de fato, quem o escute, porque ele nada tem a dizer .

Homero, no De Garrulitate, é apontado como “o único no mundo que jamais cansou ou aborreceu os homens, mostrando-se sempre outro ao leitor, sempre florescendo em novo encanto; ele também mostrou o quanto temia e se afastava deste desgosto e deste incômodo que acompanha de muito perto toda longa corrente de palavras”. No Sobrinho, a figura de Jean-François repete o já conhecido. Suas teorias sobre as paixões e a música são tudo, menos novidade. De modo geral, ele repete o que já foi feito e dito. Há uma inversão irônica e satírica de Homero: este último, via Ulisses, “detesta repetir lugares comuns”.22 Em Homero, os versos e a história, embora sempre os mesmos, sempre são outros. Montaigne indica os textos homéricos como “o jardim de toda espécie”. O poeta é o primeiro e último de sua raça: “não tendo ninguém que o pudesse imitar antes dele, não teve ninguém que o pudesse imitar”. Montaigne se espanta que Homero, “que produziu e colocou no mundo vários seres divinos por sua autoridade, não tenha obtido para si mesmo a condição de um deus”.23 Quanto a Jean-François, “Nada se desassemelha tanto a si mesmo quanto ele próprio”. Estéril força mimética, o sobrinho confessa logo no início do diálogo, um “ódio terrível contra o gênio”.

Enquanto “Ele” é um rio de palavras sem dique, o “Eu” filosófico parece seguir os conselhos plutarquianos, quando frequenta os cafés do Palais Royal, lugar das conversas e das conquistas, das inconfidências políticas e dos falatórios sobre a vida alheia: “Certo dia, após o jantar, lá estava eu, olhando muito, falando pouco, e escutando o menos possível”.Os preceitos morais seriam seguidos à risca pelo “Eu”, caso ele se negasse a entrar no torvelinho discursivo de Jean-François. Buscando sentido e significados das palavras, o “Eu” é arrastado para o campo das tautologia, que o gárrulo sobrinho expõe diante dele, como a desdobrar palimpsestos poéticos, musicais, éticos, picturais, através da mímica e da fala fragmentária. ”O século 18 não poderia se reconhecer no sobrinho de Rameau, mas estava presente inteiro no Eu que lhe serve de interlocutor...é a primeira vez que se conversa com ele, e que, novamente, ele é questionado”. Os tipos de indivíduos com o jeito de Rameau atingem a desrazão do século l8. “Seu falatório, sua inquietude, este vago delírio, esta angústia fundamental, eles viveram isto o bastante, em existências reais de que podemos ainda encontrar o traço”.24

As tautologias, fantasmas que perseguem os sistemas filosóficos, em especial os dogmáticos, à força de repetirem certezas, chegam à falta de sentido. Vejamos Plutarco: “O silêncio é uma sabedoria profunda e cheia de grandes segredos. A embriaguez, pelo contrário, é cheia de tumulto, vazia de sentido e razão”. 25 À regra da consequência lógica, subjacente no princípio de identidade, o gárrulo retruca, como pessoa a-racional, irrefletida, com uma polifonia. 26 Isto conduz ao não sentido que ameaça o logos íntegro, verdadeiro e bom, perseguido pelo filósofo. 27 Ameaçando o princípio de identidade, Jean-François coincide consigo mesmo, e pode entregar-se ao luxo de não ser, ao mesmo tempo, consequente. Discutindo sobre o gênio, “Eu” diz que ainda não está decidido que Rameau, o tio, o seja. Mas e Racine, e Voltaire ? “Ele —Não me apresse ; pois eu sou consequente”. Mais adiante, quando a discussão é sobre ele mesmo, Jean-François, servo de quem recebia seus elogios, afirma desenvolver “uma liberdade que eu tomava sem consequência, pois eu, eu sou inconsequente”. 28

Barulho e falta de sentido definem aspectos essenciais da sátira e permeiam o texto diderotiano que discutimos.O gárrulo não é encontrado sozinho. Ele partilha uma doença da alma com a coletividade que sofre da mesma loquacidade. Um segredo, diz Plutarco, não dever ser posto à discreção de outrem. Se o ouvinte é falador como o que lhe confiou um arcano, sua perda é legítima. Se ele for melhor, e guardar o que lhe foi dito, é contra toda lógica 29 que o inconfidente se salva. Um homem que relata a outro algo que deveria ser silenciado, começa a ciranda interminável da incontinência verbal. A unidade não deixa o número um e não ultrapassa seu limite. O número dois é princípio indefinido da diferenciação, pois ele saiu de si mesmo ”duplicando a unidade e se transformando em pluralidade, também uma palavra, quando permanece encerrada no que a sabe primeiro, é verdadeiramente secreta, mas desde que ela sai e chega a um outro, começa a ter o nome de ruído comum (...). E assim, como não é fácil prender um pássaro, quando se deixou que ele escapasse das mãos, também não se pode recuperar uma palavra, desde que ela foi lançada longe da boca, pois ela voa batendo asas e se espalha de uns aos outros”. 30

Doenças da alma, como as do corpo, são transmitidas . As enfermidades somáticas possuem um meio comum que permite sua propagação. Surge o problema do contágio anímico. Plutarco, como indica Jackie Pigeaud, evoca o exemplo do amor. A alma sofre com o corpo, porque há uma diadosis entre ambos. E a alma age sobre o corpo : pensamentos eróticos excitam os órgãos sexuais, o ciúme contamina o corpo. O difícil, no contágio, é compreender a distância da propagação sem contacto imediato. “É necessário um elemento homogêneo no qual se produza uma diadosis, isto é, uma circulação. Isto se concebe perfeitamente num mundo regulado pelo princípio da simpatia, por exemplo no caso da alma e do corpo, onde um e outro podem se contaminar por contacto e circulação”.31

Se uma urbe adoece de garrulice, nenhum segredo é guardado. Plutarco lembra o caso de Roma : a lingua solta de um só homem a impediu de recuperar vida livre, perdendo-se o bom momento de sumir com Nero. É narrado o caso do senador que transmitiu um suposto segredo à sua mulher. Num instante, a cidade toda foi atingida pelo “contágio” da mensagem. Do mesmo modo, em sentido oposto, o autor relata a salvação de uma polis inteira pelo contrôle da lingua de cidadãos, mesmo sob tortura.

Hegel entende a difusão das Luzes, justamente através da figura de Jean-François, como um processo expansivo de parolagem: “o juízo sendo o palavrório de um instante que logo se esquece”. O intelecto das Luzes se caracteriza pelo abuso do “arrazoado” e da “conversa frívola”. Com esta fala onde se unem a tolice do conteúdo e a tolice de quem o enuncia, chega o democratismo do saber: “a coleção mostra que o maior número tem mais espírito”. Deste modo, “as luzes singulares e resolvem na intelecção universal”. E como ocorre esta expansão da parolagem e do “Räsonnieren”? Quando se trata de combater a crendice, o ataque das Luzes expande-se, pela intelecção pura, ao maior número e faz “pensar numa expansão calma ou na difusão de um vapor na atmosfera, sem resistência. Ela é uma infecção (Ansteckung) penetrante que não se faz notar...Só quando a infecção se expandiu é que ela se torna para a consciência, que a ela se abandona sem suspeita”. Deste modo, a doença chega até o núcleo das velhas noções e ‘numa bela manhã uma cotovelada no fulano e patatras, o ídolo jaz sobre a terra’ . Uma bela manhã, cujo meio dia não é vermelho de sangue, se a infecção penetrou todos os órgãos da vida espiritual, a seguir a memória conserva ainda, como uma história passada não sabemos como, a forma cadavérica da encarnação precedente do espírito”.32 Da parolagem à queda das antigas crenças, o processo é o de um contágio que dissolve a cultura antiga até os ossos. Este movimento dionisíaco e báquico já foi analisado por mim, em artigo sobre a concepção hegeliana da guerra. 33 A leitura Hegel sobre o Sobrinho une a garrulice e a sua forma de expansão enquanto contágio. Se existe apenas coincidência entre esta leitura e a presença de Plutarco, escritor estratégico na base da cultura do Ocidente, no século l8 e l9, ela é espantosa.

Diderot tem plena consciência das aporias encontradas na difusão das Luzes.Sem mudar a lingua do vulgo, impossível estabelecer um reino de liberdade no mundo moderno. Neste sentido, há nele dois movimentos: em primeiro lugar, o partilhado com outros intelectos que viam no ensino um caminho para redefinir a lingua do povo. Mas também há certa desconfiança neste método. Vejamos a saída inicial: “Pense bem, meu amigo : alguns sábios, alguns bons espíritos se instruem através de escritos e nas bibliotecas, retificando pela reflexão, a leitura e a conversa, o vício de suas idéias; o erro, entretanto, permanece e circula nas ruas, nos templos, nas casas, com as inperfeições do idioma. O espírito renovou-se e é sempre a mesma lingua que se fala.É portanto o idioma que precisamos reinstaurar, trabalhar, ampliar, a menos que queiramos, como na China, fazer o sapatinho da criança servir no pé dos homem”. Diderot mostra a importância da garrulice coletiva: “É do idioma de um povo que precisamos nos ocupar, quando queremos dele fazer um povo justo, razoável e sensato. Isto é tão importante que, se o senhor bem refletir um momento sobre a rapidez incompreensível da conversa, o senhor conceberá que os homens não profeririam vinte frases num dia, se eles não se impusessem a necessidade de ver distintamente em cada palavra por eles dita qual é ou a idéia ou a coleção de idéias que a ela se apegam”.

Mas a segunda via seguida por Diderot é mais desconfiada. Ele suspeita ser quase impossível “reformar a lingua”, dela retirando os velhos equívocos e superstições. O leitor de Francis Bacon procura exorcisar os ídolos do mercado, mas não esquece os da caverna e, sobretudo, os do teatro: as disputas sempre existirão entre os homens. “As palavras, desde que bem definidas, uma questão logo a seguir se propõe”. Este é um erro, enuncia Diderot. E não se pense, acrescenta, tratar-se apenas de acrescentar experiências à querela. Assim, ela apenas muda de objeto, “a dificuldade aumenta a tal ponto que alguns homens ajuizados disseram que os fatos nada provam , tamanha era a pena para constatar os fatos e aplicá-los à questão”. E se fosse escrito um dicionário onde se fixasse a “verdadeira” significação das palavras? Resposta diderotiana: “Este dicionário bem feito acabaria com muitas disputas, mas não com todas. Os geômetras as mantêm entre si, elas subsistem desde longa data, se não sei quando terminarão”.34 Expulsar o falatório baseado no equívoco, melhorando a comunicação do vulgo? Mas como, se os próprios sábios estão imersos nas controvérsias e nem os geômetras escapam da famosa diaphonia indicada pelo pensamento cético?

Não se “resolve” definitivamente, em Diderot, o dilema da lingua solta e da falta de sentido na comunicação. Ele desconfia de uma “gramática” que expressaria a racionalidade universal com a ética correspondente. Contra Du Marsais, ou, em outros registros, Condillac, Diderot eleva-se em favor daquilo que é “aberrante” e não segue a lógica dos racionalismos analíticos. Se é verdade que o vulgo repete lugares comuns, também é certo que os gramáticos, desejando estabelecer significações idênticas e universais, terminam em pura discussão sobress tautologias, apesar de seu pretenso laconismo. A luta entre garrulice e silêncio, que definiu a razão do século 17 tornou-se, no 18, apoteose da mathesis universalis (anacrônica,poderíamos dizer), como em Du Marsais e seu continuador Beauzée. 34 Na teoria da música, este pensamento foi representado por Rameau.

A outra via dessa luta tomou a forma da sátira. É característico que Voltaire, seguidor do “bom gôsto”, tenha escrito uma obra que, ao lado do Sobrinho, foi a maior sátira à garrulice da razão matematizante do seu tempo, o Cândido.É verdade que o alvo era Leibniz. Num polemista nato, como Voltaire, pouquíssimo tolerante, Newton deveria ser vingado. Em todo caso, resta que a própria tese da razão produziu uma sátira da razão. Ainda não surgira a estranha idéia de transformar a sátira em crítica da razão pura.

Mas não apenas da parolagem vive o intelecto moderno e antigo. A lisonja marcou a comunicação social, sobretudo nas trocas de engenho a engenho, de um trabalho do espírito a outro, e na consolidação do poder. As reflexões hegelianas sobre a linguagem, na Fenomenologia, que desembocam na garrulice das Luzes e na sua propagação por diadosis, é antecedida pela análise da lisonja. Através desta última, chega-se a Jean-François, cético dissolutor da cultura, ao mostrar a sua “tolice” . O discurso, no Sobrinho é a “perversão de todos os conceitos e de todas as realidades; ele é o engôdo universal de si mesmo e dos outros, e a impudência de enunciar este engôdo é justamente a sua mais alta verdade.Este discurso é a loucura do músico que juntava e embaralhava trinta árias italianas, francesas, trágicas, cômicas, de todos os tipos de caracteres; ora numa voz baixa ele descia aos infernos, logo engasgando e imitando um falsete, ele rasgava os ares, sucessivamente furioso, amenizado, imperioso, irônico”. 35

Loucura ou dissimulação meticulosa? O barulho das palavras iluministas contra a superstição, a passagem ao universal, quando suas teses tornam-se crenças da “Humanidade”, a atitude cética diante do Absoluto, tudo isto só pode ser um momento de loucura 36 para Hegel, enquanto o Espírito não encontra a si mesmo, reconciliando-se. E quem não aceita o ceticismo apenas enquanto passagem para uma razão mais elevada? Como pode ler o Sobrinho quem desconfia dos absolutos e da dialética? Para um leitor semelhante resta a sátira, a qual, segundo Hegel, conforme veremos adiante, não tem lugar no mundo moderno. Depois de analisar o tratado plutarquiano sobre a garrulice na cultura que antecedeu, persistiu durante o tempo de Diderot, e o sucedeu, como é o caso de Hegel, vejamos um outro texto, agora diretamente sobre a lisonja, que pode ajudar a entender traços importantes do Sobrinho. Refiro-me ao escrito plutarquiano que ensina como discernir o amigo do adulador .

Na página inicial, em sua tradução daquele tratado, publicada em l537, Antoine du Saix a “explica” : “La touche naifve pour esprouver l’amy et le flateur”. A palavra chave na frase é “naifve”, ingênuo. Ela vem do latim “nativus” e indica o que não é artificial. 37 O dicionário Robert traz o significado corrente no século 16: “Qui représente bien la chose telle qu’elle est”. No escrito de Plutarco descreve-se o modo pelo qual o adulador se disfarça sob a aparência do amigo. Este último é “ingênuo”, o primeiro é só artifício de alto a baixo. Interessa notar um escrito de Diderot, justamente sobre o artifício e a pintura, onde se opõem o que é “naif” e o que se reduz à “lisonja”. Ingênuo, para Diderot, além da simplicidade, acumula os significados de inocência, verdade, originalidade “de uma infância feliz que não foi reprimida”. O termo e a coisa são essenciais às belas artes. “O ingênuo se discernirá em todos os pontos de uma tela de Rafael...o ingênuo se encontra em tudo o que será muito belo; numa atitude, num movimento, num drapeado, numa expressão”. Tudo o que é verdadeiro não é “naif”, mas tudo o que é “naif” é verdadeiro, “mas de uma verdade picante, original e rara”. Quase todas as figuras de Poussin e de Rafael são “ingênuas”: elas possuem “certa originalidade da natureza” uma graça com a qual nasceram, que não lhes foi dada pela instituição.

Oposta ao “ingênuo”, temos a “maneira”. Esta representa, nas artes, o que a hipocrisia significa nos costumes. Boucher é hipócrita: “não há uma só de suas figuras à qual não se possa dizer : ‘Tu queres ser verdadeiro, mas tu não o és’”. É possível ser “ingênuo” como herói, celerado, devoto, belo, orador, filósofo. “A ingenuidade é uma grande semelhança da imitação com a coisa, acompanhada de uma grande facilidade no fazer : é como a água tomada no riacho que se joga sobre a tela”. Neste sentido, digamos, Jean-François é “ingênuo”...

O personagem “Eu” insiste na característica que o desagrada no sobrinho: “De resto, é dotado de forte organização, de singular calor de imaginação e de incomum vigor pulmonar. Se algum dia o encontrardes, e sua originalidade não vos arrestar, ou tampareis com os dedos os ouvidos ou fugireis”.Jean-François é “ingênuamente” ...palavroso. Assim, “Não estimo esses tipos originais”. Ele mesmo, Rameau sobrinho, afirma ser uma feliz reunião do que é “natural” e do que é instituição: “...dado que posso ser feliz através dos vícios que são naturais em mim, ou que adquiri sem trabalho e conservo sem esforço, que se adaptam com os costumes de minha nação...”. Ou : “Eu sou eu e permaneço o que sou; mas ajo e falo como convêm”. Há uma lei “histórica” enunciada por Jean-François: “Quanto mais antiga fôr a instituição das coisas, mais idiotismos existem”. Rameau é capaz de mimetizar todos os idiotismos sem prender-se a nenhum. Isto o transforma em ameaça a cada um dos “honestos” presos à convenção e às tradições. Ele é original na sua falta absoluta de originalidade.

Ao “ingênuo” Diderot opõe o gesto afetado. “Eu gostaria muito que me explicassem por que o reverso das mais belas medalhas antigas são quase todos negligenciados. Seria lisonja ? Desejou-se, com isto, que nada lutasse contra a imagem do príncipe ? Existe também adulação na pintura; ela seduz à primeira vista; mas logo dela nos desgostamos. Falei em lisonja relativamente ao fazer. Há uma outra, relativa à moral; a alegoria é seu recurso.Fazemos uma alegoria em louvor daquele de quem nada de preciso se pode dizer. É uma espécie de mentira, cuja obscuridade salva do desprezo. É bem singular que todos os nossos pequenos ‘literatos’ repitam todos os dias o único hemistíquio de Horácio que eles sabem : ‘Ut pictura, poesis erit’ ”. 38

Como discernir lisonja e verdade? Esta última não se deixa enxergar. Como disse Platão, se ela aparecesse diante de nós, nos apaixonaríamos. Como este enlevo é impossível, precisamos aprender a discernir o que se oculta. Este é o intento pedagógico de Plutarco.A tese inicial é platônica: cada um amando a si mesmo, o primeiro adulador é o filauta. Após alguns considerandos sobre a amizade que seria como a moeda que é preciso “ensaiar” antes de receber, Plutarco adianta que o verdadeiro adulador não são os pequenos fila-bóia gárrulos, os chamados “papagaios de mesa”. Porque “os pios destes balbuciadores, de servil coragem, são descobertos e expostos por um pedaço de pão ou uma taça de vinho”. Este personagem, o “conviva”, é um “satírico”, um “cômico farsante”. Não, o lisonjeiro perigoso é “um personagem trágico, isto é, desempenhando seu papel gravemente, de modo oculto”.

Neste sentido, Jean-François não seria o adulador de Plutarco. Seu caráter é satírico e bufão. Mas há um outro traço do lisonjeiro que lhe cabe às maravilhas: “um adulador... não possui firmeza alguma em seus costumes, nenhum modo distinto e certo de viver, nem vocação especial, acomodando-se hoje a este, e súbito a um outro, apoiando e se apegando a todos, jamais sendo simples e uno; mas sempre mutável e variável em toda espécie, figura ou rosto que se quiser, ora vestido de um jeito, ora de outro, mudando e variando de cor como a agua corrente que segue o caminho por onde ela passa”. Impossível ler este trecho sem lembrar imediatamente do camaleônico sobrinho.

Os lisonjeadores nutrem os vícios do lisonjeado “quando vituperam,perseguem, e criticam seus contrários”. Comendo na mesa do rico, o adulador devolve-lhe um alimento letífero: o auto-engôdo. Na edição de Aulotte que estou seguindo, há uma nota preciosa: nesta passagem, Racine, em seu exemplar anotado de Plutarco, na tradução de Du Saix, remete para um escrito de Luciano 39 , Nigrinus.O trecho inteiro de Luciano discute a adulação. “Sustento” diz Nigrinus, um platônico bem irônico, “que os aduladores são piores do que os adulados, e que só eles devem receber invectivas pela arrogância dos outros”.

Plutarco compara o amigo e o adulador a quase todos os objetos e artes. Entram no seu rol a música, os perfumes e venenos, a pintura. Nem sempre o lisonjeiro louva com palavras. Ele pode ser eloquente pela mímica: “como alguns quiseram dar uma definição da poesia, afirmando que esta é uma pintura silente, assim também a lisonja pode louvar sem dizer uma só palavra”. Se o adulador está falando ao público, e nota que um poderoso ou rico deseja discursar, ele se cala. Aduladores há que sentam-se nos primeiros lugares nos teatros e em outros espetáculos apenas para cedê-los aos poderosos. O amigo usa a palavra franca, o adulador finge ser sincero. 40

Diderot retira a lição eloquente: “Plutarco diz que existiu, outrora, um home perfeitamente belo que, no tempo em que as artes floresciam, ele tornava inúteis todos os recursos da pintura e da escultura. Mas tal homem era um príncipe. e se chamava Demetrius Polierceta. Não havia uma só pedaço deste homem que a arte não pudesse embelezar; a lisonja não duvidava, mas ela tomava cautela e não o dizia”. 41

Vale lembrar que o tratado de Plutarco foi traduzido para o francês, num só volume, com o Lysis de Platão e o Toraxis de Luciano.42 Quanto a Platão, já discutimos bastante acima, sobretudo após os comentários de O’Gorman. Diderot o conhecia “par coeur”. No que se refere ao diálogo Toraxis, vimos o papel estratégico que ele desempenha na teoria estética de Diderot, sobretudo nas relações entre pintura e linguagem. Este diálogo entre um scita e um grego (também já discuti este ponto acima) sobre a amizade, também trata da lisonja e da fala desenfreada. “Parece-me”, diz Toraxis, que “os gregos, de fato, falaram melhor sobre tudo o que deve ser dito sobre a amizade... mas nos tempos difíceis vocês desempenharam o papel de traidores de suas palavras sobre ela....”. “Seus dramaturgos”, termina Toraxis, colocaram-na nos palcos e a exibiram para vocês. Vocês a aplaudiram, sim, e mesmo com lágrimas nos olhos”. Mas quando se tratava de vocês mesmos, nos apertos dos seus amigos, fulmina o scita, “vocês parecem ter tomado a máscara vazia e silenciosa, a qual, com a boca aberta, amplamente, não emite o menor som”.43 Garrulice, silêncio, máscara, lisonja, amizade. Todos estes prismas aparecem ao longo do Sobrinho, e podem ser notados em passagens rápidas, mas eloquentes, de outros textos diderotianos.

Por exemplo, na Réfutation de l’Ouvrage d’Helvetius Intitulé l’Homme: “Encontro aqui (página 377 do livro de Helvetius) uma passagem citada de Luciano, da qual nnão existe nenhuma palavra naquele autor; mas de Luciano ou de um outro, ou mesmo de mim, eu não a estimo menos. Jupiter põe-se à mesa: ele graceja com sua mulher; endereça palavras equívocas a Venus, olha ternamente Hebe; dá uma palmada na bunda de Ganimedes; exige que sua taça seja repleta. Enquanto bebe, ouve gritos que se elevam dos diferentes lugares da terra : os gritos aumentam, ele se incomoda. Levanta-se impaciente; abre a tampa da cúpula celeste e diz: ‘a peste na Asia, a guerra na Europa, a fome na Africa, o gêlo aqui, uma tempestade alí, um vulcão’...depois ele fecha a tampa, acomoda-se de novo na mesa, se embriaga, deita-se, dorme, e chama isto ‘governar o mundo’. Um representante de Jupiter na terra levanta, prepara seu próprio chocolate e seu café, assina ordens sem ler, ordena uma caça, retorna da floresta, se despe, coloca-se à mesa, se embriaga como Jupiter...dorme no mesmo travesseiro de sua amante, e chama isto governar seu império”.44

A paródia explícita de Luciano, por Diderot, resume os problemas da sátira à religião e à metafísica dos séculos l7 e l8. As calamidades naturais, a desgraça de um príncipe estulto, projetam-se sobre o Ser divino, um deus preguiçoso que 45 nada mais faz, salvo entregar-se ao gozo de si mesmo. Como egoísta perfeito, este Júpiter serve de modelo ao idealismo recusado por Diderot. Neste ponto, tanto Luciano quanto Diderot afastam-se de Plutarco, cuja solução para a teodicéia impede o ateísmo. Como escreve Y.Verniere: “Conservador, Plutarco o é bem mais do que Luciano. Nada é comum entre Plutarco e o tom de zombaria impudente da História Verdadeira, apesar das semelhanças exteriores devido à similitude das fontes”. Em Plutarco há um “otimismo básico, uma confiança total na Providência e a precocupação de deixar ao home individual, tomado apenas no fim de sua vida terrestre, a responsabilidade completa de seu destino. Aos seus olhos, o valor edificante dos mitos tem este preço”. 46 Como disse o próprio Diderot: “mas o sujo, mas o ímpio Luciano”...que, no caso desta paródia explícita e satírica é o próprio Diderot.

Quando a academia, tão criticada, chega bem antes das redações. Falo disso há muito tempo.

Remeto à minha palestra no Congresso sobre os 20 Anos de Constituição, no site do Unafisco em Porto Alegre:

http://www.unafisco-poa.org.br/?view=detalhes.artigo&codigo=9605

Falo, naquele escrito, dos juízes, de seus usos e abusos.
Roberto Romano



Segunda-feira, 15 de dezembro de 2008



Época
Justiça forte, uma tendência global
Da redação - Nenhuma

Greves de funcionários públicos, pesquisas com células-tronco embrionárias, demarcação de reserva indígena e fidelidade partidária são temas que deveriam ser regulamentados por parlamentares eleitos pelo povo ou por juízes do Supremo Tribunal Federal? Para alguns, o Supremo ocupa indevidamente o espaço de deputados e senadores ao deliberar sobre esses assuntos. Para o brasilianista Albert Fishlow, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Colúmbia, trata-se de uma opinião equivocada: “A ação crescente do Judiciário é normal nos países democráticos. Não está ocorrendo só no Brasil. O que há é um novo equilíbrio entre Executivo, Judiciário e Legislativo, para atender às mudanças das sociedades modernas?.

Em outros países (leia abaixo exemplos de como se organizam as cortes supremas), há diversos casos de atuação decisiva do Judiciário na vida política. Nos Estados Unidos, a eleição presidencial de 2000 foi decidida em favor do republicano George W. Bush na Suprema Corte, após uma controvérsia sobre a contagem de votos. Na Coréia do Sul, a Corte Constitucional reconduziu ao poder o presidente Roh Moo-hyun, que havia sido destituído por impeachment. Na Turquia, os magistrados têm tomado reiteradas decisões para preservar o Estado laico, resistindo ao avanço do fundamentalismo islâmico.

A participação crescente do Judiciário na vida pública dos países democráticos, segundo os estudiosos, é uma consequência das transformações da sociedade a partir do século XX. Sobretudo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as constituições nacionais passaram a ser alteradas para incorporar direitos como educação, saúde, seguro-desemprego, previdência social. Essa mudança levou a uma ampliação do papel do Judiciário. “A atuação dos juízes passou a ser a de fazer o Estado cumprir seus deveres com os cidadãos, previstos nas Cartas Magnas?, afirma Roberto Baptista, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No Brasil, o Judiciário ganhou maior visibilidade na vida pública brasileira a partir da Constituição de 1988. “A Constituição brasileira garantiu direitos como o acesso universal à saúde e à educação, que o Estado brasileiro não tinha condições de prover. O Judiciário tem sido fundamental para fazer valer a Constituição, mas adequando-a à realidade nacional?, afirma Fishlow. “O Brasil optou por reformar sua Constituição em vez de substituí-la por outra como fizeram países sul-americanos, como a Venezuela e o Equador?.

SAIBA MAIS

Para Fishlow, o argumento de que um Judiciário forte desestabiliza a democracia é falacioso. “Não há risco para o sistema porque sempre há possibilidade de o Legislativo reabrir um assunto em que houve decisão judicial?, diz. Assim como no Brasil, também há nos Estados Unidos um intenso debate sobre os poderes do Judiciário e se eles devem ser limitados. Na opinião de Fishlow, restringir a ação do Judiciário não parece um caminho saudável para a democracia. “Se temos um presidente negro nos Estados Unidos hoje, isso se deve às decisões da Suprema Corte sobre discriminação racial tomadas há algumas décadas?. No Brasil, a tese de Fishlow não tem aceitação unânime, como mostra a entrevista com o jurista Oscar Vilhena (leia a entrevista).

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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008



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MOACYR SCLIAR

Cueca-cofre


Confeccionada em tecido metálico, a cueca conteria um espaço para abrigar uma pequena fortuna



Réu do mensalão é preso com 361 mil em Guarulhos. A Polícia Federal e a Receita flagraram o empresário Enivaldo Quadrado, 43, tentando entrar no Brasil, na madrugada de sábado, pelo aeroporto de Cumbica, com mais de 361 mil não declarados. Quadrado é um dos 40 réus do mensalão. Os policiais descobriram que ele tinha maços de dinheiro vivo na cueca. Brasil, 9 de dezembro de 2008.
Polícia Rodoviária Federal prende suspeitos de furto com dinheiro na cueca. Cotidiano, 24 de janeiro de 2007.
José Adalberto Vieira, assessor do deputado estadual cearense José Nobre Guimarães (PT), foi preso no aeroporto de Congonhas portando US$ 100 mil na cueca. Cotidiano, 9 de julho de 2005.
DURANTE MUITO TEMPO, Severino alimentou o sonho de tornar-se um rico empresário -fabricando cuecas. Mas, tinha de reconhecer, dificilmente faria sucesso. Para começar, seu estabelecimento era pequeno: ele próprio e mais três costureiras. Além disso, as cuecas de Severino nada tinham de excepcional, não tinham a fama de uma Zorba, embora ele se orgulhasse muito do modelo chamado "Poético", que tinha estampado versinhos eróticos, escritos pelo próprio Severino. "Você é fraco como fabricante e muito fraco como poeta", disse-lhe, com a maior sinceridade, um amigo. E acrescentou: "Mude de ramo, meu caro. As cuecas não querem nada com você".
E Severino estava mesmo pensando em mudar de ramo, quando -obra do destino- o empresário Quadrado foi preso em Guarulhos com euros na cueca. Aquilo foi uma revelação. De repente ele se dava conta de que cuecas podiam ter outro uso além de divulgar a poesia (má poesia). Cuecas podiam servir como depósito de dinheiro. Não da maneira como vinha sendo feito; simplesmente esconder cédulas ali era uma tolice. Não, Severino pensava numa coisa mais sofisticada e segura: a cueca-cofre.
Confeccionada com uma dupla camada de tecido metálico (flexível; diferente, portanto, dos rígidos cintos de castidade da Idade Média), a cueca conteria um espaço virtual suficiente para abrigar uma pequena fortuna em euros, dólares ou mesmo em reais. As duas camadas se fechariam mediante uma espécie de "fecho éclair", que -detalhe importante- funcionaria com um segredo só conhecido pelo dono.
Mas dinheiro na cueca, ou em cofre na cueca, como dinheiro sob o colchão, pode estar até relativamente seguro, mas tem um inconveniente: não rende, é má aplicação. Severino está pensando, portanto, em associar-se a algum banco, mesmo pequeno, que esteja disposto a considerar a cueca uma espécie de agência móvel, apta a receber depósitos e aplicá-los a juros de mercado. Obviamente isso terá de ser feito discretamente, sem propaganda na mídia, mas, como se sabe, muitas vezes o segredo é a alma do negócio. Entusiasmado, Severino sente-se muito grato a todos aqueles que, em caráter pioneiro, usaram cuecas para ocultar grana. Mas, em primeiro lugar, agradece ao Adão da Bíblia.
Ao cobrir as vergonhas com folhas, o primeiro homem estava criando a cueca. E, fornecendo a mentes poéticas e inspiradas, a idéia da cueca-cofre.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

Um passo a mais no progresso da ciência, bem vindo. Já imaginou ler o que os políticos pensam quando se dirigem aos eleitores?

São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008



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Grupo cria programa que lê pensamento

Usando ressonância magnética, japoneses conseguiram decodificar a visão de uma pessoa examinando o seu cérebro

Aprimoramento pode levar nova tecnologia a ser capaz de registrar sonhos; método remete a debate sobre ética e privacidade no futuro

DA "NEW SCIENTIST"

As letras para as quais você olha agora podem ser recriadas com um programa de computador usando mapeamento cerebral por ressonância magnética. Em um feito inédito na neurociência, um grupo de cientistas japoneses anunciou pela primeira vez uma tecnologia de "leitura da mente" capaz de recriar imagens a partir de nada mais do que puro pensamento.
O método foi apresentado em estudo sexta-feira na revista "Neuron". Experimentos semelhantes já haviam sido feitos, mas as imagens observadas eram "escolhidas" pelos cientistas e não produzidas diretamente pela máquina de leitura cerebral, como feito agora.
O neurocientista Jack Gallant, autor dos primeiros trabalhos nessa linha, já havia mostrado no início do ano que era possível identificar qual imagem, num grupo de várias, estava sendo observada pelos voluntários dos experimentos. Para fazer isso, criou um programa capaz de comparar a atividade cerebral das pessoas durante a observação de um objeto com a atividade pré-registrada num "treinamento". O programa conseguia então apontar qual imagem era a observada.
Agora, Yukiyasu Kamitani, do Laboratório de Neurociência Computacional ATR, em Kyoto, foi um passo além. Sua equipe usou uma imagem de atividade cerebral obtida em uma máquina de ressonância magnética funcional para recriar imagens em preto-e-branco a partir do zero.
"Ao analisar sinais cerebrais quando alguém vê uma imagem, podemos reconstruí-la", afirma Kamitani. Isso significa que a leitura da mente poderia ser usada para "extrair" qualquer coisa sobre a qual uma pessoa está pensando, sem os cientistas terem a menor idéia do que poderá vir.

Pixels mentais
"É absolutamente espantoso", comenta John-Dylan Haynes, do Instituto Max Planck para Cognição Humana, de Leipzig (Alemanha). "Isso é um passo realmente importante."
O experimento de Kamitani começa com uma pessoa observando uma seleção de imagens compostas de quadrados brancos ou pretos numa grade de dez por dez. Ao mesmo tempo, mapeia seus cérebros. Cada quadrado é como um pixel, um ponto na tela de computador.
O programa, então, acha os padrões de atividade cerebral que correspondem a cada pixel. Depois, a pessoa se senta na máquina de ressonância funcional e passa a olhar para figuras novas. É aí que um outro programa compara essa nova leitura com a anterior e reconstrói o quadro de pixels.
A qualidade de imagens obtida no experimento era um pouco baixa, mas foi suficiente para identificar as letras da palavra "neuron" (neurônio em inglês). Números e formas também foram mostrados às pessoas e puderam ser reconstruídos da mesma maneira (veja quadro à direita). Já vale como uma prova de princípio, diz Haynes .
Como a ressonância magnética funcional tem se aprimorado muito nos últimos anos, Kamitani afirma que seu quadro pode no futuro ser produzido com um número maior de pixels, produzindo imagens com muito mais qualidade.
O próximo passo dos cientistas é tentar reconstruir imagens sobre as quais as pessoas estão apenas pensando, sem vê-las diretamente. Seria então possível "fazer a filmagem de um sonho", diz Kamitani.
Haynes diz que isso pode levantar questões éticas no futuro. Publicitários, por exemplo, poderiam tentar ler os pensamentos dos transeuntes para adequar seus anúncios a elas.

Ladrões de sonhos
"Isso [a nova pesquisa] não leva necessariamente àquilo, mas o espírito do que está sendo feito está alinhado com com a leitura cerebral e com as aplicações que viriam com ela", afirma o neurocientista.
"Com uma técnica que permite ler o que as pessoas pensam, nós claramente precisamos de diretrizes éticas sobre quando e como isso pode ser feito", diz. "Muitas pessoas querem que seja possível ler suas mentes -uma pessoa paralisada, por exemplo. Mas não deveria ser permitido fazer isso com um propósito comercial."
O próprio Kamitani se diz ciente dos potenciais abusos que a tecnologia poderia propiciar. "Se a qualidade de imagens melhorar, poderia haver um sério impacto em nossa privacidade", diz. "Nós teremos que discutir com muitas pessoas -não apenas os cientistas- sobre como aplicar essa tecnologia. (CELESTE BEVIER)

domingo, dezembro 14, 2008

Washington Post e The New York Times.



This Story
Shoe-Throwing Mars Bush's Baghdad Trip
Article | BAGHDAD, Dec. 15 -- Arriving here on Sunday for a surprise farewell visit, President Bush staunchly defended a war that has taken far more time, money and lives than anticipated, but he received a taste of local resentment toward his policies when an Iraqi journalist hurled two shoes at him at a...

Bush Makes His Final Visit to Iraq

Saul Loeb/Agence France-Presse — Getty Images

Iraq's prime minister, Nuri al-Maliki, tried to block President Bush when a man threw his shoes at the president during a news conference in Baghdad on Sunday.

domingo, 14 de dezembro de 2008, 00:35 |

Suplemento ALIÁS

Deus não freqüenta laboratório

E pesquisador não é divindade. Com base nisso, educadora critica criacionismo nas aulas de ciências

Mônica Manir - O Estado de S.Paulo

- Enquanto pilota um carro automático, Roseli Fischmann explica como conduz sua vida: com teoria e prática juntas, sem o revezamento entre uma e outra concebido pelo filósofo Gilles Deleuze, porque há uma pancada de muros a enfrentar. Um deles é o debate acerca do Estado laico, sobre o qual escreveu um livro de bolso para a coleção Memo, do Memorial da América Latina, lançado neste ano. Um troco diante de uma carreira que inclui coordenar a área de Filosofia e Educação da pós em Educação da USP, comanda o grupo de pesquisa do CNPq "Discriminação, Preconceito, Estigma" e ter redigido o conteúdo do tema transversal Pluralidade Cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais.



Quando se anuncia, como nessa semana, que escolas confessionais estão adotando o criacionismo em aulas de ciências, Roseli aciona o pisca-alerta, apesar de o assunto não lhe ser tão novo assim. Em 2004, para citar um exemplo, a Secretaria de Educação do Rio definiu que o criacionismo seria discutido de forma "superficial" nas escolas públicas estaduais. Outros Estados tornaram o ensino religioso obrigatório nas mesmas escolas públicas, não necessariamente com essa "superficialidade", mas sempre contra a Constituição, como ela insiste em lembrar. Não fosse ilegal, seria improdutivo. Para Roseli, religião e ciência são como água e óleo: operam com lógicas impossíveis de se misturar. "Ninguém sai ganhando porque os cientistas podem pensar que são deuses, e quem fala de Deus pode pensar que é cientista." Abaixo, Roseli desenvolve sua teoria sobre como essa história pode ou não evoluir.



FALÍVEIS E MORTAIS



"Levar o criacionismo para as aulas de ciências misturado aos conceitos da teoria evolucionista é uma distorção. Não dá para confundir as lógicas. O campo da ciência não é o da salvação, nem o da iluminação, nem o do ser infalível. Ele tem uma marca: é produzido por seres humanos, num acúmulo de conhecimento histórico, e não de forma dogmática, de uma vez para sempre, fruto da revelação. Somos falíveis e mortais. Ao ensinar ciências, os professores podem inclusive dizer às crianças: "Isto é fruto da construção humana, e você pode ser parte dessa construção". Assim se desenvolve nos alunos a possibilidade de questionar, e uma boa dúvida é a pérola do mundo científico. Se, do ponto de vista religioso, existe alguém infalível, isso é para as pessoas que acreditam. Quem acreditar será respeitado por isso, mas não se pode querer que todo o mundo esteja dentro dessa lógica. Ninguém, enfim, ganha misturando as duas frentes porque os cientistas podem pensar que são deuses, e quem fala de Deus pode pensar que é cientista.



O DIREITO À CIÊNCIA



"Vale lembrar que a Constituição estabelece em seu artigo 23, como competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, "proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência". O item primeiro do artigo 27 da Declaração dos Direitos Humanos também afirma que "todo ser humano tem o direito de participar do processo científico e de seus benefícios". O mesmo artigo trata ainda da propriedade intelectual. Escrita há 60 anos, a declaração já estava preocupada tanto com aquele que cria, descobre e investiga quanto com o benefício social da ciência. Então voltamos à imposição do criacionismo de algumas escolas no currículo de ciências. Não oferecer o conhecimento científico é sonegar esse direito às crianças e aos adolescentes.



SEM PROPAGANDA ENGANOSA



"A legislação no Brasil ampara a abertura e o funcionamento de escolas com identidade religiosa definida, e não acho isso ruim. Vivemos uma pluralidade no Brasil. Ruim seria imaginar todo mundo obrigado à religião ou todo mundo obrigado à não-religião. É um direito de escolha dos pais matricular os filhos em colégios batistas, presbiterianos, católicos, judaicos, islâmicos. Só que isso significa uma coisa: que valores serão passados. Não há propaganda enganosa nesse sentido. E os colégios não passarão valores só por meio das aulas, até porque, na escola confessional, a parte verbal não é a principal forma de transmitir os princípios religiosos. Existem as normas, a convivência, os uniformes, a escolha dos professores, os símbolos pelas paredes. Como aquilo é um espaço privado, seria incoerente lutar contra esses símbolos ou contra uma reza antes da aula, por exemplo. Se os pais não querem aquilo, devem procurar outra instituição. O que não pode ser feito é que, em nome da escolha dos pais, a escola extravase esses valores além da aula de religião, pois ela desempenha uma função social. Essa escola passou por um processo de autorização, submete-se a uma supervisão e, portanto, deve estar ajustada às normas vigentes. Ou seja, precisa ficar muito claro qual é o núcleo de estudo da parte científica, qual é o núcleo da parte religiosa - e isso para o bem da escola, dos alunos, da ciência e da religião.



JÁ NA ESCOLA PÚBLICA...



"O debate sobre o ensino religioso nas escolas públicas é extremamente polêmico, embora a letra da Constituição seja muito clara: ele é facultativo. Facultativo para o aluno seria a população fazer uma escolha, mas, em primeiro lugar, os pais não podem decidir se desejam isso ou não. Daí o professor ministra a aula quando quiser, do jeito que quiser e segundo a própria fé. Ele não diz às crianças: "Vou falar sobre religião, saiam da sala se quiserem". Claro que haverá boas intenções, e todo professor é bem-intencionado, porém vai passar uma série de conhecimentos do ponto de vista dele. Outra questão é o cristianismo como única possibilidade, algo compulsório, com as crianças batendo o pé em casa que precisam rezar o Pai-Nosso antes da refeição porque a professora mandou. Dizem que um pouco de oração não faz mal a ninguém. Só que dentro da escola pública faz, sim. Eis o lugar onde a criança vai aprender a respeitar o público, onde dizemos ao mundo que tipo de sociedade nós queremos, e ali a criança não pode sofrer preconceito. Algum tempo atrás, investigamos uma escola que classificava o candomblé como folclore. Outras tratavam o judaísmo e o budismo como lenda ou mito. Do ponto de vista antropológico é uma coisa, mas uma criança de 6, 7 anos não está estudando antropologia. Então, se não há como fazer bem-feito, e não há porque as pessoas não têm formação, é melhor deixar isso para as famílias e as comunidades.



INCONSTITUCIONAL



"Nos diferentes Estados, você tem as mais diversas situações. Alguns transformaram o ensino religioso em obrigatório, o que é inconstitucional. Outros o tornaram compulsório no ensino médio, o que também não pode. Estão sendo criando grupos de interesses, associações de professores de religião. No Rio de Janeiro são fortíssimos, em Santa Catarina também. Todos persistem em situação irregular, pois o governo não poderia contratá-los. Diz um artigo da Constituição que é vedado ao Estado colaborar com qualquer religião. Como essas escolas são supervisionadas pela Secretaria de Educação, ela não poderia fechar os olhos para isso, mas fecha. Há outra situação muito séria acontecendo: professores dando aula de ensino religioso dizendo que aquilo que fazem não é religião, mas área de conhecimento, o que é um absurdo. Nessa área, a pessoa é capaz de falar daquilo que crê ou não crê. Se houver um bom curso de história, naturalmente virá à tona a história das religiões, não tem jeito. Agora, se não houver, e dependendo do autor da versão, pode-se esperar muito preconceito.



DOGMAS, NÃO. PARADIGMAS



"Não digo que a ciência seja um campo sem problemas. Ao contrário. Os debates são absolutamente ferozes. Thomas Kuhn, no livro A Estrutura das Revoluções Científicas, coloca que a ciência se constrói historicamente por paradigmas. Com o tempo surgem novas idéias, novas propostas, que vão corroendo essa estrutura até que surja um novo modelo. Aquele vigente nem sempre é tolerante para com as visões mais recentes. O que Kuhn diz é que a classe científica, que justamente por precisar da transformação deveria ser a mais aberta a mudanças, se manifesta muitas vezes resistente. Há egos, interesses financeiros pesados, falta de ética... Mas são as novidades que, em geral, promovem o avanço científico. É claro que nem todo incompreendido é portador de uma novidade. Às vezes o incompreendido realmente não está falando nada. De qualquer forma, precisa dar satisfação aos seus pares, eles o apertam, lhe põe questões. Agora, se você me perguntar se a atual estrutura de avaliações está sendo benéfica para a ciência, eu diria que não. Está muito formal, publica artigos apenas dentro de determinadas revistas. Kuhn é crítico: diz que muitas vezes essas publicações se remetem a grupos e fica difícil você circular ali dentro. Continua impiedoso quando lembra que, assim que a novidade se impõe, a primeira coisa que o grupo antigo faz é dizer que pertenceu ao novo desde criancinha. Muitas vezes quem lutou para implantar a novidade perde seu valor. Que nós, seres humanos, somos complexos para mudar, nós somos. Mas esse é o tempero humano da ciência.



MULTIVERSIDADE



"Falando não de heresias, mas de intolerâncias no mundo científico, Norberto Bobbio citou o seguinte: em vez de trabalhar para a idéia de universo, devemos lutar pelo multiverso. Nesse sentido, inclusive, a expressão universidade não seria a ideal... Precisamos de outros olhares para poder enxergar o mesmo fenômeno. Ou seja, a nossa visão sempre será limitada. Hanna Arendt, num ensaio sobre amizade, ainda diz que a base da democracia não é a fraternidade. A fraternidade tem afeto demais. A base da democracia é a amizade, no sentido de que posso chegar para um amigo e dizer: "Esta é a minha versão", enquanto o outro rebaterá: "E esta é a minha", sem que ninguém se mate por isso. A idéia de comunidade científica é importante, uma comunidade de valores em busca do aperfeiçoamento do saber humano. O que justifica que uma pessoa oriente uma dissertação, uma tese? É a continuidade. Isso pode, inclusive, ser dito pelo professor nas aulas de ciências desde muito cedo. As histórias das descobertas são encantadoras. Não é só o lado anedótico da maçã na cabeça de Newton nem de Arquimedes gritando "Eureca!" na banheira, muito menos de cientistas aloprados, mas narrações de luta de pessoas com família, contas a pagar, problemas de saúde, sonhos e talvez uma religião. Ninguém pode ser acusado de incoerência se for um grande cientista e um crente, seja de qual doutrina for. É um direito dessa pessoa.



DESIGN INTELIGENTE



"Da mesma forma, uma religião não precisa ser racional. Até pode dar contribuições importantes nesse campo, como a criação de universidades. Mas, no caso que motivou nossa conversa, do criacionismo nas aulas de ciências, parece inveja de irmão mais velho, que criou os irmãos mais novos porque eram órfãos, mas que não admite que esses mais novos saiam de casa. Eles já saíram faz tempo. Não adianta querer que voltem. As religiões tendem a tomar a rédea da vida da sociedade tanto por uma visão controladora, quanto por medo de serem banidas da cena pública pela secularização. A secularização veio e ficou, mas as religiões não vão ser banidas. Se tiverem confiança na sua mensagem e na possibilidade de atingir as pessoas, não precisam disso. Existe o medo infundado de que a ciência leve ao ateísmo, então as religiões começam a esgrimir com esses grupos usando expressões como design inteligente, que defende que a complexidade dos seres não pode ser fruto do acaso. Há outras críticas mais interessantes a fazer internamente do que criar um nome midiático como esse."

ENTRE A DEMOCRACIA E A RAZÃO DE ESTADO, COMO A CHINESA, A PRUDÊNCIA MANDA ESCOLHAR A DEMOCRACIA. MAS NEM TODOS TÊM PRUDÊNCIA....

São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008





Obra proibida relata a grande fome chinesa

Jornalista reúne documentos oficiais sobre a industrialização forçada, que causou milhões de mortes entre 1959 e 1961

A fome levava chineses ao canibalismo, enquanto mídia estatal dizia que o país caminhava para ser uma potência, conta Yang

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

"Aos 18 anos de idade, eu só comia arroz. Não tinha outro vegetal, nem carne, nem óleo, só arroz o dia inteiro. Meu pai morreu de fome esse ano, assim como outros conhecidos. Mas achávamos que fossem casos isolados, o controle da informação na China era total."
O jornalista Yang Jisheng, 67, passou os últimos 20 anos tentando desvendar o porquê das 36 milhões de mortes que aconteceram entre 1959 e 1961, até hoje um dos maiores tabus do Partido Comunista Chinês.

Yang acaba de publicar "Mu Bei" (lápide). Em 1.100 páginas, dividas em dois volumes, ele descreve a chamada "grande fome" com centenas de fontes e cópias de documentos oficiais. Conta casos de canibalismo -de famílias que devoravam cadáveres de parentes a pais que mataram seus filhos para se alimentar de seus corpos.

Houve casos de cadáveres mantidos por familiares na cama, que diziam às autoridades "ali está o primo doente" para poder continuar a receber a ração de arroz do defunto. O autor ouviu sobreviventes admitirem ter comido cães e ratos e dá detalhes de como o governo conseguiu esconder a tragédia.

A fome foi provocada por uma desastrada campanha do ditador Mao Tse-tung. Chamada de "Grande Salto Adiante", ela tirou milhões de camponeses da lavoura para tentar industrializar a China à força.Enquanto fundiam ferro, a produção agrícola minguava.

Em 1959, a União Soviética rompeu unilateralmente com o regime comunista chinês. Mao começou a pagar suas dívidas com os soviéticos com comida. Milhões de grãos de uma produção em declínio foram desviadas para o vizinho do norte. "Havia armazéns cheios de grãos, mas houve poucos saques. As pessoas morriam sem saber o que fazer. Rádios e jornais, todos do governo, diziam que o país caminhava para ser uma potência. Ninguém tinha coragem de criticar o governo, após temporadas de expurgos", disse Yang à Folha.

Socorro proibido
Em Xinyang, cidade na Província de Henan, cerca de 10 mil cartas de pessoas pedindo ajuda a parentes foram retidas no correio local. Até líderes comunistas locais eram proibidos de pedir socorro. Na cidade, em 1958, 1,2 milhão de pessoas, um terço da mão de obra, foi escalada para fazer aço. A produção de grãos ali caiu 46,1% em um ano. Mas o governo local disse que a produção de grãos dobrou. "Prefeitos e governos provinciais maquiavam os números para impressionar Pequim, e o governo nacional supostamente não sabia o que acontecia", diz Yang.

Mais tarde, com centenas de cadáveres em qualquer vilarejo, o governo começou a atribuir a grande fome a "três anos de desastres naturais". "Médicos me contaram que, ao visitar pacientes, queriam dizer que o único remédio era comida, mas nem eles tinham coragem de falar a verdade", diz Yang.Ali, testemunhas relataram que era comum se alimentar de fezes de cervo, "menos grudentas que as de outros animais".

Acesso privilegiado
Membro do PC, Yang trabalhou na agência estatal de notícias Xinhua entre 1966 e 2001, quando se aposentou. Ele passou pelos vários estágios do comunismo local: perdeu o pai, conseguiu estudar na prestigiada universidade Tsinghua, em Pequim, mas foi mandado para um campo agrícola no final dos anos 60, durante a Revolução Cultural, quando intelectuais e "trabalhadores burgueses" tinham de pegar na enxada.

Como jornalista da Xinhua, Yang conseguiu ter acesso a documentos oficiais e falar com autoridades que se negariam a tocar no assunto em outra situação: "Ninguém desmentiu minha pesquisa. Os números oficiais que obtive mostram que a população decresceu em 10 milhões em 1960, algo inédito na China de então".Não só pelas mortes, mas pela queda de nascimentos. "Mulheres paravam de menstruar e a atividade sexual caiu", diz.

"Lápide" foi publicado por uma editora de Hong Kong e está proibido na China. Mas há dezenas de sites com o conteúdo completo para download. Com erros propositais na digitação do nome do autor e da obra, eles têm driblado o bloqueio da censura chinesa."Não há liberdade jornalística na China, mas ninguém pára a internet", diz Yang.

sábado, dezembro 13, 2008

Pelo menos, alguns ainda protestam...


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Acordo Brasil-Vaticano Imprimir E-mail
Por Rev. Marcio Anhelli
07 de dezembro de 2008

ImageDiante do silêncio suspeito da mídia brasileira, poucos ficaram sabendo, mas no dia 13 de novembro passado o Brasil assinou um acordo com a chamada Santa Sé, representante máxima do Estado do Vaticano e da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). A íntegra do documento só foi divulgada após a assinatura, e pode ser lida em www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=6031 .

Este acordo fere a laicidade constitucional do Estado brasileiro e abre margens para uma série de privilégios à ICAR, em detrimento de todos os demais grupos religiosos e cidadãos brasileiros sem quaisquer credos. Por isto, já recebeu fortes protestos de representantes de diversos setores da sociedade civil, inclusive de nosso Pastor, Rev. Guilhermino Cunha (vide http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=513JDB008 ), que enviou um Ofício às autoridades máximas da república (Cf. link abaixo).

Existem alguns textos online que fazem uma análise do acordo, como por exemplo www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=60450 . Felizmente, ele só terá validade se for aprovado pelo Congresso Nacional. Por isto, é preciso informar a todos sobre o seu conteúdo e mobilizar a resposta, que já começou: existe um abaixo-assinado disponível em http://petitiononline.com/BrasVat/ .

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Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro
Igreja Evangélica de Portas Abertas

Rio de Janeiro, 4 de Dezembro de 2008.

De: Um Ministro de Deus, Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, há 40 anos e em plena atividade: REV. GUILHERMINO SILVA DA CUNHA

ÀS AUTORIDADES MAIORES DA REPÚBLICA:

• Digníssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Senhor LUIZ INÁCIO LULA DA
SILVA, Brasília, DF;
• Digníssimo Vice-Presidente da República Federativa do Brasil, Senhor JOSÉ ALENCAR
GOMES DA SILVA, Brasília, DF;
• Digníssimo Presidente do Senado da República, GARIBALDI ALVES FILHO Brasília, DF;
• Digníssimo Presidente da Câmara Federal, Deputado Federal ARLINDO CHINAGLIA,
Brasília, DF;
• Digníssimo Presidente do Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil,
Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, Brasília, DF.

CÓPIAS COM:

Senador da República BISPO MARCELO CRIVELLA, (Igreja Universal do Reino de
Deus), Brasília, DF;
Deputado Federal BISPO MANUEL FERREIRA, (Assembléia de Deus), Brasília, DF;
Deputado Federal AROLDE DE OLIVEIRA, (Igreja Batista), Brasília, DF;
Deputado Federal ADILSON SOARES, (Igreja Internacional da Graça), Brasília, DF



Assunto: TRATADO ENTRE O BRASIL E A SANTA SÉ. SINAIS DE INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA NO BRASIL. PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E POR UMA REPÚBLICA
LEIGA.


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Peço vênia, como cidadão brasileiro e falo como Ministro de Deus, ordenado pela Igreja Presbiteriana, ramo Reformado e Calvinista, o ramo cristão-evangélico de presença mais antiga nas Américas, para expor e então requerer.

EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS:

OS HUGUENOTES no Rio de Janeiro, a 21 de Março de 1557, celebraram o Primeiro Culto Evangélico, com a Ministração da Santa Ceia do Senhor Jesus Cristo nas Américas;

OS HOLANDESES, em Pernambuco, com o Príncipe Maurício de Nassau, eram Reformados e Calvinistas, como nós somos: 1624 a 1650. OS AMERICANOS DOS ESTADOS UNIDOS, em 12 de agosto de 1859 – chega ao Brasil, para ficar, o Missionário Rev. ASHBEL GREEN SIMONTON e organiza a Primeira Igreja Presbiteriana do Brasil, no Rio de Janeiro em 12 de janeiro de 1862. Com o advento da República que nasceu LAICA (15.11.1889), foi possível aos reformados presbiterianos construir um lugar de culto com arquitetura religiosa, surge assim, na República Leiga, a CATEDRAL PRESBITERIANA DO RIO DE JANEIRO, da qual sou Pastor Presidente do seu Conselho, desde 10 de Janeiro de 1981. Hoje, somos mais de 3000 Igrejas Presbiterianas e Congregações organizadas em todo o Brasil.

EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS:

1 – O Tratado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, assinado no dia 13 de Novembro de 2008, está protegido por um “silêncio obsequioso” da Imprensa, como foi o de 1989, no que pertine à Capelania Católica nas Forças Armadas; e, “data vênia”, como aconteceu, com Tratado Similar, na linguagem e no conteúdo, entre a Santa Sé e Portugal (anexo 1). Estranhamos O SILÊNCIO E OMISSÃO DA MÍDIA em nosso País onde há liberdade de imprensa!

2 - Ora, diz a Constituição da República Federativa do Brasil, no Art.19: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

3 - Os muitos privilégios e vantagens exclusivas para a Igreja Católica Apostólica Romana, ulcera o princípio da ISONOMIA, consagrado no Art. 5º, e mais ainda, agride os incisos VI, VII e VIII do mesmo Artigo 5º.

4 - O ensino religioso católico, protegido pelo Tratado como está, privilegia uma
denominação cristã em detrimento das outras e agride A LIBERDADE RELIGIOSA em relação a Judeus, Budistas, Espíritas e Mulçumanos; e agride os Agnósticos e Ateus. É portanto, mais uma vez, INCONSTITUCIONAL. C.F. Art 210 § 1º


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5 - Quanto ao Casamento: A Constituição da República é generosa ao ponto de dar validade, nos termos da Lei, aos casamentos celebrados por Ministros de qualquer culto: Art 226 § 2º “O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da Lei.”

A Constituição diz textualmente: “O casamento é civil e gratuita a celebração”. Art. 226 § 1º. Como pode o Tratado prever que um Ato Religioso de uma denominação, que até tem o direito de anular os seus atos internos, ANULE UM ATO JURÍDICO PERFEITO, no caso, o casamento civil e/ou religioso COM EFEITOS CIVIS. Isto é chocante. Mais uma vez a Constituição da República é desrespeitada.

6 - NO TRATADO ENTRE A SANTA SÉ E O BRASIL, (anexo 2), no Art 3º traz de volta, praticamente todos os privilégios do PADROADO, extinto pelo Decreto-Lei 119-A de 7 de janeiro de 1890; (anexo 3). Contraditoriamente, o Tratado pretende reafirmá-lo, talvez por causa das benesses dos Arts. 5º e 6º do Decreto-Lei, que assegura a continuidade do pagamento de côngruas (que é salário de religiosos), além de professores de seminários. Novamente, fere a essência da separação entre Estado e Igreja; cria privilégios ao equiparar todas as organizações católicas às filantrópicas. Ver os Arts 5º e 6º do Tratado. É grave misturar um Tratado Internacional com um Decreto-Lei; e o que é pior, admite que um organismo Nacional Católico, a CNBB, no caso, celebre convênios com a República. O Art.18 do Tratado é uma lástima jurídica.

EXEMPLOS DE SINTOMAS DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL:

Primeiro, CAPELANIAS MILITARES: Os capelães evangélicos são chefiados por um Ordinariado Católico. Isto faz, com amparo no Tratado de 1989, entre a Santa Sé e o Brasil, em relação à Capelania nas Forças Armadas. (anexo 4);

Segundo, um certo Clube de Serviço no Rio de Janeiro aprovou mandar celebrar missas de 30º dia para todo e qualquer Associado, inclusive, Judeus, Espíritas ou Evangélicos. E isto feito com recursos das mensalidades de Judeus, Protestantes, Espíritas e Católicos: Questionado por 2 membros protestantes, não voltaram atrás ainda. Permitam-me não nominá-lo, por respeito à instituição que prezo muito, mas no caso específico discordei dela. Isto já é fruto dos Tratados de 1989 e 2008;

Terceiro, Capelania em Hospitais: muitos pastores evangélicos, inclusive eu, temos sofrido restrições de acesso a pacientes das nossas Igrejas, especialmente, em hospitais públicos. Todos nós evangélicos pagamos impostos, inclusive nós pastores: Imposto de Renda descontado na fonte pelasIgrejas.

Quarto: A ala carismática é a que mais cresce na Igreja Católica, que tem uma ala progressista, que é de esquerda; e uma ala fundamentalista, de extrema direita. Do lado Evangélico, as Igrejas neopentecostais são as que mais crescem no Brasil e isto incomoda, por isso, sofrem maiores restrições e até perseguições.

Quinto: Um santo português, Santo Antônio, recebeu e creio ainda recebe soldo do oficialsuperior das forças armadas; e na cidade de Igarassu, em Pernambuco, grande Recife recebe até hoje salário como vereador perpétuo daquela cidade. É claro que os recursos vão para os cofres da Igreja Católica, afinal o santo é dela!
A República Laica está ferida e sangrando. Mas é tempo de curá-la:


REQUERIMENTOS

Primeiro, que o Congresso Nacional não homologue o Tratado entre o Brasil e a Santa Sé, por
estas razões e muito mais;

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Segundo, que seja revisto o Tratado de 1989, igualmente, por ser discriminatório e injusto:Peca quanto à isonomia e fere o princípio do Estado Laico;

Terceiro, se o Estado é Laico, é hora de deixar a Educação Religiosa confessional com asfamílias e suas respectivas denominações e/ou confissões religiosas. O Estado Laico não tem odever de patrocinar o ensino religioso de uma denominação cristã, muito menos assegurar-lhe privilégios: Art 19 da Constituição. A Igreja Cristã compreende as denominações: Católica Romana,Católica Brasileira, Anglicanos, Ortodoxos, Luteranos, Reformados, Pentencostais e Neo-pentecostais. Isto, sem falar no Judaísmo, Espiritismo, Mulçumanos, Budistas, além dos Agnósticos e Ateus: ISTO, É BRASIL!

Quarto, por oportuno e em consonância com as Constituições do Brasil e com todo o
ordenamento Jurídico da República, suspender a vigência do Decreto-Lei. 119-A, de 7 de dezembro
de 1870.

Pede e espera deferimento.

Rev. Guilhermino Silva da Cunha
Pastor Presidente da Catedral e do Presbitério do Rio de Janeiro
Membro da Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil (com mais de 20 mil pastores)






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