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Obra proibida relata a grande fome chinesa Jornalista reúne documentos oficiais sobre a industrialização forçada, que causou milhões de mortes entre 1959 e 1961 Yang acaba de publicar "Mu Bei" (lápide). Em 1.100 páginas, dividas em dois volumes, ele descreve a chamada "grande fome" com centenas de fontes e cópias de documentos oficiais. Conta casos de canibalismo -de famílias que devoravam cadáveres de parentes a pais que mataram seus filhos para se alimentar de seus corpos. Houve casos de cadáveres mantidos por familiares na cama, que diziam às autoridades "ali está o primo doente" para poder continuar a receber a ração de arroz do defunto. O autor ouviu sobreviventes admitirem ter comido cães e ratos e dá detalhes de como o governo conseguiu esconder a tragédia. A fome foi provocada por uma desastrada campanha do ditador Mao Tse-tung. Chamada de "Grande Salto Adiante", ela tirou milhões de camponeses da lavoura para tentar industrializar a China à força.Enquanto fundiam ferro, a produção agrícola minguava. Em 1959, a União Soviética rompeu unilateralmente com o regime comunista chinês. Mao começou a pagar suas dívidas com os soviéticos com comida. Milhões de grãos de uma produção em declínio foram desviadas para o vizinho do norte. "Havia armazéns cheios de grãos, mas houve poucos saques. As pessoas morriam sem saber o que fazer. Rádios e jornais, todos do governo, diziam que o país caminhava para ser uma potência. Ninguém tinha coragem de criticar o governo, após temporadas de expurgos", disse Yang à Folha. Mais tarde, com centenas de cadáveres em qualquer vilarejo, o governo começou a atribuir a grande fome a "três anos de desastres naturais". "Médicos me contaram que, ao visitar pacientes, queriam dizer que o único remédio era comida, mas nem eles tinham coragem de falar a verdade", diz Yang.Ali, testemunhas relataram que era comum se alimentar de fezes de cervo, "menos grudentas que as de outros animais". Como jornalista da Xinhua, Yang conseguiu ter acesso a documentos oficiais e falar com autoridades que se negariam a tocar no assunto em outra situação: "Ninguém desmentiu minha pesquisa. Os números oficiais que obtive mostram que a população decresceu em 10 milhões em 1960, algo inédito na China de então".Não só pelas mortes, mas pela queda de nascimentos. "Mulheres paravam de menstruar e a atividade sexual caiu", diz. "Lápide" foi publicado por uma editora de Hong Kong e está proibido na China. Mas há dezenas de sites com o conteúdo completo para download. Com erros propositais na digitação do nome do autor e da obra, eles têm driblado o bloqueio da censura chinesa."Não há liberdade jornalística na China, mas ninguém pára a internet", diz Yang. |