Powered By Blogger

segunda-feira, dezembro 15, 2008



São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

Cueca-cofre


Confeccionada em tecido metálico, a cueca conteria um espaço para abrigar uma pequena fortuna



Réu do mensalão é preso com 361 mil em Guarulhos. A Polícia Federal e a Receita flagraram o empresário Enivaldo Quadrado, 43, tentando entrar no Brasil, na madrugada de sábado, pelo aeroporto de Cumbica, com mais de 361 mil não declarados. Quadrado é um dos 40 réus do mensalão. Os policiais descobriram que ele tinha maços de dinheiro vivo na cueca. Brasil, 9 de dezembro de 2008.
Polícia Rodoviária Federal prende suspeitos de furto com dinheiro na cueca. Cotidiano, 24 de janeiro de 2007.
José Adalberto Vieira, assessor do deputado estadual cearense José Nobre Guimarães (PT), foi preso no aeroporto de Congonhas portando US$ 100 mil na cueca. Cotidiano, 9 de julho de 2005.
DURANTE MUITO TEMPO, Severino alimentou o sonho de tornar-se um rico empresário -fabricando cuecas. Mas, tinha de reconhecer, dificilmente faria sucesso. Para começar, seu estabelecimento era pequeno: ele próprio e mais três costureiras. Além disso, as cuecas de Severino nada tinham de excepcional, não tinham a fama de uma Zorba, embora ele se orgulhasse muito do modelo chamado "Poético", que tinha estampado versinhos eróticos, escritos pelo próprio Severino. "Você é fraco como fabricante e muito fraco como poeta", disse-lhe, com a maior sinceridade, um amigo. E acrescentou: "Mude de ramo, meu caro. As cuecas não querem nada com você".
E Severino estava mesmo pensando em mudar de ramo, quando -obra do destino- o empresário Quadrado foi preso em Guarulhos com euros na cueca. Aquilo foi uma revelação. De repente ele se dava conta de que cuecas podiam ter outro uso além de divulgar a poesia (má poesia). Cuecas podiam servir como depósito de dinheiro. Não da maneira como vinha sendo feito; simplesmente esconder cédulas ali era uma tolice. Não, Severino pensava numa coisa mais sofisticada e segura: a cueca-cofre.
Confeccionada com uma dupla camada de tecido metálico (flexível; diferente, portanto, dos rígidos cintos de castidade da Idade Média), a cueca conteria um espaço virtual suficiente para abrigar uma pequena fortuna em euros, dólares ou mesmo em reais. As duas camadas se fechariam mediante uma espécie de "fecho éclair", que -detalhe importante- funcionaria com um segredo só conhecido pelo dono.
Mas dinheiro na cueca, ou em cofre na cueca, como dinheiro sob o colchão, pode estar até relativamente seguro, mas tem um inconveniente: não rende, é má aplicação. Severino está pensando, portanto, em associar-se a algum banco, mesmo pequeno, que esteja disposto a considerar a cueca uma espécie de agência móvel, apta a receber depósitos e aplicá-los a juros de mercado. Obviamente isso terá de ser feito discretamente, sem propaganda na mídia, mas, como se sabe, muitas vezes o segredo é a alma do negócio. Entusiasmado, Severino sente-se muito grato a todos aqueles que, em caráter pioneiro, usaram cuecas para ocultar grana. Mas, em primeiro lugar, agradece ao Adão da Bíblia.
Ao cobrir as vergonhas com folhas, o primeiro homem estava criando a cueca. E, fornecendo a mentes poéticas e inspiradas, a idéia da cueca-cofre.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

Arquivo do blog