Powered By Blogger

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Do inestimável Alvaro Caputo, o Pérolas Extraordinário....

Risco maior

MIRIAM LEITÃO - no Globo
Aqui na coluna escrevi, em 3 de outubro: “Fomos atingidos.” Isto foi na época da “marolinha”, quando o governo achava que o Brasil não seria atingido.

Agora é a época em que o presidente usa expressões impróprias para descrever a situação. De lá para cá, o governo andou feito barata tonta. Lá fora a crise tem se agravado. Desmoronou de vez a idéia de que os emergentes poderiam segurar o mundo.

Os BRICs estão com sérios problemas. O terrorismo na Índia é mais um fator para espantar o investimento estrangeiro.

Em plena era da covardia do capital, ela mostra um lado que foi ignorado nos tempos do capital abundante: as tensões étnicoreligiosas e o conflito explosivo com o Paquistão. A Índia, apontada como candidata a potência, tem 46% das mulheres analfabetas e uma taxa extravagante de crescimento populacional, que a levará a ter quase 500 milhões de habitantes a mais em 2050.

Na Rússia, a corrupção atingiu proporções endêmicas, mas o principal problema imediato é como lidar com a abrupta queda dos preços do petróleo, do gás e dos metais, que respondem por 80% das exportações do país. A disparada dos preços levou o governo russo a inflacionar as despesas. As empresas se alavancaram tendo como base seu valor em bolsa, mas a queda das ações foi de 70% este ano. Elas estão mais endividadas que seu patrimônio. Inúmeras distorções vão aparecendo no país.

A China tem uma enorme população excluída e no campo. O crescimento fazia a fila andar. Se ela crescer abaixo de 6% ao ano, a fila não anda. Da última vez que o país não cresceu, o governo massacrou estudantes na principal praça da capital. As tensões sociais, e os desastres ambientais, vão cobrar a conta nesta redução do ritmo de crescimento do país. Mesmo assim, comparada à Índia e à Rússia, a China ainda está melhor.

O Brasil também está melhor que outros, mas as despesas públicas de custeio e de pessoal subiram muito nos últimos anos, criando uma restrição fiscal ao aumento do investimento público como forma de ajudar a reativar a economia. A promessa do presidente, de não gastar um centavo de custeio, chega tarde e há aumentos salariais já garantidos aos funcionários públicos, que vão elevar em R$ 40 bilhões a folha salarial nos próximos anos. Folha que passou a ter 300 mil funcionários civis e militares a mais no governo Lula. O governo já estrangulou os gastos públicos. Agora, a única saída é reduzir o superávit primário, mas mesmo isso pode ser insuficiente.

Tudo que era brilhante não reluz mais. As reservas de R$ 200 bilhões — melhor tê-las do que não tê-las — não estão impedindo a disparada do dólar.

O governo ainda repete que o fato de ter reservas altas e ser credor em dólar nos protege contra a crise externa. Falta explicar a incapacidade do Banco C e n t r a l d e v e n c e r o overshooting do câmbio e o ataque especulativo que o real vem sofrendo. Há razões concretas para que o dólar tenha subido de patamar, mas isso não explica toda a alta.

O Banco do Brasil e a Nossa Caixa, de São Paulo, puseram R$ 8 bilhões nas financeiras das montadoras e a venda de carros continua caindo. O governo distribuiu ajudas fiscais para quem bateu primeiro na sua porta. Patético, por exemplo, o incentivo para a venda de motos. Em mais uma das decisões confusas, baixou uma MP para que a Caixa Econômica virasse sócia das construtoras.

A idéia foi criticada pelas próprias construtoras e agora a Caixa desistiu.

A Petrobras pegou um empréstimo jumbo na Caixa.

A ministra Dilma Rousseff disse que era um absurdo criticar a operação.

Criticou-se a crítica como se ela fosse traição à pátria e, agora, o presidente Lula admitiu que a operação “tirou liquidez das pequenas empresas”. Na Câmara, o petista Arlindo Chinaglia se propõe a apressar a aprovação da redução da jornada sem redução de salário. Isso só ajuda os metalúrgicos do ABC e meia dúzia de categorias com forte lobby em Brasília, mas aumenta o custo das empresas numa hora de crise. Outras medidas tópicas, setoriais, para atender aos lobbies, estão sendo pensadas.

A que horas teremos governo? Quando o Ministério da Fazenda dará alguma demonstração de que tem autonomia e capacidade para pensar numa resposta coerente para a crise econômica? Redução de imposto distribuída a conta-gotas para grandes empresas ou setores não resolve crise alguma.

A Vale não está demitindo porque os impostos são altos ou porque não tem crédito, mas porque a demanda dos seus produtos caiu abruptamente no mundo. Uma redução horizontal de impostos para toda a economia é mais eficiente do que a abertura de um balcão de favores de Brasília.

Se o setor privado puder se apropriar de uma parte maior da renda que o governo engole, terá mais energia para atravessar um período que será difícil de qualquer maneira.

O desafio das autoridades econômicas não pode ser a luta inútil para manter a qualquer preço o ritmo de 4% a 4,5% de crescimento.

Isso é o pior caminho para aumentar o déficit da conta corrente e impedir a queda da inflação.

O governo precisa de uma resposta lógica e eficiente à crise. Do contrário, o país ouvirá do médico aquele diagnóstico que o presidente Lula definiu com uma falta de compostura que presidentes não deveriam ter, mas que já está se tornando habitual.

Inaudível!

Blog do Noblat
No país dos grampos quanto mais se escuta menos se ouve. Do alto de espantosos 70% de aprovação, Lula parece surdo a tudo que contrarie suas crenças. Seria compreensível se não fosse perigoso.

Do mesmo modo, a maioria dos brasileiros ignora o estrondo que derreteu os mercados lá fora, ajudou a eleger Barack Obama presidente e começa a ecoar por aqui.

O que era doce acabou. O Brasil aproveitou pouco a mais recente fase de ouro da economia mundial. O pior da crise ainda está por vir.

“Yes, we can´t!”. Mas ainda levará um longo tempo para que possamos celebrar de novo a recuperação da economia.

Fazer o quê? Melhor fingir que se trata de uma “marolinha”, como prefere Lula. E com ele concordam 42% dos 3.486 brasileiros entrevistados pelo Instituto Datafolha na semana passada. Para 78%, a vida vai melhorar em 2009.

Sinto muito, não vai. O Produto Interno Bruto deve crescer bem menos do que se imaginava, o desemprego aumentar e o salário diminuir. Nada que impeça o governo de criar novas despesas ao invés de reduzir as existentes.

A hora é de gastar, aconselha Lula. E não esperem que ele se debruce sobre o leito do paciente e diga com ar maroto ou compungido: “Meu, sifu!”

Isso não se faz. Na verdade, isso um presidente da República não diz de público, salvo se estiver embriagado pelo próprio sucesso.

O “sifu” não foi uma derrapada de mau gosto nunca antes cometida por um presidente. No passado, o presidente Fernando Collor avisou aos interessados que tinha “aquilo roxo”.

Na campanha eleitoral de 2006, Ciro Gomes, duas vezes candidato a presidente da Republica, mandou um adversário “à puta que o pariu”. Mais recentemente definiu Fortaleza como “um puteiro a céu aberto”.

Ao seu estilo, cada um deles prestou tributo ao romano Cícero e ao grego Demóstenes, mestres da oratória.

Os cinco sentidos humanos carimbaram de forma indelével a Era Lula desde o seu início.

Em 2002, Lula saboreou o gosto do poder ao alcance da mão durante uma campanha em que foi o franco favorito o tempo todo – sem falar do Romanné Conti degustado ao lado do publicitário Duda Mendonça.

2003 foi o ano da visão. O mundo contemplou extasiado a figura do ex-retirante da seca, ex-metalúrgico, ex-líder sindical que finalmente fora eleito presidente do Brasil.

O olfato dos mais sensíveis denunciou que algo cheirava mal no segundo semestre de 2004. O cheiro ruim se impôs dali há um ano quando o mensalão fez o governo tremer e Lula duvidar da possibilidade do segundo mandato.

Foi quando ele ameaçou renunciar à presidência da República se o PT não desse um jeito de impedir que o publicitário mineiro Marcos Valério abrisse o bico como ameaçava fazer. O jeito foi tão bem dado que Valério, hoje, preso, permanece de bico fechado.

Em 2006, Lula sentiu que era possível dar a volta por cima. Saiu para o corpo-a-corpo percorrendo todas as regiões do país e ameaçando jogar o povão contra as elites interessadas em derrubá-lo.

Manipulador de primeira, esse Lula. As elites jamais estiveram tão satisfeitas com um presidente.

Dotado de notável tato político, montou uma poderosa aliança e derrotou um oponente capaz da proeza de ter no segundo turno menos votos do que no primeiro. Atingiu o zênite. E sonhou com o terceiro mandato consecutivo.

O episódio do “sifu” é emblemático do ano em que o grampo mais famoso é aquele que só se conhece por transcrição.

O governo tapa os ouvidos às críticas da oposição. Essa se faz de surda a quem lhe cobra coerência e uma proposta de governo consistente para o futuro.

O delegado Protógenes Queiroz não ouve a Polícia Federal, que não ouve a Agência Brasileira de Inteligência. Nem o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ouve o juiz federal Fausto De Sanctis – e vice-versa.

Ao publicar na página do Palácio do Planalto na internet o mais extravagante discurso feito por Lula, o responsável pela tarefa foi bastante feliz ao trocar o “sifu” pela expressão “inaudível”. Nada marca melhor 2008.

Arquivo do blog