Risco maior
Agora é a época em que o presidente usa expressões impróprias para descrever a situação. De lá para cá, o governo andou feito barata tonta. Lá fora a crise tem se agravado. Desmoronou de vez a idéia de que os emergentes poderiam segurar o mundo.
Os BRICs estão com sérios problemas. O terrorismo na Índia é mais um fator para espantar o investimento estrangeiro.
Em plena era da covardia do capital, ela mostra um lado que foi ignorado nos tempos do capital abundante: as tensões étnicoreligiosas e o conflito explosivo com o Paquistão. A Índia, apontada como candidata a potência, tem 46% das mulheres analfabetas e uma taxa extravagante de crescimento populacional, que a levará a ter quase 500 milhões de habitantes a mais em 2050.
Na Rússia, a corrupção atingiu proporções endêmicas, mas o principal problema imediato é como lidar com a abrupta queda dos preços do petróleo, do gás e dos metais, que respondem por 80% das exportações do país. A disparada dos preços levou o governo russo a inflacionar as despesas. As empresas se alavancaram tendo como base seu valor em bolsa, mas a queda das ações foi de 70% este ano. Elas estão mais endividadas que seu patrimônio. Inúmeras distorções vão aparecendo no país.
A China tem uma enorme população excluída e no campo. O crescimento fazia a fila andar. Se ela crescer abaixo de 6% ao ano, a fila não anda. Da última vez que o país não cresceu, o governo massacrou estudantes na principal praça da capital. As tensões sociais, e os desastres ambientais, vão cobrar a conta nesta redução do ritmo de crescimento do país. Mesmo assim, comparada à Índia e à Rússia, a China ainda está melhor.
O Brasil também está melhor que outros, mas as despesas públicas de custeio e de pessoal subiram muito nos últimos anos, criando uma restrição fiscal ao aumento do investimento público como forma de ajudar a reativar a economia. A promessa do presidente, de não gastar um centavo de custeio, chega tarde e há aumentos salariais já garantidos aos funcionários públicos, que vão elevar em R$ 40 bilhões a folha salarial nos próximos anos. Folha que passou a ter 300 mil funcionários civis e militares a mais no governo Lula. O governo já estrangulou os gastos públicos. Agora, a única saída é reduzir o superávit primário, mas mesmo isso pode ser insuficiente.
Tudo que era brilhante não reluz mais. As reservas de R$ 200 bilhões melhor tê-las do que não tê-las não estão impedindo a disparada do dólar.
O governo ainda repete que o fato de ter reservas altas e ser credor em dólar nos protege contra a crise externa. Falta explicar a incapacidade do Banco C e n t r a l d e v e n c e r o overshooting do câmbio e o ataque especulativo que o real vem sofrendo. Há razões concretas para que o dólar tenha subido de patamar, mas isso não explica toda a alta.
O Banco do Brasil e a Nossa Caixa, de São Paulo, puseram R$ 8 bilhões nas financeiras das montadoras e a venda de carros continua caindo. O governo distribuiu ajudas fiscais para quem bateu primeiro na sua porta. Patético, por exemplo, o incentivo para a venda de motos. Em mais uma das decisões confusas, baixou uma MP para que a Caixa Econômica virasse sócia das construtoras.
A idéia foi criticada pelas próprias construtoras e agora a Caixa desistiu.
A Petrobras pegou um empréstimo jumbo na Caixa.
A ministra Dilma Rousseff disse que era um absurdo criticar a operação.
Criticou-se a crítica como se ela fosse traição à pátria e, agora, o presidente Lula admitiu que a operação tirou liquidez das pequenas empresas. Na Câmara, o petista Arlindo Chinaglia se propõe a apressar a aprovação da redução da jornada sem redução de salário. Isso só ajuda os metalúrgicos do ABC e meia dúzia de categorias com forte lobby em Brasília, mas aumenta o custo das empresas numa hora de crise. Outras medidas tópicas, setoriais, para atender aos lobbies, estão sendo pensadas.
A que horas teremos governo? Quando o Ministério da Fazenda dará alguma demonstração de que tem autonomia e capacidade para pensar numa resposta coerente para a crise econômica? Redução de imposto distribuída a conta-gotas para grandes empresas ou setores não resolve crise alguma.
A Vale não está demitindo porque os impostos são altos ou porque não tem crédito, mas porque a demanda dos seus produtos caiu abruptamente no mundo. Uma redução horizontal de impostos para toda a economia é mais eficiente do que a abertura de um balcão de favores de Brasília.
Se o setor privado puder se apropriar de uma parte maior da renda que o governo engole, terá mais energia para atravessar um período que será difícil de qualquer maneira.
O desafio das autoridades econômicas não pode ser a luta inútil para manter a qualquer preço o ritmo de 4% a 4,5% de crescimento.
Isso é o pior caminho para aumentar o déficit da conta corrente e impedir a queda da inflação.
O governo precisa de uma resposta lógica e eficiente à crise. Do contrário, o país ouvirá do médico aquele diagnóstico que o presidente Lula definiu com uma falta de compostura que presidentes não deveriam ter, mas que já está se tornando habitual.
Inaudível!
Do mesmo modo, a maioria dos brasileiros ignora o estrondo que derreteu os mercados lá fora, ajudou a eleger Barack Obama presidente e começa a ecoar por aqui.
O que era doce acabou. O Brasil aproveitou pouco a mais recente fase de ouro da economia mundial. O pior da crise ainda está por vir.
Yes, we can´t!. Mas ainda levará um longo tempo para que possamos celebrar de novo a recuperação da economia.
Fazer o quê? Melhor fingir que se trata de uma marolinha, como prefere Lula. E com ele concordam 42% dos 3.486 brasileiros entrevistados pelo Instituto Datafolha na semana passada. Para 78%, a vida vai melhorar em 2009.
Sinto muito, não vai. O Produto Interno Bruto deve crescer bem menos do que se imaginava, o desemprego aumentar e o salário diminuir. Nada que impeça o governo de criar novas despesas ao invés de reduzir as existentes.
A hora é de gastar, aconselha Lula. E não esperem que ele se debruce sobre o leito do paciente e diga com ar maroto ou compungido: Meu, sifu!
Isso não se faz. Na verdade, isso um presidente da República não diz de público, salvo se estiver embriagado pelo próprio sucesso.
O sifu não foi uma derrapada de mau gosto nunca antes cometida por um presidente. No passado, o presidente Fernando Collor avisou aos interessados que tinha aquilo roxo.
Na campanha eleitoral de 2006, Ciro Gomes, duas vezes candidato a presidente da Republica, mandou um adversário à puta que o pariu. Mais recentemente definiu Fortaleza como um puteiro a céu aberto.
Ao seu estilo, cada um deles prestou tributo ao romano Cícero e ao grego Demóstenes, mestres da oratória.
Os cinco sentidos humanos carimbaram de forma indelével a Era Lula desde o seu início.
Em 2002, Lula saboreou o gosto do poder ao alcance da mão durante uma campanha em que foi o franco favorito o tempo todo sem falar do Romanné Conti degustado ao lado do publicitário Duda Mendonça.
2003 foi o ano da visão. O mundo contemplou extasiado a figura do ex-retirante da seca, ex-metalúrgico, ex-líder sindical que finalmente fora eleito presidente do Brasil.
O olfato dos mais sensíveis denunciou que algo cheirava mal no segundo semestre de 2004. O cheiro ruim se impôs dali há um ano quando o mensalão fez o governo tremer e Lula duvidar da possibilidade do segundo mandato.
Foi quando ele ameaçou renunciar à presidência da República se o PT não desse um jeito de impedir que o publicitário mineiro Marcos Valério abrisse o bico como ameaçava fazer. O jeito foi tão bem dado que Valério, hoje, preso, permanece de bico fechado.
Em 2006, Lula sentiu que era possível dar a volta por cima. Saiu para o corpo-a-corpo percorrendo todas as regiões do país e ameaçando jogar o povão contra as elites interessadas em derrubá-lo.
Manipulador de primeira, esse Lula. As elites jamais estiveram tão satisfeitas com um presidente.
Dotado de notável tato político, montou uma poderosa aliança e derrotou um oponente capaz da proeza de ter no segundo turno menos votos do que no primeiro. Atingiu o zênite. E sonhou com o terceiro mandato consecutivo.
O episódio do sifu é emblemático do ano em que o grampo mais famoso é aquele que só se conhece por transcrição.
O governo tapa os ouvidos às críticas da oposição. Essa se faz de surda a quem lhe cobra coerência e uma proposta de governo consistente para o futuro.
O delegado Protógenes Queiroz não ouve a Polícia Federal, que não ouve a Agência Brasileira de Inteligência. Nem o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ouve o juiz federal Fausto De Sanctis e vice-versa.
Ao publicar na página do Palácio do Planalto na internet o mais extravagante discurso feito por Lula, o responsável pela tarefa foi bastante feliz ao trocar o sifu pela expressão inaudível. Nada marca melhor 2008.