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terça-feira, dezembro 02, 2008

Há muito tempo é sabido: o segredo dos pareceres para revistas e agências é uma das causas das picaretagens. Mas o segredo compensa as seitas....

Laudas Críticas

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Saída de editor não esfria caso de pseudociência e favorecimento

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A notícia de que o físico e engenheiro egípcio Mohamed Saladin El Naschie deixará seu cargo de editor-chefe da revista Chaos, Solitons & Fractals (CS&F) não conseguiu amenizar a crise que comentei ontem (segunda-feira, 01/12), em “Periódico é acusado de pseudociência e favorecimento”. Não está mais em questão, nem mesmo para os críticos mais moderados, se El Naschie publicou ou não 322 artigos de sua própria autoria no mesmo periódico por ele editado, nem se ele os usou para fazer grande parte das suas 3.050 citações. As atenções na blogosfera se voltam cada vez mais para o grupo editorial Elsevier, sediado em Amsterdam, que publica a CS&F. E começam a ser dirigidas também para a seletíssima base de dados Science Citation Index, que credencia essa revista.

Destaquei ontem a atuação crítica nesse caso do físico-matemático John Baez, da Universidade da Califórnia em Riverside, por meio do blog comunitário de físicos e matemáticos The n-Category Café. Mas, como não prestei atenção aos comentários à sua postagem “The case of M. S. El Naschie”, faltou eu dizer que foram enviados e-mails para os superiores de Baez na UCR, alegando que suas críticas “ultrapassaram dos limites”, e que essas mensagens diziam ser de um consultor jurídico (legal advisor) do grupo editorial Elsevier, o que não foi confirmado.

Outra distração minha foi não considerar que a maioria dos internautas não tem livre acesso à reportagem “Self-publishing editor set to retire”, da Nature News. Nela, o físico teórico croata Zoran Škoda, radicado nos EUA na Universidade de Wisconsin, afirmou ter sido advertido por alguém — que seria outro legal advisor da Elsevier — de que suas críticas à CS&F seriam difamatórias e que ele poderia ser processado por isso. Parte do conteúdo dessa reportagem está transcrita em “El Naschie update and peer review” e há comentários sobre ela em “The case of M.S. El Naschie, continued”, de Baez.

Estigma indesejado

Uma forte evidência de que a saída do editor-chefe da CS&F não bastará para acabar com essa crise surgiu ontem foi a postagem “The soft underbelly of science” (algo como “O ponto fraco da ciência”), do blog The Scholarly Kitchen, mantido pela Society for Scholarly Publishing, dos Estados Unidos. Sem levar em conta as evidências de promoção de pseudociência, mas com várias ressalvas em prol do benefício da dúvida em favor de El Naschie, o texto de Philip Davis, doutorando em comunicação pela Universidade Cornell, chama a atenção para seguinte aspecto em relação às acusações ao editor-chefe da CS&F.

Não importa se os artigos dele foram de fato, submetidos ao peer-review [avaliação prévia pelos pares], como foi questionado por membros da comunidade de física matemática. Há uma percepcão de que El Naschie usou um atalho no processo, e isso, apenas, é uma preocupação válida sobre a integridade do periódico. [O negrito é do autor.]

Mais adiante, após explicar que as revistas científicas são comunidades que envolvem valores, e que por meio da aceitação de um artigo se dá uma transferência de prestígio da publicação para o seu autor, Davis afirma:

Ao prejudicar a reputação de um periódico, um editor enfraquece a disposição de futuros autores de oferecer seu manuscrito em função de prestígio. Esses autores terão satisfação oferecendo seus trabalhos a outras publicações; são milhares de revistas sedentas por manuscritos. Além disso, aqueles autores que já publicaram em um periódico duvidoso não conseguem automaticamente se dissociar dele. Eles ficam presos ao estigma que decorre de sua associação àquela comunidade.

Proposta de boicote

Acontece que a percepção destacada em negrito por Davis se refere a práticas que ocorreram durante dez anos, e isso faz com que surjam também críticas ao controle da qualidade por parte da Elsevier sobre suas revistas. Alguns desses questionamentos foram bem mais diretos, entre eles os que foram feitos pelo jornalista freelance britânico Richard Poynder, que mantém o blog Open and Shut. Ele afirma, em sua postagem de 29/11, ter encaminhado questões sobre esses aspectos à Elsevier e que a editora teria lhe dado respostas evasivas, questinando seu interesse pelo assunto.

Enquanto não surge uma resposta pública a essas questões, surgem até propostas de boicote às assinaturas aos periódicos, como a que foi feita pelo matemático Ben Webster, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Em seu texto “L’affaire El Naschie” (30/11), publicado no Secret Blogging Seminar, um blog produzido por oito pesquisadores, a maioria deles da Universidade da Califórnia em Berkeley, Webster atacou também a base de dados Science Citation Index, que registra as citações de artigos publicados nos periódicos por ela credenciados.

Os índices do SCI são consagrados como critérios de avaliação de impacto, na comunidade científica internacional, não só de revistas e papers, mas também de autores e, por extensão, de suas instituições. Foi em vista disso e de toda essa crise que eu afirmei na postagem de ontem que ela pode ser interpretada como uma contrapartida involuntária do escândalo provocado propositalmente em 1996 pelo físico Alan Sokal, que extrapolou o escopo da crítica feita por ele e até hoje é usado indevidamente como argumento para menosprezar a credibilidade das humanidades.

Em meio à elevação da temperatura dessa crise, o texto de Philip Davis se destaca como uma saudável provocação para usá-la como pontode partida para refletir com mais profundidade sobre as relações do mundo da ciência, principalmente aquelas que são ofuscadas pela engrenagem e pela banalização do dia-a-dia. Ele chama a atenção para aspectos sociológicos com claras implicações práticas. Ao comentar como o sistema da ciência reaje ao ser testado e cutucado e como as lideranças científicas se comportam sob pressão, Davis destaca também que crises como o caso El Naschie revelam normas não escritas que dirigem a conduta da instituição ciência.

Escrito por Mauricio Tuffani

Terça-feira, 02/12/2008 às 7:24

Periódico é acusado de pseudociência e favorecimento

com 2 comentários

O físico e engenheiro egípcio Mohamed Saladin El Naschie está no centro de uma crise que ameaça a credibilidade dos sistemas de avaliação de publicações e de carreiras científicas. Na semana passada, a matéria “Self-publishing editor set to retire”, da Nature News, informou que ele deixará o cargo de editor da revista Chaos, Solitons & Fractals (CS&F). Nos últimos dez anos, ele publicou 322 artigos de sua autoria e obteve milhares de citações, quase todas feitas por ele mesmo aos seus próprios trabalhos.

Essa crise foi desencadeada por várias acusações de autofavorecimento e de publicação de trabalhos pseudocientíficos, feitas em blogs de especialistas nas últimas semanas a El Naschie e à CS&F. Mas essas críticas não se restrigem ao físico egípcio e ao seu periódico. Elas atingem também o centenário e mundialmente consagrado grupo editorial Elsevier, sediado em Amsterdam, que publica a CS&F. Mas ainda não puseram na linha de tiro a seletíssima base de dados onde ela está registrada, o Science Citation Index.

Numerologia indisciplinada

A crise começou em 03/11 no blog comunitário The n-Category Café, com um comentário do físico teórico croata Zoran Škoda a uma postagem de seu colega do físico-matemático John Baez, da Universidade da Califórnia em Riverside. Radicado nos EUA na Univesidade de Wisconsin, Škoda disse, em meio à discussão sobre outro assunto, que “um certo Naschie” publicava trabalhos com graves inconsistências, e que o fazia por meio de um número elevados de papers de sua autoria na própria revista que edita.

Em 06/11, Baez apresentou no blog suas investigações sobre o assunto trazido pelo colega croata. Na postagem “The case of M. S. El Naschie”, ele disse ter notado a previsão da publicação na edição de dezembro — agora consumada — de cinco artigos de autoria exclusiva de Naschie na CS&F. Um deles lhe chamou a atenção pelo exotismo do título: “Anomalies free E-infinity from von Neumann’s continuous geometry”:

Esse paper consiste em uma numerologia indisciplinada engrossada com frases de efeito. Ele começa com uma referência às geometrias contínuas de Von Neumann e ao trabalho de Alain Connes, mas não faz nenhum uso dessas idéias. “E-infinity” é aparentemente o nome da “teoria” de Naschie, mas ele não a descreve. Em outras palavras, o título e o resumo têm muito pouco a ver com o conteúdo do paper. (…) O fato de que a Elsevier teria deixado Naschie editar essa revista e publicar um grande número de artigos como esse mostra que o sistema de monitoramento de seus jornais está falho [is broken]. O fato de essa revista custar US$ 4.520 por ano seria hilário se ela não fosse realmente comprada por bibliotecas — a uma taxa reduzida, em um pacote com outras publicações da Elsevier, mas até agora! (…) Por que a Elsevier deixou El Naschie se tornar editor-chefe dessa revista?

Também referindo-se à CS&F, o matemático Richard Elwes, pós-doutorando na Universidade de Freiburg, especialista em lógica e teoria dos modelos, disse em seu blog pessoal:

Talvez o editor-chefe dessa revista, Mohammed El Naschie, deva começar a prestar atenção. A Elsevier é a maior editora do mundo de periódicos científicas, e eles não são de modo nenhum universalmente amados por isso. Essa revista tem aspectos pseudocientíficos.

Autocitações

Em relação aos artigos publicados por El Naschie, ao todo 322, os dados sobre eles impressionam mesmo quando obtidas somente na base de dados Web of Knowledge, da qual faz parte o Science Citation Index. Nesse sistema mais restrito ele aparece com 268 trabalhos, dos quais 246 publicados na própria CS&F. Outros 19 foram publicados na International Journal of Nonlinear Sciences and Numerical Simulation. Acontece que essa publicação, como observou Baez, é editada por Ji-Huan He, da Universidade Donghua, em Xangai. Ele, que também integra o comitê editorial da CS&F como editor regional na China, apontou El Naschie como “um dos maiores cientistas deste século, desde Newton e Einstein”.

Sem considerar os registros de outras bases de dados, o físico egípcio tem no Web of Science o total de 3.050 citações. Na relação obtida por ordem decrescente de citações, o primeiro artigo que aparece é “A review of E infinity theory and the mass spectrum of high energy particle physics”, com o total de 236. As citações a vários desses artigos, quando não são dele próprio, são feitas em artigos publicados na revista editada por ele ou na de Ji-Huan He.

Escolhi, entre os artigos mais citados de Naschie, um que não tivesse quase todas as citações feitas por ele mesmo; “Elementary prerequisites for E-infinity (Recommended background readings in nonlinear dynamics, geometry and topology)”, com 74 menções, das quais 39 (52,7%) foram feitas por ele mesmo. Mas 62 delas (83,8%) foram feitas em artigos publicados na CS&F; outras 10 foram feitas na revista de Ji-Huan He. Apenas duas citações foram feitas em outras publicações, sendo uma delas desse mesmo editor chinês, que fez outras três das 74 citações.

‘Picaretagem’

Enquanto a Elsevier e a Web of Knowledge não fazem um pronunciamento público sobre o caso El Naschie e a CS&F, físicos blogueiros investigam os registros na internet sobre ele e a revista. Baez, por exemplo, já ressaltou que o nome do colega egípcio foi retirado de dois papers postados na rede arXiv.org. Škoda afirmou ter obtido a confirmação de que ele não tem mais vínculo com instituições que aponta como referência, como a Universidade Johann Wolfgang von Goethe, em Frankfurt.

Na galeria de imagens de seu website e também em um vídeo no Youtube, El Naschie mostra fotos em que ele aparece ao lado de alguns dos ganhadores do Nobel de Física. Mas o blog de Baez já tem comentários que sugerem que esses físicos premiados não mantêm relações com o editor da CS&F.

No Brasil, essa corrente já aconteceu pelo menos no blog Física, do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense, com a postagem “Picaretagem em periódico da Elsevier”, de 17/11, onde o doutorando Rodrigo M. Pereira destacou um “Detalhe pitoresco: no blog do Baez apareceram alguns defensores do El Naschie, todos com nomes anglo-saxões, inglês meio macarrônico e IPs situados no Cairo….”.

Para muitos intelectuais pós-modernos e seus seguidores, essa crise pode ser interpretada como uma contrapartida involuntária do escândalo provocado em 1996 pelo físico Alan Sokal, usado até hoje como argumento contra a credibilidade de consagrados pesquisadores franceses e da esquerda norte-americana. O estrago involuntário na imagem das hard sciences pode ser muito maior do que aquele propositalmente provocado contra algumas correntes das humanidades por Sokal com seu artigo-armadilha que ele mesmo revelou ser uma farsa logo após ser publicado na revista Social Text. Uma coisa é mostrar que um periódico pode aceitar um texto carregado de equívocos conceituais. Outra coisa é uma revista científica da Elsevier indexada na Web of Knowledge ter seu editor incólume durante dez anos fazendo o que fez El Naschie.

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