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sábado, março 31, 2007

Na AGENCIA REPORTER SOCIAL [http://www.reportersocial.com.br], site excelente, uma entrevista importante.

9.2.2007
SOLON VIOLA (professor da Unisinos):

Segundo educador, a fala de um locutor esportivo pode jogar contra horas de esforço de um professor em sala de aula

Pênalti para o Brasil. Contra a Argentina. O locutor comemora o equívoco do juíz, alegando que, se nos beneficia, está valendo. Segundo Solon Viola, do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, falas como essa prejudicam horas e horas de aula que visam aprimorar o senso de cidadania. Para ele, a educação em direitos humanos passa também pela discussão da mídia - até para a desconstrução da noção distorcida de que os direitos humanos existem para a defesa de bandidos. No caso da escola, inclui a reeducação do professor. Docente da Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, Viola afirma que os educadores precisam entender o significado de direitos humanos: uma defesa pela vida. Um dos riscos da falta de informação é o de tratar o tema de cima para baixo, como aconteceu com a Educação Moral e Cívica e seus similares, durante a ditadura. Confira a entrevista feita pela Agência Repórter Social para a revista Educação, publicada em janeiro:

por ALCEU LUÍS CASTILHO

Revista Educação - O senhor defende uma nova estética e ética para uma educação em direitos humanos. Quais são esses novos conceitos?

Sólon Viola - A questão da estética é a de uma compreensão cultural do mundo. Quando digo que há uma estética de sala de aula de herança medieval, é que no universo da Idade Média a quantidade de livros era muito pequena. Então os estudantes ouviam a leitura do livro. Havia o leitor. E as classes eram colocadas nessa situação de uma atrás da outra para que o ouvinte olhasse o leitor. O saber vinha do leitor e estava no livro. Não é mais esse tempo, porque temos livros e porque não há uma só leitura. Existem mais leituras e existem mais livros. Uma outra estética pressupõe olhar ao outro. Professor olhar aluno, aluno olhar professor e alunos olharem-se entre si. Isso eu chamo de uma nova estética, que corresponde à compreensão de um novo tempo, uma nova época.

E a nova ética?

Viola - Na primeira ética, a da Idade Média, havia a fala e um saber. E a confiança e crença nesse saber. Estava dada essa ética, e sair dela era cometer um crime contra aquele tipo de mundo. No tempo de agora, há leituras diferenciadas de mundo. E há que expressá-las. A ética toma outro lugar, portanto. O do respeito à opinião do outro, à diferença, à complexidade dos saberes de agora. Essa é a ética da qual eu falo, a da construção de uma sociedade capaz de ouvir a si mesma. Capaz de ouvir a todos. Uma ética que coloca o professor não como aquele que reproduz os saberes já escritos, mas capaz de ouvir os saberes de seus alunos, dialogar com eles e avançar com eles em busca de novos saberes.

Há um risco, ao não se pensar nessa ética, de a educação em direitos humanos se tornar uma espécie de Educação Moral e Cívica, como nos tempos do regime militar?

Viola - Quando eu era estudante, já na universidade, precisávamos ouvir aulas de Estudo de Problemas Brasileiros (EPB). Nos cursos secundário e primário eram Organização Social e Política do Brasil e Educação Moral e Cívica. O que era isso? Era um conhecimento formado desde o sistema de poder. Os governos militares diziam: os problemas brasileiros são esses. E esses problemas chegavam a nós, com respostas prontas. Que o desenvolvimento se daria de tal maneira, que liberdade era isto, isso e aquilo... A Moral e Cívica tinha esse papel de doutrinação. Se fizermos isso com os direitos humanos, como elemento civilizador, corremos o risco de reproduzir, via direitos humanos, essa herança do EPB e da Moral e Cívica. Claro que com outra vestimenta, a da igualdade, da liberdade.

Ao aproveitar os saberes dos alunos, esses valores não podem ser invertidos?

Viola - Se você fala em valores não vejo muito esse risco. Se fala em conhecimento formal, sim. A população brasileira tem profundamente arraigados em si valores muito sólidos. O que ela não tem são os conhecimentos formais. Nunca foi dada a ela uma rede de escolas. A rede de escolas que atende a população brasileira como um todo é da segunda metade do século passado. Aí se constituiu uma rede de ensino que possibilitou o acesso da população brasileira. Que não está completo, inclusive, pois vai até a oitava série. Mas me parece que temos um senso ético apurado. Por outro lado, se pensarmos que ficar no saber do aluno é suficiente, cometeremos outro equívoco. Precisamos avançar sobre o conhecimento dos alunos e ir além, com o conhecimento de que a escola dispõe. Os próprios professores têm um conhecimento que precisa ser ampliado. Os saberes dos alunos são o ponto de partida, não o ponto de chegada. Esta é uma mescla entre os saberes de aluno, professor e relação entre esses saberes, mediada pelos saberes que a humanidade já construiu.

Existe uma associação de direitos humanos aos direitos dos bandidos. Como educadores vão lidar com isso, estando em boa parte embebidos nesse caldo cultural? Qual é a origem disso?

Viola - Parece-me que quando o professor Hélio Bicudo lançou um livro chamado Esquadrão da Morte. Naquele momento a reação da mídia foi muito forte, dizendo que os defensores dos direitos humanos defendiam bandidos e subversivos. Depois terminou esse negócio da subversão, mas a pecha de defensores de bandidos continua. É uma visão equivocada do que são os direitos humanos. Uma visão construída não pela população, mas pela mídia junto à população. É um pensamento que precisa de tempo para ser dissolvido. Um tempo que pressupõe esclarecimento do que são direitos humanos. No sentido de perceber, por exemplo, que aquelas populações estão nas maiores dificuldades não por causa da violência, mas porque não têm o que comer, moram em condições precárias, não têm acesso a programas de saúde de boa qualidade, têm um acesso ainda ineficiente à rede escolar, não têm um futuro garantido, com possibilidade de emprego e salário digno. Esses são os direitos humanos. Direitos são informações de boa qualidade, que também não se tem no país.

Sobre os meios de comunicação de massa, o senhor cita o exemplo de um locutor esportivo falando de pênalti do Brasil contra a Argentina, um pênalti que não foi, e ele comemorando a marcação equivocada, pelo fato de serem os adversários argentinos. E que uma fala dessas para 150 milhões de brasileiros acaba valendo mais que muitas horas de aula...

Viola -Vale mais que as cinco horas de aula do dia. Na América Latina, Brasil inclusive, 92% dos lares brasileiros têm TV. As crianças brasileiras vêem em média 4 ou 5 horas por dia de TV. E passam 4 horas por dia na escola. A carga de informação que recebem da TV é maior. Quando a TV transmite algo que lida com tua emoção, como jogo de Copa do Mundo, 92% dos lares brasileiros estão com a TV ligada. Parece que se decide algo importante para o país. A fala daquele locutor age sobre a emoção da pessoa, não sobre a razão. E ensina que, se a lei nos favorece, ótimo; e que se a lei não nos favorece, mas o juiz não cumpre a lei, ótimo também. Ou seja, ensina que não é necessário cumprir a lei. É um projeto de educação mais significativo que o da escola. Porque o professor na escola não pode lidar permanentemente com a emoção do aluno. Tem de lidar com a razão, com conhecimento. E às vezes o conhecimento cansa muito mais do que a emoção.

Como jogar contra isso, sendo que são lideranças diversas que expõem esse tipo de pensamento?

Viola - Não sei se tem de lutar contra isso. Sei que tem de fazer um trabalho diferente. Lutar contra isso talvez fosse ir além da dimensão da educação. Talvez fosse ir além do campo da educação, discutir a mídia, a necessidade de termos mais canais, canais de outra ordem, outra formação. No campo da educação, trabalhar de forma diferente no interior das escolas. É mostrar a importância dos princípios, dos valores, das relações de respeito à lei, à norma.

Qual a formação possível de professores para direitos humanos?

Viola - O que é reeducar os professores? É algo que a humanidade faz permanentemente. Porque o conhecimento vai mudando. Você está lá na sua escola, estudando geografia, e estudou nove planetas. Aí vêm os astrônomos e resolvem que Plutão não é mais planeta. Você tem que reeducar o professor. Os professores foram formados para nos dar EPB. Isso significa que é preciso reeducar os professores, com os novos saberes da humanidade. Com as novas metodologias de ensino, o uso de novas tecnologias. E o uso de uma coisa que começa a se desvelar para o Brasil, que são os direitos humanos, muito recentes no Brasil. Embora o país tenha sido signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ela só se divulga no Brasil a partir dos anos 80. A população brasileira e muitos professores sequer conhecem. É preciso que conheçam. E, ao conhecer, que passem a lidar com ela como algo mais que uma Declaração, como outra forma de olhar para o mundo. Quando digo que é preciso reeducar os professores não é só no campo dos direitos humanos, mas pela própria urgência da construção do conhecimento. Ele avança a passos rápidos e tem de chegar à escola. Só pode chegar via professor.

Qual a principal dificuldade para a implementação de uma educação em direitos humanos?

Viola - Nós não temos uma cultura de direitos humanos na América Latina e no Brasil. E, como não a temos, fica difícil construir um movimento pedagógico sobre essa cultura. Precisamos tornar os direitos humanos conhecidos e parte da discussão do cotidiano. A mídia é um bom recurso para isso. Que, por exemplo, a crítica ao direito humano como defensor do bandido venha a ser respondida com a luta pela garantia da vida. Afinal é disso que tratam os direitos humanos: a defesa da vida. E não só a do bandido, mas a da comunidade que sofre com a ação do bandido, e a da comunidade de segurança que precisa enfrentar o bandido. É a defesa da vida que preside a questão dos direitos humanos.

As teorias pedagógicas já não deveriam ter incorporado tudo isso, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é de 1948?

Viola - A compreensão dos direitos humanos na teoria pedagógica está presente desde antes da Declaração. A questão é que normalmente não a chamamos assim. Quando Paulo Freire falava em emancipação, em dialogicidade na relação professor-aluno, estava defendendo claramente um princípio dos direitos humanos. E se você recuar no tempo, aqui no Brasil mesmo, Anísio Teixeira, que é anterior à Declaração, caminhava nessa direção. Se você for a pedagogos europeus, vai encontrar questões equivalentes na Espanha, na Itália. Em plena guerra, Maria Montessori falava de uma educação especial para alunos especiais. Ela estava falando de questões que fundamentam os direitos humanos. E se você recuar no tempo, no pensamento de Comenius, no de Jean-Jacques Rosseau você encontra fundamentos dos direitos humanos.

sexta-feira, março 30, 2007

quinta-feira, março 29, 2007

ENTAO TA, AGORA CONTA OUTRA....

29/03/2007 - 11h30
"Que não seja 'chapa-branca'", diz Lula sobre projeto de nova TV
Da Redação
Em São Paulo

Em solenidade no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu posse nesta quinta-feira a cinco ministros e, durante seu discurso, quando falava das atribuições do novo Ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, comentou o projeto de criação de uma nova TV pública. "Que não seja uma coisa chapa-branca. Gente puxando o saco não dá certo", disse Lula. "Não é uma coisa para falar bem do governo ou mal do governo. É para apresentar a informação como ela é, sem pintar de cor de rosa. Mas sem pichar", disse Lula.

Segundo Lula, a TV pública poderá fazer o que muitas vezes a televisão privada não faz, e que a idéia não é competir com as TVs privadas. "Nós estamos pensando em ter uma TV pública educativa, que possa fazer o que muitas vezes a televisão privada não faz. E quem sabe a gente possa fazer parceria com tudo o que já existe neste País - TV Câmara, TV Senado, TV Congresso, TV Educativa nos Estados. Não vamos inventar a roda". "O que nós queremos é dar oportunidade para um jovem que queira aprender português possa ter aula de português às 9h da manhã, às 11h. Que as pessoas possam assistir a uma peça de teatro pela televisão a uma hora da tarde, ao meio-dia. Que a gente possa ensinar espanhol, ler inglês, que a gente possa ensinar matemática. Que a gente possa ter uma imensa atividade cultural", explicou.

Franklin Martins, além de cuidar da relação do governo com a imprensa, e da publicidade oficial, será o responsável pela implantação da TV pública do Executivo.A idéia de criação de uma TV pública -e as diretrizes sob as quais ela funcionaria- tem sido bastante debatida nas últimas semanas, e chegou a ser motivo de um bate-boca entre o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o embaixador da Venezuela no Brasil, Julio García Montoya, depois que o brasileiro disse que a TV pública nacional não seria "estatal" e partidária, como a de Hugo Chávez, presidente venezuelano.Além de Franklin Martins, que assume um ministério novo no quadro do governo, foram empossados: Carlos Lupi (Trabalho), Miguel Jorge (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Alfredo Nascimento (Transportes) e Luiz Marinho (Previdência)."Estou gostando desse negócio de dar posse a ministro. A casa sempre fica cheia", brincou o presidente, que promoveu nesta quinta-feira, a dois dias do quarto mês do ano, a terceira parte da reforma ministerial para o cumprimento de seu segundo mandato. E o processo ainda não está completo: está prevista para a próxima terça-feira a posse de Pedro Brito (PSB) na recém-criada Secretaria Nacional de Portos -anteriormente, os portos eram de responsabilidade do Ministério dos Transportes.

SABADO AS 16 HORAS, RUA GENERAL JARDIM 253

HOMENAGEM A MAURICIO TRAGTENBERG

DEBATE SOBRE O SEU LIVRO "A REVOLUÇÃO RUSSA".








Recomenda-se a leitura do Tratado de Plutarco, cujo titulo é "Sobre o Palavrório". Bem, isto se o presidente e seu ministério...

quarta-feira, março 28, 2007



Os aliados dos governos nos campi.



Unicamp, Google satélite.



Certa feita, o senador Fernando Henrique Cardoso, ao deixar por algum tempo as lides políticas (nas quais teve e terá papel importante, nacional e internaciolmente) voltou para a USP. Ao ser recebido por docentes, funcionários, estudantes, falou em alto e bom som que deixava o Parlamento, lugar da ação, para retornar à universidade, lugar da falação. Esta grosseria foi aplaudida, de pé, pelos aduladores tucanos, petistas e quejandos. Na época escrevi um artigo no qual comentava aquele discurso. Comecei mostrando que Parlamento é lugar da falação (e de outras coisas...) e a universidade (quando merece o nome) é o lugar onde se produz conceitos, técnicas, métodos, que entram na ordem material da riqueza e refinam a mente da cidadania.

Quem duvida, mas é honesto, procure os dados sobre os ganhos da indústria, agricultura e comércio devidos aos saberes e técnicas gerados nos campi.

Um dado relevante, muito estranho, é o verdadeiro ódio que tucanos (muitos ex-professores) e petistas (idem) votam à universidade. Quando afastados do poder, cortejam os pares, exaltam a ciência, etc. Assim que colocam o corpo nos palácios, tentam destruir o que não construiram, difamar, cortar recursos, etc.

Essa prática reitera-se agora no governo Serra. Truculência inaudita, arrogância, descaso pela pesquisa e demagogia barata. Alegam os ex-universitários que a universidade pouco faz pelo ensino primário e médio. Certa feita disse que um ministro da educação faltava com o verdade. Neste caso, posso dizer o mesmo. E a demagogia "esquece" o dado fundamental: o orçamento da Secretaria da Educação é dos maiores no Estado. A sua máquina é monstruosamente ineficaz e seus titulares últimos ultrapassaram o limite do folcrore. Não por acaso, mesmo entre tucanos, os procedimentos e políticas daquele sorvedouro de dinheirama são criticados.

Críticas podem e devem ser feitas à universidade pública paulista. Mas o que se percebe agora, no governo de um professor da Unicamp, é o intento de domesticar a universidade pública, em proveito do "ensino superior" das "universidades" privadas (e coloque-se toda a polissemia que o termo comporta).

Não haveria tamanha eficácia no trabalho destrutivo de tucanos e petistas, se nos campi existisse uma grande maioria de pessoas dedicadas ao saber, longe das politicalhas. Mas ocorre o contrário. Na tarefa de acabar com o ensino e a pesquisa, os governantes de vista curta encontram aliados em professores, e não poucos. Todos com a miragem do dinheirinho para o seu grupo, miragens de poder, miragens.

This is this, and that is that

Roberto Romano

Tem gente no governo Serra que brinca com coisa seria.

 
27 de março de 2007
 
CARTA MANIFESTO DOS DIRETORES
DE UNIDADES ACADÊMICAS DA UNICAMP

 
A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 207, define perfeitamente o princípio da autonomia universitária: “As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. A formulação contém dois aspectos decisivos para a existência de uma universidade de excelência. Em primeiro lugar, a universidade firma-se como sujeito capaz de criar e de aplicar a si a sua própria normatividade, tendo como pressuposto a sua vocação de busca de conhecimento crítico e autocrítico. Em segundo lugar, a idéia de autonomia implica a indissociabilidade entre três práticas constitutivas da identidade acadêmica: a investigação livre, o rigor teórico e a transmissão do conhecimento através do ensino e da extensão.

O compromisso social é intrínseco ao princípio de autonomia universitária, pois ela se afirma na medida em que tanto a produção quanto a transmissão e a extensão do conhecimento passam por avaliação séria, através da mediação de pares, e são postas a serviço da sociedade. Quer dizer, em seu entendimento mais profundo, o cumprimento da função social da universidade se faz, em primeiríssima instância, através da qualidade da sua produção, resultante da busca da excelência acadêmica, movida pela consciência autônoma de seus membros.
           

A experiência das universidades estaduais paulistas foi certamente a que mais avançou no sentido da consolidação da autonomia universitária no Brasil, nessas últimas duas décadas. Após uma longa greve de docentes e funcionários em fins de 1988, o então governador de São Paulo, Orestes Quércia, assinou a autonomia de gestão financeira dessas instituições, através do Decreto no. 29.589, editado em 2/2/1989. Ficou estabelecido a partir de então que as universidades passariam a receber mensalmente 8,4% da quota parte do ICMS arrecadado destinada ao Estado. A partir de 1995, o percentual, que vigora até hoje, passou para 9,57%. O decreto representou, portanto, a efetuação da autonomia da gestão financeira da Universidade, aspecto essencial do princípio maior da autonomia.  As universidades, a partir daí, ficaram livres da política do “pires na mão” - como ressaltou o artigo “A sobrevivência da autonomia universitária” do Prof. José Tadeu Jorge, reitor da UNICAMP, na seção Tendências/Debates da Folha de S. Paulo, do dia primeiro de fevereiro -, e se livraram das incertezas orçamentárias que tumultuavam as comunidades acadêmicas no início de cada exercício.

Ao longo dos anos de vigência da autonomia financeira, as universidades públicas do Estado de São Paulo apresentaram concretamente um desempenho muito positivo. A UNICAMP, em particular, registrou crescimento excepcional dos seus principais indicadores de produtividade. Entre 1989 e 2005, o número de docentes decresceu sensivelmente, enquanto o número de matrículas aumentou sempre nos cursos de todos os níveis, como está detalhado no artigo acima citado. Nesse mesmo período foi registrado aumento numérico e qualitativo muito significativo das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas. Além do reconhecimento público da qualidade da sua produção nas diversas áreas do conhecimento, a UNICAMP destacou-se de modo notável na área tecnológica, a ponto de se tornar a entidade, pública ou privada, com o maior número de registros de patentes em todo o Brasil. Está claro, portanto, que a autonomia, no que significou de motivação e mobilização dos docentes, é peça chave no aumento da produtividade das universidades públicas paulistas.

Nesses mesmos anos de autonomia plena, a UNICAMP realizou dois rigorosos processos de avaliação institucional que geraram relatórios abrangentes e minuciosos sobre a sua produção, cuja peça fundamental foram as comissões formadas por avaliadores externos, nacionais e internacionais, de alto nível. Os resultados dessas avaliações foram entregues ao Conselho Estadual de Educação, e se encontram inteiramente à disposição da sociedade. Esses dados, e tantos outros, igualmente expressivos e contundentes no que diz respeito à produção da USP e da UNESP, deixam claro que as Universidades públicas paulistas estão engajadas na compreensão responsável de sua autonomia.

Desse modo, revelam-se desnecessários e extemporâneos os decretos do governador que ferem frontalmente o princípio constitucional da autonomia. Eles não apenas sinalizam a tentativa de submeter o Conselho de Reitores à tutela da Secretaria de Ensino Superior, mas produzem dois efeitos ainda mais nocivos. O primeiro deles é a intervenção sobre a autonomia financeira das Universidades ao dificultar os repasses do ICMS mediante atos difusos de operações financeiras, nas quais fica evidente o propósito de controle burocrático do orçamento. E ainda que o governo anuncie a disposição de acatar os remanejamentos de recursos necessários à gestão quotidiana dessas instituições, a simples obrigatoriedade de anuência do sistema burocrático externo à Universidade para efetuação de seus recursos significa ingerência na “autonomia de meios” fundamental para a “autonomia de fins” garantida constitucionalmente.


O segundo grande efeito nocivo dos decretos é a transferência das três universidades públicas paulistas da antiga Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico para a recém-criada Secretaria de Ensino Superior, a qual, por sua vez, abriga igualmente as cerca de 500 instituições de ensino superior privadas do Estado, assim como, não se sabe a que título, o Memorial da América Latina. A levar a sério este novo desenho administrativo, as alterações produzem a separação arbitrária e inaceitável entre ensino e pesquisa ou, o que é pior, deixa-se de distinguir Universidade que produz ensino e pesquisa daquelas que apenas fornecem ensino, que passam a formar a grande massa de filiados da Secretaria de Ensino Superior. Foi em parte graças à localização das Universidades estaduais paulistas na Secretaria de Ciência e Tecnologia que a Universidade de excelência teve reconhecido o seu lugar distinto das IES privadas que não produzem pesquisa. Aliás, a nova designação dessa Secretaria apenas como Secretaria de Desenvolvimento, ora esvaziada das universidades estaduais, deixa supor que a antiga ênfase na pesquisa livre e de ponta em Ciência e Tecnologia, em sintonia com os mais altos padrões internacionais, pode vir a ser preterida em favor de projetos mais aplicados e privatizantes, sob pretexto de servir a estratégias desenvolvimentistas. Por outro lado, quando as Universidades Públicas são retiradas da rebatizada Secretaria de Desenvolvimento, é estranho a permanência nela das Faculdades de Tecnologia (FATECs), do Centro Paula Souza, que mantêm vínculo acadêmico-administrativo com o Conselho Universitário da UNESP. Em suma, longe de integrar o ensino superior público paulista, os decretos o fragmentam e dispersam.
               

No artigo “Secretaria do Ensino Superior”, na mesma página Tendências/Debates da Folha de S. Paulo, de 26 de janeiro último, a justificativa dada pelo Secretário Pinotti de que a nova secretaria, ao englobar USP, UNESP, UNICAMP, deve promover a “organização sistêmica” das Universidades – ou um “sistema do ensino superior”, como já refere em artigos posteriores – para que possam “encaminhar soluções para questões como mobilidade estudantil, baixa porcentagem de jovens que fazem curso superior”, ou auxiliar no combate à “precária qualidade do ensino básico” representa novo ataque à autonomia. As Universidades públicas têm feito pela qualificação do ensino médio e básico mais do que nenhum outro órgão do país, ainda que não sejam as suas tarefas primeiras. Não é preciso que nenhum órgão externo, superior a elas, as obrigue a isso. Até porque, tais tarefas, certamente meritórias, estão diretamente concernidas pela Secretaria da Educação e não pela nova Secretaria que, de concreto, apenas representa mais gastos para os combalidos cofres públicos.

Nós, Diretores das Unidades Acadêmicas da UNICAMP, não seremos coniventes com essas anomalias institucionais, de duvidosa base constitucional. Nenhum ajuste fiscal que eventualmente interesse ao governo, qualquer governo, assim como nenhuma alegação populista ou demagógica, movida afinal pelo mal disfarçado desejo intervencionista, será bastante para justificar a perda irreparável daí decorrente: a liberdade de criação científica e cultural das Universidades.

Campinas, 27 de março de 2007.

(Original assinado pelos diretores do Instituto de Artes, Instituto de Biologia, Instituto de Computação, Instituto de Economia, Institulo de Estudos da Linguagem, Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas, Instituto de Fisica Gleb Wataghin, Instituto de Geologia, IMECC, Instituto de Quimica, Faculdade de Ciências Médicas, Faculdade de Educação, Faculdade de Educação Fisica , Faculdade de Engenharia Agricola, Faculdade de Engenharia de Alimentos , Faculdade de Engenharia Mecânica , Faculdade de Engenharia Quimica, Faculde de Odontologia de Piracicaba mais os colégios (CESET, COTUCA e COTIL).
 

Coincidencias, universidades, etica.....

Nota prévia

Por coincidencia, no mesmo dia foi publicada a minha coluna, em Campinas (Correio Popular, postada abaixo), a primeira de uma série que analisará problemas da ética universitária, incluindo os plágios, e a notícia sobre a acusação levantada contra um professor de direito. Nestas situações, o mais prudente é esperar a investigação ampla e profunda dos responsáveis, tanto na Escola quanto no Tribunal. Como o mundo universitário, segundo Hegel, é o zoológico do Espírito, cobras podem picar e produzir feridas letíferas. Mas a existência da acusação mostra que tenho boas razões para escrever sobre o tema. Aliás, só decidi redigir artigos sobre este ângulo pouco nobre da universidade, depois de muitos casos tétricos. Que o alerta sirva, afinal. Espero que a luz se faça no caso em questão, e que a dignidade de todos os participantes seja preservada, o que é difícil, mas não impossível.

Roberto Romano

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Correio Popular de Campinas, 28/03/2007

Intelectuais e mordaças voluntárias



ROBERTO ROMANO

Muitos intelectuais silenciam quando seu partido político chega ao poder. As violentas agressões aos direitos coletivos e individuais desaparecem para aquelas mentes que militam em favor de si mesmas e de seus grupos. Como resultado, muitos intelectuais recebem mordaças e seus nomes são cobertos pelo silêncio espesso das ditaduras em ato ou em potência. A regra vale para todos os regimes políticos da modernidade. A mitologia reza que os pesquisadores buscam a verdade sem dogmatismo. Triste engano. Quem vive entre os habitantes dos laboratórios e bibliotecas descobre a falácia. Não por acaso Hegel afirma ser o universo dos intelectuais um “reino animal do espírito”. Cada mestre afirma buscar o verdadeiro, o correto, o belo. Mas todos querem unir seus nomes aos saberes admitidos pelos colegas, políticos, jornalistas, populares. Na luta pela fama, que resulta em verbas, admissão nos gabinetes poderosos, servilismo dos pares menos favorecidos, urge esmagar os concorrentes. Como ninguém na intelectualidade chega ao controle do Estado ou das igrejas (quem realiza a façanha deixou de ser pesquisador antes de pisar nos palácios), a constelação dos cerebrinos, como afirma um comentador de Hegel, “é o reino dos ladrões roubados”. A fama decepciona, pois “o que falta aos intelectuais, para chegar ao poder não é prestígio, mas votos”. A frase de Gérard Lebrun demonstra lucidez enceguecedora.

Muitos, na corrida pelo domínio do verbo e das verbas, copiam trabalhos alheios e os apresentam como seus. Ou usam idéias de colegas e citam a fonte, malandramente, só na bibliografia geral do livro. Muitos se apropriam de métodos e técnicas inventados pelos pares. As malícias do zoológico espiritual são infindáveis e dolorosas. Cada “apropriação heterodoxa” atinge os prejudicados, que amanhã poderão prejudicar seus colegas. É apropriada, para descrever os intelectuais, a frase do sobrinho de Rameau (protótipo do acadêmico sem dinheiro, poder, talento ou disciplina) : “Parecemos alegres; mas no fundo temos péssimo humor e grande apetite. Lobos são menos esfaimados; tigres, menos cruéis. Devoramos como lobos quando a terra ficou muito tempo coberta de neve; estraçalhamos como tigres tudo o que é bem-sucedido”. Recordando Molière: “ninguém será inteligente, se não for tão tolo quanto nós”.

Um livro importante ostenta título sugestivo: Silenciando cientistas e acadêmicos em outros campos, ou Silencing scientists and scholars in other fields: power, paradigm controls, peer review, and scholarly communication. O autor é Gordon Moran (London, Ablex Publishing Corporation, 1998). Gordon narra as impressões recolhidas por ele quando, jovem bolsista, aceitava ser usado pelos velhos professores para preencher as cadeiras vazias nas palestras de mestres visitantes e nas recepções que vinham depois. A impressão causada no moço que iniciava a vida profissional era de certa polidez dos grandes intelectuais nos debates teóricos e metodológicos. Gordon manteve a certeza de que os grandes nomes acadêmicos são afáveis, ouvem e falam na hora certa, respeitam o “sentimento” (como se dizia no século 18 francês) dos oponentes.

Pobre Gordon! Mais tarde, ao trabalhar como crítico de pintura, foi conduzido a noções que contradiziam o ensino oficial. No Palazzo Publico de Siena há o retrato de Guido Riccio da Fogliano, atribuído a Simone Martini. Gordon aventou a hipótese de que o artista seria outro. Esperava polidez no debate e recebeu “insultos, censura, falsificações, todas dirigidas para silenciar a nova hipótese indesejada”. Evidente: a atribuição a Martini alimenta o turismo com os cartazes, pratos, cinzeiros, azulejos de banheiro, garrafas de vinho. Esse plano lucrativo une-se ao mercado dos cargos em museus, revistas acadêmicas, fundações. Daí o ódio trazido pela hipótese de Gordon. Na pesquisa científica e humanística as coisas também se passam deste modo: hipóteses novas são duramente recebidas e, não raro, silenciadas. (continua…)



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Juiz é acusado de copiar obra de autor americano
Marco Antonio Marques da Silva, que disputa vaga de professor titular na USP, diz que houve uma coincidência

Para o autor da denúncia, o professor doutor David Teixeira de Azevedo (USP), 13 páginas foram retiradas do livro "American Courts"

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Virou um imbróglio de acusações a disputa pela vaga de professor titular de direito penal da Faculdade de Direito da USP. A vaga foi aberta no início do ano pela aposentadoria da docente Ivette Senise Ferreira.
Um dos candidatos, o professor de direito processual penal da Pontifícia Universidade Católica e também juiz de segundo grau atuando como desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, Marco Antonio Marques da Silva, é acusado de apresentar como sua uma obra escrita em inglês pelo professor Daniel John Meador, da Universidade de Virgínia, EUA.
O juiz nega que houve cópia. Afirma que se trata apenas de "meras coincidências".
Segundo o autor da denúncia, o professor doutor David Teixeira de Azevedo, da USP, ao menos 13 páginas do trabalho "Organização da Justiça Norte-americana. O Procedimento Penal", publicado no número 736 da "Revista dos Tribunais", de fevereiro de 1997, como sendo de autoria de Marques da Silva, teriam sido retiradas "ipsis literis, et verbis et virgulis" (tim-tim por tim-tim, numa tradução livre do latinismo) do livro "American Courts", de Meador, de 91.
A bibliografia arrolada no texto assinado por Marques da Silva menciona 23 obras. O livro de Meador, entretanto, não aparece como referência.
"Li o texto assinado por Marques da Silva em 1998. Achei estranho. Parecia uma tradução mal feita. Em 2000, li o texto original, do professor Meador, e pensei: "Parece o trabalho do Marques da Silva". Quando ele se inscreveu para o concurso de titular, agora no início do ano, fui comparar. São páginas e páginas, incluindo gráficos, absolutamente idênticos ao da obra americana." O relato é do professor Teixeira de Azevedo, que enviou representação para o diretor da faculdade, professor João Grandino Rodas.

Memorial
A discussão sobre o texto de 1997 de Marques da Silva ressurgiu agora em razão do concurso para professor titular, a mais alta posição da hierarquia acadêmica. Dois professores disputam o cargo: Sergio Salomão Shecaira, que é da USP, e Marques da Silva.Cada um dos candidatos tem de apresentar uma tese, passar por prova de erudição e pelo julgamento de memorial (conjunto de livros, artigos e textos produzidos pelo postulante ao posto, e que condensam a colaboração dele à ciência jurídica). O conjunto dessas notas, dadas por uma banca, indica quem vencerá o concurso.

Foi o próprio Marques da Silva quem incluiu em seu memorial o trabalho publicado na "Revista dos Tribunais" e que agora é contestado.Estava prevista para amanhã reunião da Congregação da Faculdade de Direito, em que a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, titular do Departamento de Direito do Estado, apresentaria relatório sobre os dois candidatos ao concurso.
Ontem, na faculdade, professores comentavam que Di Pietro deverá adiar a apresentação de seu relatório. Segundo Antonio Cabral, pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, só quem poderá dizer se houve plágio no caso em questão é o Judiciário, "depois de analisar as obras". "Não há fórmula pronta", diz."Isso não impede, entretanto, a universidade de tomar as medidas administrativas que julgue adequadas. Quando flagramos um dos nossos alunos copiando trabalho alheio, simplesmente o reprovamos, independentemente de medidas judiciais", explica.

Professor nega acusação de colega e diz que houve "meras coincidências"

DA REPORTAGEM LOCAL

O professor Marco Antonio Marques da Silva enviou à Folha, por escrito, sua versão dos fatos. Segundo ele, "o suposto reclamo" atinge apenas um dos vários itens do memorial que, no caso dele, é composto de 27 artigos. "Desconsiderando-se o texto questionado restariam ainda 26", diz ele.Sobre o texto questionado, Marques da Silva diz que foi produzido "como relatório de viagem aos EUA, a convite do governo daquele país, entre 21 de março e 10 de abril de 1995". "Não tinha a intenção de ser um texto erudito."

"Quanto à alegação de o artigo/texto ter sido retirado "ipsis literis, et verbis et virgulis" do livro "American Courts", de Daniel John Meador, informo não corresponder à verdade. Alega-se que "pela leitura comparativa ao menos 13 páginas foram integralmente copiadas, inclusive dois gráficos do trabalho original". Observo que [o conceito de] "leitura comparativa" é muito vago, além de restar sem conteúdo. Assim, com o livro em questão, constata-se não haver a "cópia" indicada. Há meras coincidências quanto a fatos históricos, composição dos Tribunais e funcionamento, pois esses dados são imutáveis", escreveu. Com referência aos gráficos do trabalho original, o professor Marques da Silva diz que foram retirados do "State Court Caseload Statistics - Supplement to Examining the Work of State Court", que indica a estrutura de todas as Cortes Estaduais americanas". (LC)

Graças a gentileza de Alvaro Caputo, uma analise estrategica, inclusive para os brasileiros.


 

Stratfor Geopolitical Intelligence Report


GEOPOLITICAL INTELLIGENCE REPORT 03.27.2007



EU: A Golden Anniversary -- and a Hard Reality for France
By Peter Zeihan

The European Union celebrated the 50th anniversary of the signing of the Treaty of Rome on March 25. To mark the event, 27 heads of government gathered in Berlin, ostensibly to sign a declaration reaffirming the union's values and outlining future goals. Disputes over the document's text, however, proved so divisive that in order to avoid embarrassing refusals the leaders were not even asked to sign it. Meanwhile, the ceremonies were so dull that many officials wandered off into the streets of Berlin well before they concluded.

Europhobes point to such apathy as a perfect example of how Europe has failed. The union, they say, has no future if European presidents and prime ministers cannot even stay in a room long enough to commemorate the union's golden anniversary -- much less sign what in essence was a birthday card. Europhiles look at the same picture and turn it on its head. They argue that the union is so successful and its core features -- peace in Europe and a rich common market -- so entrenched that high-level attention is hardly needed.



Both are right, both are wrong -- and both are missing the point. The European Union has succeeded and failed, not by the standards of the pundits but by the criteria of its founder. France created the European Union both to protect and assert itself in the geography of the Cold War -- and in that it was wildly successful. But that geography no longer exists, and the union now not only has grown beyond Paris' grasp, but also has fallen under the influence of a power that until recently France controlled.

A French Creation

Located as it is near the west end of the Eurasian landmass, France has always faced the same geopolitical dilemma: It is just large and strong enough to project influence, but not quite large and strong enough to secure its well-being alone. This reality forces France to be proactive in achieving its goals. During the Napoleonic Age, this meant acting aggressively to assert its order on a chaotic Europe and farther abroad. In the first half of the 20th century, it meant being equally aggressive in seeking allies against a region that was developing an order France could not control.

Throughout both periods, however, the French met with defeat after defeat. Napoleonic France was not strong enough to take on the rest of Europe and Russia, while France's Third Republic lacked the strength to defend itself against the other European powers without extensive outside help. Before World War II, France faced a melange of potentially hostile states -- the United Kingdom, Spain, Germany, Italy and Russia being only the five most significant.


But in the early post-Cold War years, the very geography of Europe changed. As the dust from World War II settled, France saw a silver lining in the brewing clouds created by the U.S.-Soviet policy of Mutually Assured Destruction. Germany, Italy and Austria were occupied. Spain languished in isolation under Franco's dictatorship. The United Kingdom largely disengaged itself from continental affairs. And most important, the Soviet Union's Iron Curtain was explicitly designed to limit contact between East and West.

After a series of stinging national catastrophes beginning with Napoleon's disastrous retreat from Moscow and culminating with the march by German troops under the Arc de Triomphe, Paris in the late 1940s finally found itself with no rivals.
In such an environment, Paris set out to create an entity that would be large enough to allow France to project power globally, but small enough for it to control. In 1948, France spearheaded the formation of the European Coal and Steel Community. This created the framework for the founding of the European Economic Community in 1957 (the Treaty of Rome), which in turn evolved into the European Union.

French domination of this entire process proved considerably durable, with the first true cracks not appearing until the final days of the Cold War. This should come as no surprise. The European Community/Union was designed explicitly to take advantage of the political geography of the Cold War, so when the Cold War ended, the continent's geography changed. The pond in which France swam enlarged, and the Soviet Union's imperial debris has since proven to be more than Paris can manage.

Nowadays, there is no shortage of challenges to French dominance in Europe. The United Kingdom is a full EU member, the belt of former Warsaw Pact states does not recognize Paris' leading role and expansion into the Balkans has exposed the union to a raft of issues that are challenging to say the least. The greatest challenge to the French project, however, lies in the twin pillars of its foundation.

Germany and Gaullism

Cold War France needed two things to make the European project function: an ideology that bound Paris firmly to the leadership of Europe, and a platform on which it could stand to wield that leadership. France found its answers in war hero Charles de Gaulle and -- ironically -- in its World War II foe.

While de Gaulle did not become France's president until 1959 -- two years after the signing of the Treaty of Rome -- his role as commander of the Free French Forces granted him the gravitas to shape debate within French society in both the Fourth Republic, which he challenged and displaced, and the Fifth Republic, which he forged and led. It was de Gaulle who imprinted on the French mind the idea that France could and should take up a leadership position in Cold War Europe as a counterbalance to both the United States and the Soviet Union. This, in de Gaulle's mind, would provide the kernel from which a European alternative to either superpower could grow. And he realized he could not do it alone.

Much has been made of the "Franco-German motor of European integration," and rightly so. Even in defeat, Germany remained the industrial powerhouse of Europe while nearly one-quarter of the French population remained in agriculture. Without harnessing Germany's economic muscle (and larger population), France could never have used Europe as a reliable platform.

De Gaulle's strategy, therefore, was simple: Take advantage of Germany's post-war guilt to sublimate German national ambitions completely within France's European project. Use German markets to fuel French industrial expansion. Use German finances to feed French agriculture. And integrate the two states with the other community members to serve French interests.

Despite a number of changes in membership and circumstance, French diplomacy consistently succeeded in convincing the Germans that what was good for Europe (and, by extension, good for France) was good for Germany. France provided the direction and Germany provided the industrial and financial backing; as a result, Europe deepened and broadened.
But after German reunification formally began in 1990, France began to lose its pre-eminent position in European affairs. Yes, Germany remained critical in French thinking regarding Europe; but unlike the heady days of the 1960s and 1970s, when Paris largely determined the German position, reunified Germany began to inject its own preferences -- very quietly -- into European processes. By the time German reunification was completed in 1999, the press began to refer regularly to the Franco-German partnership rather than the Franco-German motor. It was a subtle but critical difference.

No longer divided and occupied by the Cold War superpowers, Germany was again whole and deciding its own policies in its new/old capital of Berlin. The very geography of not only Cold War Europe but also Cold War Germany had changed -- and with that, French hopes for controlling the European agenda began to wane. During this time, Franco-German relations remained cordial, but the European project began to take a new (German) direction:

Germany flexed its newly reunified muscles in the early 1990s and began meddling in what ultimately blossomed into the Yugoslav wars -- which a more circumspect France did not appreciate.
German diplomats took the lead in crafting the euro -- a currency governed by the same conservative policies used in German, not French, monetary management.

Germany stood to benefit the most, both economically and politically, from expanding the European Union eastward. France was justifiably nervous about such efforts, which limited its financial benefits from the union. It also diluted France's political control of the organization -- the original rationale for creating the union (in the French mind) in the first place.
Germany, not France, is the largest trading partner and political influence on all the states that have joined the union since 1990. Germany, not France, is the global economic powerhouse. And Germany, not France, is able to hold -- indeed, demand -- a robust discussion with any major power of the world on any topic. And all this became the state of affairs before the relatively pro-American Angela Merkel became German chancellor.

French unease with the ongoing evolution of the European Union is not difficult to unearth. President Jacques Chirac, himself a proud and committed Gaullist, has often used the European Union as a scapegoat for France's (or his own) problems. Such an attitude toward an organization that he used to firmly control certainly contributed to France's 2004 defeat of the European constitution (a document written, appropriately, by a Frenchman) in a popular referendum.

What has occurred since 1990 is a subconscious realization in France that the European Union no longer is its exclusive playground -- that the European Union is quite capable of going down paths that France once could have blocked. In fact, with the qualified majority voting structure, France can even be forced down those paths against its will. The organization that France formed to secure its interests is now, at times, perceived to be threatening them. And the country responsible is not one of Chirac's traditional bugaboos, the United Kingdom or the United States, but instead the power that the French leadership held firmly in hand for a half century: Germany. It is not that the Germany of today holds nefarious intent toward France, simply that it now holds German interests pre-eminent in its policymaking. With Germany undoubtedly the most powerful entity in the union, having Europe's drum reverberating with a deep German bass is a serious problem for Paris.

And it certainly is reflected in French domestic politics. The ideology of Gaullism -- like the organization of the European Union -- was crafted for a different geopolitical reality. With the Cold War dead and the Iron Curtain gone, the idea of French domination of Europe is simply a geographic impossibility. As such, it should come to no surprise that not one of the leading contenders for the French presidency is a Gaullist. The candidate closest to that stance is Nicolas Sarkozy, who while technically Chirac's successor is about as pro-American as a Frenchman can be. So, with the French-German relationship as changed as the geography of Europe, what becomes of the union? The answer could be clearer than it seems.

French rationale for creating the European Union can ultimately be distilled down to three words: Guarantee French security. While the French effort has obviously made use of economic tools, the goal was political and military in nature. However, there is not a policymaker alive in Berlin who thinks a German bid for political and military dominance of Europe would be met with anything other than terror and rage. Until such anxieties cease to concern German decision-makers, Berlin's goals for the European Union will largely be limited to the economic sphere -- just as they have been since 1990. If Germany can make the union all about economic issues, then its position as Europe's largest economy will do the rest.

There is a reason why Merkel's first summit in her current role as EU president focused on energy security. There is a reason why Germany is the only major eurozone economy that has not called for more political oversight of the European Central Bank (ECB). There is a reason why it was a German who negotiated and wrote the Maastricht Treaty on monetary union. There is a reason why ECB policymakers look first and foremost at German economic data. And there is a reason why the ECB is located in Frankfurt. So, when thinking of evolutions in the European Union, consider the implications of having the word "euro" replaced with "deutsche mark." For all practical purposes, that is what the euro is.

As declaraçoes em pauta mostram o quanto os ministros da area social do governo sao imprudentes. Perto deles, o presidente torna-se estadista.

Ministra diz que racismo de negro contra branco é natural
Matilde Ribeiro ressalva, porém, que não concorda com esse tipo de comportamento

Afirmação, feita durante entrevista concedida à BBC Brasil, recebeu críticas e foi considerada como uma manifestação de racismo

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, criou polêmica ontem ao considerar "natural" que haja racismo de negros contra brancos no Brasil.

A nova interpretação para o que seja racismo apareceu em entrevista dada pela ministra ontem à BBC Brasil. "Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. A reação de um negro de não querer conviver com um branco ou não gostar de um branco, eu acho natural", afirmou Matilde quando questionada se haveria racismo de negros contra brancos no país, como nos EUA.

Na mesma resposta, a ministra ressalvou que não incitava esse tipo de comportamento, nem achava uma "coisa boa": "Mas é natural que aconteça [o racismo], porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou", disse Matilde.As duas ressalvas foram destacadas mais tarde em nota de esclarecimento divulgada pela secretaria. Segundo a nota, a frase da ministra havia aparecido fora do contexto na chamada da entrevista pela BBC.

No espaço de tempo de algumas horas, ela passou a classificar de "condenável" o que antes chamara de "natural": "A afirmação [da ministra] apenas reconhece a histórica situação de exclusão social de determinados grupos étnicos no Brasil, que prevalece após 120 anos de abolição, e pode, por vezes, provocar esse tipo de atitude, também condenável", diz a nota.

À noite, em evento sobre reforma política, a ministra afirmou que esse tipo de comportamento ocorre "por uma questão de defesa, considerando que o racismo é um regime nefasto". "Talvez eu tenha sido infeliz na formulação [das frases]", completou.

As reações começaram com nota do presidente da OAB. Empossado ontem integrante do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Cezar Britto criticou uma possível interpretação das palavras da ministra. "Aceitar qualquer tipo de preconceito não pode ser medida eficaz no que se refere a essa mesma democracia racial", afirmou ele.

O sociólogo Simon Schwartzman disse que não ficava bem para quem ocupa função pública sancionar um comportamento "que pode ser compreensível, mas não aceitável".

A ministra recebeu alguns apoios. Mas houve quem classificasse as declarações como manifestação de racismo (leia texto ao lado). A Constituição passou a considerar a prática de racismo "crime inafiançável".

A entrevista à BBC foi feita a propósito dos 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo império britânico, fato que teria dado início ao fim da escravidão no mundo.


Antropólogos criticam fala de Matilde
DA REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Qualquer restrição a uma pessoa ou um grupo pela sua cor é racismo. Essa é a opinião de antropólogos e historiadores ouvidos pela Folha sobre a afirmação da ministra Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial) de que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".

Para o antropólogo João Baptista Pereira Borges, professor da USP, "o negro não é obrigado a esquecer a escravidão", mas o racismo não pode ser justificado historicamente. Ele diz que a atitude da ministra é reprovável, pois "toda vez que alguém faz restrição a uma pessoa ou a um grupo é racismo".

A afirmação da ministra foi classificada como "lamentável" pelo historiador da UFRJ Manolo Florentino. "O mínimo que uma ministra que ocupa esse cargo deve saber é que não existem raças." O termo politicamente correto para se referir à cor é etnia, que leva em consideração o aspecto cultural, segundo Pereira Borges.

O historiador Boris Fausto falou em racismo às avessas: "Se insurgir contra alguém pela sua cor, seja ele preto, branco ou amarelo, é racismo." Já o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flavio Pansieri, viu desconhecimento da legislação: "Esperamos uma retratação formal da ministra sob o risco de voltarmos a aplicar a lei do talião em plena democracia". O sociólogo Simon Schwartzman disse que coisas terríveis podem ser consideradas naturais. "Uma coisa é considerar natural, outra é sancionar isso." Já o antropólogo Otávio Velho, da UFRJ, saiu em defesa da ministra. "Concordo plenamente. Ela faz uma análise de uma situação de opressão, é compreensível que isso ocorra. Acho absurdo colocar uma reação subjetiva negativa em relação a brancos como racismo."


"Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. (...) A reação de um negro de não querer conviver com um branco ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso"
MATILDE RIBEIRO
ministra da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Social, em entrevista à BBC Brasil
"[Esse tipo de comportamento ocorre] por uma questão de defesa, considerando que o racismo é um regime nefasto (...) Talvez eu tenha sido infeliz na formulação [das declarações]. O uso feito das [minhas] frases é exagerado"
IDEM
à noite, após a entrevista

O comentario do Correio, no sempre rico em informaçoes Blog Perolas, de Alvaro Caputo.

R$ 12,8 mil mensais de salário, R$ 50,8 mil de verba de gabinete, R$ 15 mil de verba indenizatória, R$ 3 mil de auxílio-moradia, R$ 4,2 mil para despesas com telefone e correspondências, de R$ 6 mil a R$ 16,5 mil de passagens aéreas, mais décimo-terceiro, décimo-quarto, décimo-quinto... E ELES AINDA ACHAM POUCO

- A lista de privilégios e mordomias é tão escandalosa e extensa - diante de um país com as escolas públicas, hospitais e a segurança quase falidos - , que o natural seria os deputados federais se reunirem para cortar parte das benesses que acumulam. Mas é justamente o contrário o que deve ocorrer hoje. Está tudo combinado, inclusive com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para que eles se concedam mais um mimo: aumentem o próprio salário de R$ 12,8 mil para R$ 16,2 mil - uma elevação equivalente à inflação acumulada dos últimos quatro anos. Ansioso para garantir o reajuste, o líder do PT, Luiz Sérgio (RJ), não esconde a pressa. "Temos que votar logo para fechar de vez a fábrica de besteirol", diz, referindo-se à possível repercussão negativa que o aumento possa ter nos meios de comunicação e na opinião pública
Correio



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COMENTÁRIO


A pressa do líder tem outras raízes. Fazendo a imoralidade pública andar mais rápido, logo a midia esquecerá tudo, e buscará outros fatos. E assim os deputados poderão entrar em aviões sem vaias, ir à praça pública sem receber os merecidos insultos, etc.

Além disso, agora em slow motion, os "éticos" de ontem cavam a sepultura do sistema representativo no Brasil.

Começo a suspeitar, com boas razões, que a prática dos privilégios nababescos é uma estratégia deliberada para fazer a população odiar o Congresso.

Quando o ódio popular atingir o nível do insuportável (estamos nas vésperas deste ponto), estarão fornecidas, para usar o jargão tosco do marxismo conhecido pelos ex-éticos, as "condições subjetivas" para o fim do sistema.

E, nenhuma surpresa, o "novo" sistema, como foi o caso do Estado Novo, terá a presença única do Executivo, que suportará o colegiado dos juristas "compreensivos" e a reunião de alguns "conselheiros da república", todos do extinto PT, e dos extintos aliados.

Por enquanto, a semeadura ditatorial apressa a esculhambação das arrogantes "Excelências", o santo assalto aos impostos para gozo e usufruto dos que deveriam ser funcionários do povo soberano.

Roberto Romano, numa quente e triste madrugada brasileira.




Assessores dos futuros conselheiros da república penetram no palácio, para render homenagem ao Benefactor.



Imagem da alma republicana da maioria esmagadora de nossos "representantes".

O post abaixo tem origem na coluna de Roberto Romano, publicada todas as quartas feiras no Correio Popular/Campinas

Intelectuais e mordaças voluntárias...

Intelectuais e mordaças voluntárias

ROBERTO ROMANO

Muitos intelectuais silenciam quando seu partido político chega ao poder. As violentas agressões aos direitos coletivos e individuais desaparecem para aquelas mentes que militam em favor de si mesmas e de seus grupos. Como resultado, muitos intelectuais recebem mordaças e seus nomes são cobertos pelo silêncio espesso das ditaduras em ato ou em potência. A regra vale para todos os regimes políticos da modernidade. A mitologia reza que os pesquisadores buscam a verdade sem dogmatismo. Triste engano. Quem vive entre os habitantes dos laboratórios e bibliotecas descobre a falácia. Não por acaso Hegel afirma ser o universo dos intelectuais um “reino animal do espírito”. Cada mestre afirma buscar o verdadeiro, o correto, o belo. Mas todos querem unir seus nomes aos saberes admitidos pelos colegas, políticos, jornalistas, populares. Na luta pela fama, que resulta em verbas, admissão nos gabinetes poderosos, servilismo dos pares menos favorecidos, urge esmagar os concorrentes. Como ninguém na intelectualidade chega ao controle do Estado ou das igrejas (quem realiza a façanha deixou de ser pesquisador antes de pisar nos palácios), a constelação dos cerebrinos, como afirma um comentador de Hegel, “é o reino dos ladrões roubados”. A fama decepciona, pois “o que falta aos intelectuais, para chegar ao poder não é prestígio, mas votos”. A frase de Gérard Lebrun demonstra lucidez enceguecedora.

Muitos, na corrida pelo domínio do verbo e das verbas, copiam trabalhos alheios e os apresentam como seus. Ou usam idéias de colegas e citam a fonte, malandramente, só na bibliografia geral do livro. Muitos se apropriam de métodos e técnicas inventados pelos pares. As malícias do zoológico espiritual são infindáveis e dolorosas. Cada “apropriação heterodoxa” atinge os prejudicados, que amanhã poderão prejudicar seus colegas. É apropriada, para descrever os intelectuais, a frase do sobrinho de Rameau (protótipo do acadêmico sem dinheiro, poder, talento ou disciplina) : “Parecemos alegres; mas no fundo temos péssimo humor e grande apetite. Lobos são menos esfaimados; tigres, menos cruéis. Devoramos como lobos quando a terra ficou muito tempo coberta de neve; estraçalhamos como tigres tudo o que é bem-sucedido”. Recordando Molière: “ninguém será inteligente, se não for tão tolo quanto nós”.

Um livro importante ostenta título sugestivo: Silenciando cientistas e acadêmicos em outros campos, ou Silencing scientists and scholars in other fields: power, paradigm controls, peer review, and scholarly communication. O autor é Gordon Moran (London, Ablex Publishing Corporation, 1998). Gordon narra as impressões recolhidas por ele quando, jovem bolsista, aceitava ser usado pelos velhos professores para preencher as cadeiras vazias nas palestras de mestres visitantes e nas recepções que vinham depois. A impressão causada no moço que iniciava a vida profissional era de certa polidez dos grandes intelectuais nos debates teóricos e metodológicos. Gordon manteve a certeza de que os grandes nomes acadêmicos são afáveis, ouvem e falam na hora certa, respeitam o “sentimento” (como se dizia no século 18 francês) dos oponentes.

Pobre Gordon! Mais tarde, ao trabalhar como crítico de pintura, foi conduzido a noções que contradiziam o ensino oficial. No Palazzo Publico de Siena há o retrato de Guido Riccio da Fogliano, atribuído a Simone Martini. Gordon aventou a hipótese de que o artista seria outro. Esperava polidez no debate e recebeu “insultos, censura, falsificações, todas dirigidas para silenciar a nova hipótese indesejada”. Evidente: a atribuição a Martini alimenta o turismo com os cartazes, pratos, cinzeiros, azulejos de banheiro, garrafas de vinho. Esse plano lucrativo une-se ao mercado dos cargos em museus, revistas acadêmicas, fundações. Daí o ódio trazido pela hipótese de Gordon. Na pesquisa científica e humanística as coisas também se passam deste modo: hipóteses novas são duramente recebidas e, não raro, silenciadas. (continua…)



Publicada em 28/3/2007

terça-feira, março 27, 2007

FORMAS DIVERSAS DE GOLPE DE ESTADO,ROBERTO ROMANO NO SEMINARIO DA UNAFISCO -CAMPINAS

22/MARÇO/2007




Abertura do painel “Autoridade e Poder”


PAINEL SOBRE AUTORIDADE E PODER.


Concentrar poder na Administração é caminhar rumo ao Estado absolutista



Retirar atribuições dos auditores-fiscais é, ao mesmo tempo, comprometer o interesse público e, por conseqüência, enfraquecer o Estado democrático de direito. Tal qual numa reação em cadeia esse processo tem potencial para promover, a partir de pequenas transformações, consideráveis danos – a ponto de se caracterizar como um golpe de Estado propriamente dito.

Longe de ser uma afirmação inadequada, essa relação direta de causa e efeito entre as atribuições do auditor e o fortalecimento do Estado foi minuciosamente detalhada pelos especialistas que participaram ontem (22/3), em Campinas (SP), do painel Autoridade e Poder – O Fortalecimento da Autoridade Funcional para a Defesa do Interesse Público.

Durante o debate, que ocorreu no segundo dia do seminário A Receita Federal e o Interesse Público, o professor titular de Filosofia da Unicamp, Roberto Romano da Silva, sentenciou: “O golpe de Estado se faz nas pequenas modificações da lei, se faz nas pequenas modificações da aplicação do direito e se faz na luta de poder daqueles que ocupam os cargos do Estado visando a destruir a relação entre o que paga imposto e a prestação dos impostos”.

Roberto Romano fez a afirmação com base no filósofo Gabriel Naudé, autor da obra “Considerações Políticas sobre o Golpe de Estado” (1639). Naudé defendeu que todo golpe é um conjunto de ações ousadas executadas pelos governantes contra o direito comum, sem respeitar a Justiça.

Concentração é golpe – Trazendo o discurso de Naudé para a atualidade, o que foi dito durante a palestra com base na filosofia guarda relação prática com as recorrentes investidas da administração em retirar atribuições dos auditores-fiscais e concentrá-las na Administração.

O professor da Unicamp procurou detalhar mais o assunto ao relacioná-lo com o golpe de Estado: “Sempre que se fala em golpe de Estado – sobretudo em países latino-americanos como o nosso, em que os golpes de estado anteriores foram sangrentos – nós dizemos quase que instintivamente que não há mais condições para aquilo que aconteceu no Chile, no Brasil, na Argentina e em todos os países sul-americanos. Não há, virgula! Isso é uma falta de entendimento do que é golpe de Estado”.

Para Romano, existe hoje uma crise mundial do Estado Democrático de Direito e, diante dela, é preciso encontrar meios de atuação no momento certo. Isso porque “uma das regras do golpe de estado é justamente que, quando ele aparece, ele já está feito, pois a medida já foi assumida e não há como resistir”.

O professor de Filosofia da Unicamp, último a falar no painel sobre Poder e Autoridade, fez uma síntese dos outros três palestrantes que lhe antecederam. Ele foi enfático ao afirmar que todos eles também descreveram um golpe de Estado, à medida que falaram da retirada de atribuição dos auditores-fiscais e, conseqüentemente, do enfraquecimento do Estado brasileiro. E foi mais além na sua exposição: “Ao dizer isso, estou sendo extremamente prudente, pois a situação é muito pior”.

Durante sua fala, Roberto Romano fez referência à palestra do auditor-fiscal aposentado Fernando Marsillac, que o antecedeu. Para Romano, Marsillac abordou o “núcleo” de toda a questão em debate. Qual seja: as relações pessoais de confiança que se travam dentro da administração, em desacordo com o princípio constitucional da impessoalidade.

Marsillac, ao falar desse assunto, estava se referindo ao caso específico do provimento dos cargos de chefia, que desconsidera os requisitos de competência, qualificação e histórico profissional para centrar-se no critério da confiança pessoal e do vínculo absoluto de obediência. “É um absurdo que o estágio político e jurídico do nosso país permita que a administração pública tenha isso como critério de provimento de cargos importantes de direção”, afirmou o AFRF.

O que parece ser fato isolado dentro da administração acaba por delimitar um traço característico de um tipo específico de Estado. Sobre o tema, o professor da Unicamp arrematou: “Quando se fala em termos de Estado, de segredo, de definição de relação pessoal com o governante e com o dirigente, temos a definição mesma do Estado absolutista”.

Competências dos AFRF– A procuradora da República no Distrito Federal, Valquíria Quixadá Nunes, outra palestrante da mesa, foi detalhista ao fazer, durante sua exposição, todo um histórico legal das atribuições dos auditores-fiscais da Receita Federal.

Ela lembrou bem que, tanto o Código Tributário Nacional (CTN) como a legislação que instituiu o Procedimento Administrativo Fiscal – PAF ( Lei 5.702/66 e Decreto 70.235/72) , sempre destacaram o AFRF como autoridade administrativa com competência final para constituir o crédito tributário pelo lançamento.

No decorrer do tempo, essa definição de autoridade administrativa, segundo a procuradora, foi sendo alvo de várias tentativas de redefinição. Uma delas foi a criação do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) como instrumento da administração da Secretaria da Receita Federal (SRF) para determinar ao auditor a execução de uma fiscalização.

Depois dele, veio a portaria da SRF (Portaria nº 6.087/2005) que, sob a justificativa de “Dispor sobre o planejamento das atividades fiscais e estabelecer normas para a execução de procedimentos fiscais”, estabeleceu cinco espécies de MPF.

Valquíria Nunes explicou que a normatização do MPF buscou inspiração na chamada “ficha multifuncional, mas, na verdade, serviu para incluir novas regras e terminologias na legislação. Tais como: “Os procedimentos fiscais relativos a tributos e contribuições administrados pela SRF serão executados em nome desta, pelos AFRFs e instaurados mediante MPF”.

Para a promotora, “o que se constata na prática, pela nova normatização, é a saída da competência do AFRF para o administrador da Receita hierarquicamente superior a ele”. Mais adiante, completou: “Como se vê, o auditor perdeu sua autonomia de sobremaneira. A competência saiu da autoridade para a repartição, que por sua vez é controlada pelo administrador maior do órgão e seus delegados – cargos de confiança”.

Emenda 3 – Outro palestrante da mesa – o auditor-fiscal Luiz Tadeu Matosinho Machado – citou a Emenda 3 para ilustrar de forma clara e atual o que significa essa retirada de atribuição dos AFRFs. A Emenda 3, vetada pelo presidente Lula no projeto da fusão dos Fiscos, impedia o auditor de desconsiderar pessoa, ato ou negócio jurídico, abrindo caminho, dentre outras coisas, para o acobertamento de atos ilícitos e o uso dos chamados “laranjas”. Pela proposta, essa atribuição caberia apenas à Justiça.

Ao vetar a emenda, o governo anunciou que iria enviar projeto de lei ao Congresso para regulamentar a questão. O problema é que o projeto apresentado busca modificar o CTN que confere autoridade administrativa ao auditor-fiscal. O agravante é que, agora, a tentativa de retirar atribuições dos AFRF sobe um degrau e se dará por lei e não mais por portarias ou decretos. A autoridade administrativa, caso aprovada a proposta, estará definitivamente nas mãos dos cargos de confiança.

“Esse projeto de lei talvez seja o fato mais grave que tivemos nos últimos anos dessa administração. Eles conseguiram colocar na mesa o que queriam: tirar a autoridade do auditor-fiscal”, advertiu Matosinho.

segunda-feira, março 26, 2007

Delegado que furou fila e prendeu quem reclamou terá que pagar R$ 15 mil

O delegado Sindônis Souza da Cruz terá que ressarcir aos cofres públicos R$ 15 mil. O valor é referente à indenização que o Estado do Maranhão terá que pagar a um aposentado que foi preso por Cruz por se queixar que o delegado tinha “furado” a fila do banco. A decisão é da 2ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que, por unanimidade, negou provimento ao recurso do funcionário público e manteve a condenação imposta anteriormente. Da decisão cabe recurso.

Segundo a assessoria do STJ, no dia 8 de maio de 2000, o aposentado Euvaldo Bezerra Matoso reclamou que o delegado foi atendido na agência bancária em que estavam sem ter pego a senha e esperado na fila, como todas as outras pessoas. Após a manifestação, o delegado Cruz deu ordem de prisão ao aposentado, sob a acusação de “desacato”. Matoso foi forçado a manter-se sentado até que, preso, foi levado à delegacia, onde foi lavrado auto de prisão em flagrante.

De acordo com o aposentado, para ser posto em liberdade, precisou pagar fiança. Matoso ingressou na Justiça contra o Estado do Maranhão alegando que o ocorrido lhe causou danos morais. Em primeira instância, o Estado foi condenado a pagar uma indenização de R$ 9.600. O juiz também acolheu o pedido do Estado para que o delegado fosse condenado a ressarcir o valor aos cofres públicos.

Recursos
Os três envolvidos recorreram da decisão. Matoso buscou o aumento da condenação. O Estado recorreu na tentativa de reverter a condenação, alegando que o delegado não se estava no exercício de suas funções quando ocorreu o fato, não se podendo aplicar, portanto, a responsabilidade objetiva do Estado. O delegado Cruz sustentou que a prisão do aposentado foi provocada unicamente por este, que “infringiu legislação penal”, utilizando-se de palavras grosseiras e desrespeitando uma “autoridade policial que se encontrava em exercício de um cargo público.”

O TJ-MA (Tribunal de Justiça do Maranhão) deu provimento à apelação do aposentado, aumentando o valor da indenização por danos morais para R$ 15 mil. Os demais recursos foram julgados improcedentes. Para os desembargadores, o delegado agiu como agente público ao “mobilizar o aparato estatal e efetivar a ilegal prisão” do aposentado. Para os magistrados, em razão do abuso de autoridade, cabe o ressarcimento do Estado por Cruz. O delegado, então, recorreu ao STJ.

Para a relatora do processo no tribunal superior, ministra Eliana Calmon, ficou suficientemente claro que o TJ-MA “partiu da premissa” de que o delegado agiu com dolo e abuso de poder ao prender ilegalmente o aposentado. Para a ministra, o fato justifica o direito de regresso do Estado. Os demais ministros acompanharam o voto da relatora para manter a condenação imposta.

Segunda-feira, 26 de março de 2007- Ultima Instância.

Comentário:

Quando baixaram o AI-5, Pedro Alexo reclamou da medida truculenta. Os bajuladores e truculentos de sempre disseram: "o presidente Costa e Silva nunca abusará do Ato". Replica de Pedro Aleixo: "o presidente, não. Mas e o guarda da esquina?". A violência tirânica que ordena o Estado e a sociedade brasileira fazem de cada indivíduo um tirano em ato ou em potência. Se ele ostenta um título de funcionário estatal, pior ainda. É o caso das "autoridades", as Excelências de todos os setores, Executivo, Legislativo, Judiciário. Muitos delegados de polícia, juízes, etc. dão carteiradas em filas, em hospitais, etc. Eles se imaginam um Xerxes em movimento. e exigem respeito senão, cadeia! Um país assim não é república democrática. Mas a violência só fica intacta porque existem covardes que aceitam ou se curvam diante da força das "autoridades". Poucos fazem como a pessoa em questão, que levou a briga pelo respeito até os tribunais. Agora vem a teratologia, fonte da impunidade: "cabe recurso". Não deveria caber não! em país onde um ministro dos transportes, na carona de vistoso carro, testemunha seu filho atropelar e matar um pobre transeunte (e transeunte pobre...), deveria ir para a cadeia. Mas o ministro, que fugiu com o filho sem prestar socorro à vítima, recebeu a solidariedade das Excelências que andam pelas ruas de Brasilia a mais de cem por hora. Outro ministro dos transportes estaciona sua caminhonete sobre a calçada. É multado mas o guarda que aplicou a multa é punido. Mas que fazer numa terra em que existe foro privilegiado de políticos, e estes mesmos polítcos são eleitos, re-eleitos, etc? Algo está mais do que podre no reino brasileiro. E como fede!

Violência,a via crucis brasileira, Jornal da Unicamp de 26 de março 8 de abril de 2007



A escalada da violência no país é analisada pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e pelo filósofo Roberto Romano. Ambos opinam sobre o papel do Estado, da elite, dos políticos e dos cidadãos nesse contexto e avaliam em que medida o fenômeno se institucionalizou.

353 - 26 de março a 8 de abril de 2007

A cidadania acuada

ÁLVARO KASSAB
EUSTÁQUIO GOMES

A escalada da violência no país é analisada, nesta e nas duas próximas páginas, pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e pelo filósofo Roberto Romano. Ambos opinam sobre o papel do Estado, da elite, dos políticos e dos cidadãos nesse contexto, avaliam em que medida o fenômeno se institucionalizou, identificam as raízes do problema e falam sobre temas polêmicos – entre os quais a redução da maioridade penal – que emergiram sob a comoção provocada por casos recentes.

Jornal da Unicamp – As últimas três décadas assistiram não só à escalada da violência no país como também seu aprofundamento, capilarização, organização e institucionalização. Em que pesem soluções paliativas, a situação só tem se agravado. Qual a responsabilidade do Estado nesse estado de coisas? Trata-se de anomia, omissão, impotência, falta de vontade política ou tudo isso junto?

Luiz Eduardo Soares – A resposta exigiria uma tese de doutorado. Portanto, desde logo conto com a indulgência dos leitores ante a inevitável indigência da simplificação: a pergunta se refere à violência, o que nos remete a um universo quase ilimitado de relações, fenômenos e condições. Desigualdades sociais, de gênero, discriminações, racismo, intolerância, homofobia, as iniqüidades brasileiras são inúmeras e se manifestam nos mais distintos campos. A Constituição federal não é cumprida. A legislação infra-constitucional, tampouco. Em parte, isso bastaria para resumir nossos dilemas.

Comecemos por identificar as responsabilidades do Estado. A Lei de Execuções Penais (LEP) não é cumprida: o cárcere é o inferno. O Estatuto da Criança e do Adolescente tampouco se cumpre, com rigor (e já o Congresso se movimenta para alterá-lo, antes que se o aplique, até para que seja, efetivamente, avaliado): as entidades socioeducativas são simulacros do cárcere, sucursais do inferno. As polícias, via de regra (guardadas as variações estaduais) não valorizam seus profissionais, por um lado, nem os cidadãos, destinatários, afinal, da segurança que lhes compete prover – quando esses cidadãos são pobres, negros ou vivem em favelas e periferias.

A desigualdade no acesso à Justiça é uma ferida arreganhada com despudor ante nossos olhos – porém, nos aquietamos, anestesiados. Começa na abordagem policial (em que o filtro de classe e cor refrata a universalidade da lei e impõe seu crivo seletivo na contramão da eqüidade) e se conclui no cumprimento da sentença, passando pelas mediações judiciais em cujos meandros esta se constrói. Metade dos Estados brasileiros não conta sequer com Defensorias Públicas, as quais, quando existem, ainda não gozam das mesmas prerrogativas e condições de trabalho do Ministério Público. Pequenos ladrões de galinha se amontoam em galpões insalubres, enquanto criminosos confessos ostentam a liberdade polida à lupa delicadíssima e regiamente paga de exímios peritos em ourivesaria jurídico-formal.

A corrupção policial, de um modo geral, tem se mostrado extraordinariamente elevada, a ponto de que se radique e espraie, no país, o “crime organizado” –aquele que se caracteriza pela apropriação de instituições públicas e seus mecanismos, em benefício de interesses subalternos, privados e ilegais. A ineficiência é a contrapartida natural da corrupção, como o é a brutalidade, sobretudo letal, que alcançou patamares dantescos no Brasil. Nesse capítulo, o Rio de Janeiro constitui o caso mais grave: mais de mil pessoas são mortas todos os anos em ações policiais. O número de execuções corresponde a cerca de 65% desses casos. Também é no Rio onde mais morrem policiais. Cerca de 35, em média, por ano, em serviço, e o dobro, na folga.

Claro que a violência policial tem foco e endereço, não se distribui aleatoriamente ou “democraticamente”. Seus alvos são os jovens negros e pobres, do sexo masculino. Os mesmos que estão sobre-representados nas estatísticas da vitimização por homicídio doloso, em todo o país, ou nos censos penitenciários. Os mesmo que têm sido apanhados na malha da criminalização promovida por nossa política de drogas.

Paralelamente, estamos diante de uma criminalidade violenta crescentemente audaciosa e cruel. São cerca de 45 mil homicídios intencionais, no Brasil, todos os anos (27 por 100 mil habitantes). Os números relativos a outros tipos de crimes relevantes também são alarmantes. E há os crimes de colarinho branco, realimentados pela impunidade –e pelo viés já assinalado de nossa política criminal e de nosso sistema penal.

Como chegamos a esse quadro? Combinando a capacidade ilimitada de conciliação de nossas elites políticas com as estruturas que herdamos de nossa história autoritária – eis as marcas do que outrora denominamos desenvolvimento autoritário do capitalismo. Construímos, assim, esta democracia e esta Justiça, que representam avanços históricos notáveis, mas convivem com o caroço amargo de nosso patrimonialismo estamental hierárquico e discriminador.

Se os filhos da classe média freqüentassem prisões, entidades socioeducativas, fossem abordados com tiros de fuzil na nuca e pagassem o preço da hipocrisia e da irracionalidade de nossa política de drogas, já teríamos passado a limpo esses absurdos repulsivos e trágicos.

Roberto Romano – Não existe sociedade sem violência. Basta recordar a Bíblia, a Ilíada, Macbeth. Na Idade Média, as periferias urbanas tornaram-se perigosas devido à massa dos expulsos pelos violentos novos donos das terras. Deve-se lembrar o número terrível dos mortos aos milhões, na primeira e segunda guerras mundiais, os destruídos no Vietnã, os que sucumbiram às torturas nos golpes ditatoriais da África e Américas e tantos outros. Não esquecer os campos de concentração como fruto do terror cujo nome é Razão de Estado. A violência segue o homem do parto à morte. A religião, a cultura, o Estado procuram administrá-la. Mas não raro o mesmo Estado canaliza as forças infernais que latejam no sujeito humano e as usa em guerras, invasões etc. É preciso detectar os vários tipos de violência, para não absolver as mais graves com a exacerbação das menos amplas e profundas. Sim, qualquer assassinato é tremendo, porque mostra a voragem do vazio que suga todos os vivos.

Elias Canetti analisa, com frieza extrema, o alívio que experimentamos com a sobrevivência quando, em posição ereta, vemos um cadáver. Ele conecta os nossos sentimentos, naquela hora, com a gênese do poder. Mas uma coisa é a morte de milhares, causadas por bandidos que ainda não se apossaram do Estado. Outra, quando bandidos assumem o poder, com o direito de matar milhões. Um elemento que potencia o banditismo é a ideologia. Preocupa a retórica ensaiada por algumas quadrilhas paulistas recentes, que se apropriaram do jargão guerrilheiro. A síntese de ideologia e banditismo traz resultados piores do que os atos do chamado “crime comum”.

A violência pode ser atenuada, jamais extinta. Algumas formações sociais administram as lutas em seu interior. Mas nelas a violência usa a máscara dos bons modos. Depois que os indivíduos aderiram ao Estado, diz Hobbes, sendo-lhe vetado usar as garras ou facas, empregam a língua. No De cive se recomenda que todos procurem ser os últimos a sair das festas: a cada novo convidado que deixa a sala, línguas estraçalham sua reputação. A violência torna-se menos visível com a repressão estatal, mas não deixa de ser letífera. Sociedades que enfraqueceram a violência física podem retroceder, retornar à selvageria. . A educadíssima Alemanha, após se livrar parcialmente da truculência usada pelos nobres, instaurou formas bestiais na matança de pessoas por pessoas, de pessoas pelo governo.

Stephen Mesnnell, um estudioso da violência, afirma que “os comportamentos civilizados empregam tempo para se construir, mas dependem da manutenção de um alto grau de autocontrole, e podem ser destruídos rapidamente”. O mesmo pesquisador alerta: pensar que a lei e a ordem se deterioram em nossos dias e cresce o perigo cotidiano, pode ser grave erro. Na Inglaterra, por exemplo, durante séculos, as gerações expressaram os mesmos medos da violência, declínio moral, destruição dos valores tradicionais.

No caso brasileiro, os dados sobre o aumento ou a diminuição da violência devem ser vistos em sincronia com outros, relativos ao crescimento da população urbana, aos fluxos migratórios, à complexificação da economia, às variações de emprego e de serviços essenciais, à concentração urbana, às mudanças culturais como na religião etc. Em especial, deve ser considerado o movimento comercial de país a país, o uso deste movimento para o contrabando de armas, de estupefacientes etc. Sem tais elementos, e outros, perde-se o equilíbrio no juízo ético. Daí, o fenômeno a que se chama genericamente de “violência” assume a amplitude aterradora de insuportável desmesura. Penso que este rol de questões subsumidas numa só palavra alerta contra a rapidez irresponsável da propaganda, dos slogans, das soluções mágicas, dos vieses ideológicos.

É preciso determinar a natureza dos crimes e as condições em que eles se efetivam. Por semelhante motivo, são relevantes pesquisas como as de Alba Zaluar, cujos dados sobre o comércio das drogas podem servir para a educação, a repressão, a prevenção policial ou judiciária. Zaluar indica com rigor lógico e empírico de quem se fala, quando se fala, onde se fala, ao se enunciar coisas sobre o emprego de jovens no comércio em pauta.

Com o aumento da população urbana, desprovida dos mínimos vitais e mesmo ecológicos, aumenta o exército de reserva, farta mão-de-obra juvenil para os traficantes. Estes, por sua vez, vendem mercadorias cuja origem está nos setores que “servem” o mercado mundial. Tanto o conhecimento do que se passa no país, quanto o controle das fronteiras, são estratégicos para a ação policial e judicial, se o alvo é coibir aquele mercado. Mas no governo brasileiro existem dogmas orçamentários, impostos politicamente. E aqueles dogmas rezam que a prioridade é o superávit primário, a satisfação dos especuladores financeiros etc. Recursos são extraídos da polícia. Eles serviriam à formação técnica de quadros, o aparelhamento científico etc. Com os cortes, enfraquecem os controles internos e externos. E vai por aí.

JU – Em sua opinião, onde estão as raízes do problema atual?

Luiz Eduardo Soares – Em parte, me antecipei, no final da resposta anterior. Aproveito, então, para mencionar outro fator: a inépcia dos liberais democráticos e das esquerdas para valorizar essas questões e enfrentá-las, com políticas públicas alternativas – elas existem, já foram amplamente expostas, em seminários, livros, entrevistas e planos governamentais, mas nunca mereceram apoio político substantivo para sua implementação consistente e continuada, enquanto política de Estado, não de governo, superior, portanto, a disputas partidárias e slogans ideológicos. Trata-se de tragédia nacional a exigir a mobilização e a união amplíssima, formando a coalizão necessária para a aplicação de um plano profundo de reformas.

Quanto aos conservadores, continuam surfando, demagogicamente, na indignação popular, contribuindo, entretanto, para a reprodução do problema. Ainda não compreenderam que sua visão estreita, unilateralmente repressiva, punitiva, não tem sido capaz de criar soluções. Pelo contrário, polícias brutais e um sistema penal míope, de cabeça inclinada, seletivamente impotente, gera benefícios a curto prazo, mas coloca em risco todo um processo civilizador, que também lhes deveria interessar, afinal de contas. Com o naufrágio na barbárie, todos perdemos. Insisto, todos. Essa história de que a barbárie interessa a alguns me parece inteiramente indefensável.

Aliás, essa esdrúxula tese paranóica faz parte do repertório de equívocos da esquerda mais estreita e sectária, segundo a qual o neoliberalismo tudo explica. A fórmula prêt-à-porter do momento, de novo, acaba afastando setores importantes do movimento social e do espectro político de uma participação mais positiva na construção de alternativas. Refiro-me àquela simplória equação: Estado-mínimo, desemprego em massa, potencial disruptivo inflacionado, escalada do encarceramento, contenção política via política penal. Se a sociedade fosse essa engrenagem funcional, armada pelo jogo banal de causa-efeito, e assim tão translúcida em sua racionalidade linear, tudo seria muito mais fácil.

Roberto Romano – Para o cristianismo a raiz reside no pecado original. Mas existem outras origens no mundo histórico. Para o Brasil, Alba Zaluar indica a gênese destes males na política repressiva dos positivistas jacobinos, adeptos da virtude, como uma das fontes do excessivo ajuntamento de indivíduos na prisão, fossem as acusações contra eles de crime ou delito, ou apenas porque não tinham emprego. A política repressiva assumiu preponderância, no mesmo passo em que as empresas não davam conta de absorver a gente jovem. Tentativas de mudar isto foram feitas também por positivistas, com a prática de educação técnica para as massas.

No governo Vargas, bastante inspirado no positivismo, com ajuda de várias correntes não-positivistas, foi instaurado o sistema “S”. Mas este sistema, hoje, não dá conta da população que dele necessita. A ditadura militar tem sua parcela de responsabilidade. Até 1965, o ensino de segundo grau brasileiro estava entre os melhores da América do Sul. Com a política deliberada de implodir as escolas públicas em favor das particulares, arruinou-se a máquina do ensino oficial. Aumentando os candidatos à mesma rede pública, e com meios arrasados, o desastre é o que vemos.

Em Mimesis, Erich Auerbach critica, na indicação das causas, a técnica propagandística “que consiste em iluminar excessivamente uma pequena parte de um grande e complexo contexto, deixando na escuridão todo o restante que puder explicar e ordenar aquela parte, e que talvez serviria de contrapeso daquilo que é salientado; de tal forma diz-se aparentemente a verdade, pois que o dito é indiscutível, mas tudo não deixa de ser falsificado, pois que, da verdade faz parte toda a verdade, assim como a correta ligação das suas partes. O público sempre volta a cair nestes truques, sobretudo em tempos de inquietação, e todos conhecemos bastantes exemplos disto, do nosso passado mais imediato. Contudo, o truque é, na maior parte dos casos, fácil de ser descoberto; mas falta ao povo ou ao público, em tempos de tensão, a vontade séria de fazê-lo; quando uma forma de vida ou um grupo humano cumpriu o seu tempo ou perdeu prestígio e tolerância, toda injustiça que a propaganda comete contra eles é recebida, apesar de se ter uma semi-consciência do seu caráter de injustiça, com alegria sádica”.

Auerbach indica, nessas frases, a perseguição nazista aos judeus, ciganos, homossexuais, apontados como perigo que ameaçaria os honestos e “superiores” arianos. A propaganda isola aspectos efetivos e não os conecta ao todo a que pertencem.

'A centralização política corrompe
a teoria e a prática federativas'
JU - Fala-se que a violência gerou estados dentro do Estado, com leis próprias e uma dissociação crescente da sociedade civil. Até que ponto essa situação afeta o conceito de nação e de identidade nacional?

Luiz Eduardo Soares – Estou convencido de que o medo, de um lado (note-se que segurança é estabilização de expectativas positivas), e a desigualdade no acesso à Justiça (em seu sentido amplo, que envolve a abordagem policial etc, conforme já assinalado), de outro, interpelam e abalam experiências de coesão e identificação, ainda que dinâmicas gregárias continuem em curso e até se fortaleçam, na exata medida que a sociabilidade regida pela institucionalidade política entre em pré-colapso. Portanto, nada de alarmismos. Basta observarmos o vigor – e o fervor – religioso, na sociedade brasileira.

Roberto Romano – Se o Estado tem pelo menos três monopólios públicos, é para impor a soberania a todos os cidadãos. Como os fazendeiros desafiam a soberania – alguém tem notícia dos que mandaram matar os fiscais do trabalho em Unaí? –, o mesmo fazem poderosos em termos econômicos, que sequer acertam suas obrigações com o fisco etc. Existem verdadeiros exércitos de segurança privada, pagos pela classe média e rica, em detrimento da polícia oficial. E muitos policiais fazem o “bico” naqueles contingentes, porque os salários pagos na sua corporação atingem o nível da miséria. Tudo ocorre com as vistas grossas, cúmplices, dos políticos. Se a soberania é “relativizada” pelos que mandam no dinheiro e no poder, não surpreende que ela também o seja pelos pobres reunidos em quadrilhas – que, não raro, servem a interesses de muita gente fina que desfila nas colunas sociais. Se políticos responsáveis por cidades e Estados brincam com bicheiros e narcotraficantes no Carnaval, em palanques pagos pelos contraventores, como falar em respeito à soberania do governo?

Visto que o Estado, segundo Max Weber, é “uma organização que reivindica com sucesso um direito de fazer a lei num território, por força do controle do monopólio do uso da violência física legítima”, ele deve responder pelas situações em que a violência ilegítima se apresenta. Além do monopólio referido, o Estado possui pelo menos dois outros: o da norma jurídica e o que permite extrair impostos. Se os dirigentes, nas três faces estatais, não debelam o crime, não punem com eficácia, não usam bem os impostos, eles devem responder por isso.

Mas, no Brasil, os timoneiros do Estado raramente são responsabilizados, apesar do que diz a Constituição. O corporativismo do Legislativo absolve os legisladores improbos e indecorosos, falta eficácia no Judiciário e surgem os sinais precursores de venalidade praticada por alguns juízes, e o Executivo optou pelas finanças em detrimento das políticas públicas. Em troca, a propaganda exige medidas draconianas contra “os bandidos”, “os monstros”. Quem adere a tais slogans esquece sua própria natureza humana, misto de ferocidade, desejo e força.

A propaganda vende a mentira de que existe um lado só, onde se reúnem cidadãos honestos e, de outro, apenas feras. No setor “honesto”, no entanto, muitos crimes são praticados. Notar este fato, prudencialmente, evitaria o privilégio, a impunidade, apanágio de poderosos e ricos, sobre os quais o holofote da mídia permanece tempo mínimo, se comparado ao gasto na exposição de transgressores pobres. Um jornalista importante mata sua namorada em plena luz do dia. A imprensa traz a noticia e depois cai o silêncio. O criminoso confesso é condenado e não é preso. Não se nota o escarcéu produzido quando alguém, desimportante para as colunas sociais e políticas, comete um assassinato.

JU – Há também quem coloque a violência brasileira no patamar de uma guerra civil, com a agravante de que os motivos não são ideológicos ou étnicos e os alvos são arbitrários. O que o sr. pensa disso?

Luiz Eduardo Soares – Os dados relativos à letalidade violenta intencional permitiriam essa analogia, mas ela é muito perigosa e eu prefiro evitá-la. Ela acabaria por justificar políticas de segurança pública irresponsáveis, criminosas, que definem favelas como territórios inimigos e seus habitantes como inimigos a serem enfrentados em incursões bélicas – ou como vítimas indiretas “naturais” de confrontos. Além do mais, não concebo uma guerra civil sem bandeiras e projetos de poder.

Roberto Romano – Existe uma guerra, antiga e trazida pelos colonizadores que exterminaram índios; antiga e violenta como a escravização dos negros; velha como o uso dos jagunços para intimidar e matar quem se levantasse contra os coronéis e fazendeiros etc. Como anda o processo da freira Dorothy Stang, uma entre milhares de pessoas assassinadas por encomenda de fazendeiros? Civil? Não sei. Mas insisto: os dados sobre a mortandade que resulta de assaltos, seqüestros, comércio de drogas, devem ser analisados em sincronia com os que indicam outras violências. Mata-se mais no trânsito brasileiro do que em muitas guerras. Todos conhecemos gente que fala de boca cheia contra os bandidos, mas desobedece o sinal vermelho, atropela e mata com frieza. E nunca vai para a cadeia. Falar em violência sem tocar nestes pontos é exercício inane ou técnica de pescar em águas turvas. O Brasil é a terra onde mais se repete o fato vivido pelo cínico Diógenes, citado pelo Padre Vieira em Sermão do Bom Ladrão: “Não são só ladrões (…) os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? De um, chamado Seronato, disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar (…): Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. — Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só”.

Quando vemos no Parlamento demagogos que deblateram contra “o crime” e redigem leis severas contra o roubo, é bom recordar Diógenes e Vieira. O foro privilegiado é prova cabal de uso das prerrogativas políticas como passaporte para delinqüir. Deste modo, os projetos oriundos da pura demagogia são negados pela prática costumeira da impunidade, no próprio âmbito do Congresso Nacional.

JU – A última campanha eleitoral para presidente da República tratou muito superficialmente o tema da segurança pública, para não dizer que o evitou. Como explicar essa indiferença?

Luiz Eduardo Soares – É realmente incrível, mas já não nos deve surpreender. A esquerda nunca reconheceu a legitimidade do tema e sempre pensou a violência criminal como epifenômeno das macro-estruturas sócio-econômicas; nunca reconheceu a necessidade de políticas de segurança específicas; apenas valoriza políticas estruturais, voltadas para as verdadeiras e permanentes causas dos problemas, ignorando que há políticas preventivas locais e focadas, capazes de produzir efeitos imediatos. Além do mais, a esquerda não gosta da polícia, porque a identifica com a repressão de classe e não a percebe como instituição fundamental para a democracia, para a qual é preciso propor uma política, no sentido nobre da palavra. A direita, com sua soberba, sempre acreditou conhecer as soluções – que estão sendo aplicadas, aliás, desde sempre, com raras exceções, com os resultados que se vêem. Quando falha, a direita propõe mais do mesmo. É notável!

Roberto Romano – A última campanha presidencial tratou todos os assuntos segundo a propaganda. Nenhuma política pública foi debatida a sério pelos candidatos. A segurança não foi exceção.

JU – Além da ausência de propostas concretas – normalmente restritas aos períodos eleitorais, com suas pirotecnias imagéticas e acessos verborrágicos –, as esferas municipal, estadual e federal jogam uma sobre as outras o ônus da ineficiência. Que análise o senhor faz dessa prática?

Luiz Eduardo Soares – Todos têm e não têm razão. O problema está em nossa Constituição, quando nos impede mudanças profundas no sistema de segurança e nas polícias. Precisaríamos implodir o artigo 144 para criarmos o Susp (Sistema Único de Segurança Pública); liberarmos os Estados para criarem novas polícias, inteiramente diferentes, organizadas de outro modo, e fecharem as atuais polícias, se lhes parecer adequado, respeitando os direitos trabalhistas dos policiais e os reaproveitando, claro.

Bastaria uma legislação infraconstitucional para regular o Susp – impondo exigências mínimas às polícias, as atuais ou aquelas por serem criadas, de qualidade, eficiência, legalismo e valorização profissional, com transparência e participação da sociedade, metas e avaliações, sob condições que propiciem uma gestão racional. E seria suficiente retirar do artigo 144 a definição uniforme do modelo policial. Com isso, estaria transferida para os Estados a autoridade para mudar – se desejarem fazê-lo. Além disso, teríamos de adotar uma Lei de Responsabilidade Social, ou socioeducativa e penal, para obrigar os governadores a cumprirem a LEP e o ECA.

A União teria de assumir responsabilidades na organização do Susp e o município se tornaria protagonista importante no sistema, atuando sobretudo na prevenção.

Roberto Romano – É o fruto da centralização política. No Brasil, isto corrompe a teoria e a prática federativas. Como tudo é acaparado pelo poder central e, dentro dele, pelo Executivo, os Estados e municípios não têm autonomia para empreender políticas públicas próprias à sua realidade. Na segurança, a federação norte-americana admite margens de autonomia insuspeitadas entre nós. O prefeito tem a polícia sob seu comando, com normas próprias, sem depender para tudo de Washington. Aqui, o alfa e o ômega residem no Palácio do Planalto. Em situações de crise, como a do PCC em São Paulo, mostra-se a fraqueza jurídica e policial da centralização excessiva.

Os demagogos, na falta de autonomia dos poderes municipais e estaduais, em suas falas nos legislativos, separam indivíduos e grupos e os expõem à execração, sem observar leis, direitos etc. Eles falam em “monstros” da Febem, mas calam sobre as condições em que o Estado submete os menores, nada enunciam sobre pesquisas que mostram os abusos contra mulheres, meninos a meninas no “santuário” do lar, silenciam sobre a falência dos sistemas educacionais, calam sobre as moradias onde se amontoam seres humanos como se fossem lixo, ignoram as condições de transporte coletivos e, sobretudo, escondem a ação truculenta de grupos corruptos e selvagens das polícias.

De vez em quando, como no caso da Favela Naval, por obra de amadores, o espetáculo da violência cometida oficialmente vem aos olhos do público. Demagogos da mídia usam aquelas imagens por um dia para melhorar o Ibope. Depois as jogam no arquivo. Todos clamam por leis severas contra os criminosos. Poucos recordam que a própria lei, como diz Diógenes o filósofo, é uma teia de aranha que prende os fracos, mas não segura os fortes e poderosos.

JU – O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, feito pela Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e a Cultura (OEI), põe cidades do chamado Brasil profundo no topo da barbárie, ao mesmo tempo em que joga ao pé do ranking regiões metropolitanas cujas populações vivem sobressaltadas. Essa leitura foi mal-interpretada ou está mesmo havendo um deslocamento dos focos de criminalidade? Dá para diferençar grilagem de terras, exploração ilegal de madeira, garimpo e contrabando – modalidades mais presentes no campo –, de seqüestro-relâmpago, furto, assaltos e latrocínios, que são ocorrências típicas da área urbana?

Luiz Eduardo Soares – Observe que esses dados não apontam queda da criminalidade nas grandes cidades. Mas, sim, apontam para a triste novidade, que é a nacionalização do problema, em sua diversidade. As razões são as mais diversas, mas o que se constata nessa pesquisa não surpreende. Eu tenho chamado a atenção há muitos anos – e não só eu, muitos colegas que pesquisam essas questões – para o fenômeno da nacionalização. O que está explodindo em cada região? Varia. Só estudos específicos nos dirão. Hipóteses há várias. De todo modo, tomemos cuidado. Numa cidade com 12 mil habitantes, um homicídio corresponde a mil homicídios na cidade de São Paulo. Se houver mil homicídios, em São Paulo, em um ano, e 1001, no ano seguinte, a variação não será sequer identificada. Mas se esse único homicídio, na cidade de 12 mil habitantes, for sucedido por dois homicídios, no ano seguinte, a estatística dirá que houve um crescimento de 100%. O que será verdade, mas não significará que a cidade vive uma situação mais grave do que São Paulo. Os números absolutos não devem ser esquecidos nas avaliações.

Roberto Romano – Minha resposta é negativa. É preciso tipificar cada ponto, caso oposto cai-se na inatividade e no desespero social, como está ocorrendo no Brasil.


7

'É preciso se libertar do jogo entre reatividade e voluntarismo'
JU – A recente polêmica em torno da violência social brasileira, na qual o filósofo Renato Janine Ribeiro foi acusado de abandonar o cânone do politicamente correto, é um sintoma de que os intelectuais começam a guindar o assunto ao primeiro plano? Como o sr. analisa esse debate?

Luiz Eduardo Soares – Acho que o professor Renato Janine foi profundamente infeliz, mas não creio que esteja havendo um movimento em uma nova direção negativa, contrária aos direitos humanos. O que me parece é que o tema está chegando à agenda pública, finalmente, e aqueles que nunca se devotaram a estudá-lo, mesmo sendo intelectuais qualificados, tendem a pensá-lo como o faz o senso comum, o que é compreensível, ainda que, eu espero, talvez seja apenas o primeiro momento de um despertar para a gravidade das questões. Interessados pelo assunto, talvez os intelectuais se disponham a ler o que já se acumulou na matéria e logo descobrirão que caminhos racionais existem, desde que o problema seja armado com alguma sofisticação.

Roberto Romano – Peço desculpa, mas prefiro não responder a esta pergunta.

JU – Reduzir a maioridade penal é uma solução?

Luiz Eduardo Soares – Começo perguntando ao leitor, à leitora: você está satisfeito com o funcionamento de nosso sistema penitenciário, esse que tem atendido aos maiores de 18 anos e que muitos querem ver atendendo também aos menores de 18? Você acha que a aplicação das penas privativas de liberdade aos maiores de 18 os está impedindo de praticar crimes? Nossas prisões estão inibindo, prevenindo ou contendo a criminalidade? Estariam reeducando ou ressocializando os apenados? Como sabemos, as penas distribuídas pela Justiça não têm o propósito de vingar o mal feito, impondo ao malfeitor sofrimento equivalente àquele que ele infligiu à vítima. Por isso, não pergunto se alguém se sente saciado ao visitar nossas prisões e constatar a que extremos a vendetta foi conduzida.

Mas as perguntas não param aí. Gostaria de saber se alguém considera que o Estatuto da Criança e do Adolescente vem sendo aplicado, consistentemente? As normas que zelam pela separação entre as idades e os tipos de transgressão vêm sendo cumpridas? O processo socioeducativo vem sendo respeitado, em todo o seu rigor, em todos os níveis que envolve? As instituições responsáveis pela aplicação do ECA têm se mostrado equipadas e qualificadas? O acompanhamento posterior à internação, assim como a avaliação das trajetórias individuais têm respondido às exigências estipuladas pelo Estatuto? E as polícias têm se revelado preparadas para cumprir sua parte na aplicação do Estatuto?

Acredito que os leitores tenham respondido negativamente aos dois blocos de perguntas, porque, hoje, está óbvio que o nosso sistema penitenciário está falido. Na verdade, tornou-se uma gigantesca, caríssima, irracional máquina de moer espíritos, escola do crime e fonte de ressentimentos. As penas privativas de liberdade não têm servido aos seus propósitos originais. Pelo contrário, além de se revelarem inúteis como fator de inibição da criminalidade, têm concorrido para seu crescimento. Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente nunca foi aplicado para valer, em todas as suas dimensões e com o rigor de todas as suas exigências.

Ora, se todos respondem negativamente aos dois blocos de perguntas que formulei e, portanto, se concordam com as duas afirmações acima, estamos todos de acordo com o seguinte: 1) O que está falido não serve de modelo nem deve ser proposto como solução e muito menos faria sentido defender a ampliação de sua abrangência. Ou seja, se nosso sistema penitenciário é essa tragédia, é o desastre que todos conhecemos, em nome de quê poderia fazer qualquer sentido propor que, além de (des)servir ao público maior de 18 anos, ele estendesse suas funções, ampliasse suas responsabilidades e passasse a se ocupar também das crianças e dos adolescentes? 2) Antes de concluir pelo fracasso do ECA ou mesmo de criticar sua ineficiência (reeducativa e inibidora da prática de transgressões), antes de propor sua alteração ou substituição, não seria conveniente testá-lo?

Aliás, é curioso como, no Brasil, tendemos a achar sempre que nosso problema é a falta de leis e que a existência de leis adequadas seria suficiente para mudar a realidade. E é surpreendente como, em geral, estamos mais dispostos a propor mudanças legais do que a tentar aperfeiçoar a aplicação das leis que temos. Os problemas, em geral, não estão nas leis, mas na deficiência de sua aplicação. De resto, seria irracional trocar uma legislação sem lhe dar a chance de ser testada a sério.

Portanto, não creio que faça sentido torpedear o ECA antes de aplicá-lo com o rigor que merece e requer. Tampouco me parece razoável sugerir a extensão de um de nossos maiores fracassos nacionais, o sistema penitenciário, através do expediente legal da redução da idade de imputabilidade. Já não chega o tamanho de seu fracasso? Em lugar de sub-repticiamente postular sua extensão, deveríamos propor sua reforma radical e urgente.

Finalmente, um esclarecimento: a verdadeira dicotomia, que opõe os defensores do ECA e seus críticos, não pode ser traduzida pela diferença entre transigência e severidade. O ECA não retrata, decreta, institui ou legitima a transigência com a transgressão ou o crime. A oposição não é generosidade solidária e ilimitadamente compreensiva, portanto leniente e leviana, versus severidade e rigor na aplicação dos limites legais. Se a oposição continuar a ser apresentada à opinião pública nesses termos, não haverá nenhuma chance para os defensores do Estatuto.

O ECA é severo, se for realmente aplicado com o respeito devido a todas as exigências que contempla. Afinal, o Estatuto prevê a internação e determina medidas unilaterais, imperativas. Nenhum menino pede a aplicação das medidas socioeducativas. Elas não são voluntárias. São fortes e rigorosas. O fato de diferenciarem-se do encarceramento não as torna menos severas. Torna-as mais eficientes, se a meta a alcançar é a ressocialização, a redução da reincidência e a sinalização inibidora. As medidas socioeducativas do ECA diferenciam-se da mera privação penal da liberdade justamente porque o encarceramento não funciona, é contraproducente em todos os níveis. O que está em jogo, portanto, é o sentido da severidade. O que está em disputa é a definição prática, moral, legal e política dessa severidade. O verdadeiro dilema é saber qual deve ser a nossa severidade. Qual é a severidade mais apta a cumprir as funções sociais às quais se aplica com o rigor que lhe define o significado?

Qual severidade melhor serviria à sociedade brasileira? Aquela que é adjetiva, isto é, que faz profissão de fé na retórica da intolerância, da dureza policial, do vigor punitivo, mas que, na prática, concorre para a reprodução da irracionalidade institucionalizada, alimenta um sistema penitenciário apodrecido, um aparato de segurança degradado, a violência policial e o desenvolvimento da criminalidade nas instituições que deveriam cuidar da ordem pública? Essa seria a severidade do fracasso e da impotência.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é severo e poderá realizar seu potencial construtivo se for, algum dia, efetivamente aplicado. A severidade do Estatuto é aquela que se compatibiliza ao mesmo tempo com o respeito aos direitos humanos e com um sentido construtivo de responsabilidade, porque se volta para o futuro, repelindo a vingança.

Roberto Romano – As medidas simplistas, costumeiras no Brasil, apenas indicam uma pobreza de políticas públicas. Sempre que especialistas apresentam planos para atenuar a violência, indicam toda uma constelação, um sistema de providências a serem tomadas. Infelizmente, as questões de âmbito público são decididas no Brasil não com base em saberes, mas com fundamento na propaganda, no proselitismo demagógico de partidos, na pressão de setores sociais arcaizantes, beneficiários da mais injusta distribuição de renda do continente.

JU – Que cenário o sr. antevê para o futuro próximo?

Luiz Eduardo Soares – Já vivi muitos momentos em que a profundidade da crise me fez crer que chegáramos a um ponto em que se tornaria racional a união de todos em torno de um projeto viável de mudança, com políticas preventivas inter-setoriais e reformas das polícias, das entidades socioeducativas e do sistema penitenciário, e em torno também de um efetivo esforço de redução das desigualdades no acesso à Justiça. Nada aconteceu, depois do espasmo das primeiras reações. Aprendi que não é a racionalidade que move a política.

Portanto, minha esperança hoje reside na conscientização das universidades, dos agentes de cultura – sobretudo jovem –, dos agentes sérios da mídia mais responsável, das lideranças sociais, daqueles, enfim, que poderiam contribuir para a sensibilização da opinião pública. Só assim, talvez, de fora para dentro – quem sabe? –, as lideranças políticas e os gestores comecem a se movimentar em uma direção mais consistente, para além da emergência e da crise, construindo um futuro que possa vir a ser menos marcado pelas crises –para que nos libertemos, finalmente, do eterno jogo entre reatividade e voluntarismo no varejo, refratário à construção sistêmica e sustentável. Uma fonte preciosa de esperança seria o desenvolvimento de uma consciência não-corporativa dos policiais. Mas isso parece estar ainda muito longe.

Roberto Romano – Todos os cenários são possíveis. Do inferno aberto à violência mascarada. O necessário é conseguir impor a soberania popular (consagrada em nossa Constituição), com a exigência da prestação de contas dirigida aos operadores do Estado nas suas três faces. Sem fé pública, os cidadãos honestos continuarão desconfiando do mundo político e jurídico e os desonestos terão maior latitude para delinqüir, não raro em companhia de legisladores. Sem acabar com este paradoxo, tudo o que se fizer é de fato paliativo. “Instale-se a moralidade, ou locupletemo-nos todos!”, seja de quem for a frase, ela é a única correta em termos éticos.

Se os políticos permanecem impunes, é tarefa da hipocrisia exigir a punição dos bandidos. Estes devem ser presos e condenados com rigor. E também aqueles. Se o procurador-geral da República teve a coragem e a lucidez de se referir a um número apreciável de legisladores como “quadrilha”, o final da frase deveria ser o seguinte: “que sejam condenados à maior pena do Código”. As ações das engravatadas excelências refletem-se nas metralhadoras dos que dominam as ruas do Rio, de São Paulo etc. E se forem mantidos os privilégios dos parlamentares, ministros e quejandos, ninguém mais sentirá necessidade de ser honesto. E breve será oficialmente instituída a república bandalha.










Quem é Luiz Eduardo Soares

Luiz Eduardo Soares é mestre em antropologia social, doutor em ciência política, com pós-doutorado em filosofia política. É secretário municipal de Valorização da Vida e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu, RJ; professor da Universidade Cândido Mendes e da Uerj. Foi professor do Iuperj e da Unicamp, pesquisador do Iser, pesquisador visitante do Vera Institute of Justice, de New York, e professor visitante da Columbia University, University of Virginia e University of Pittsburgh. Foi secretário nacional de Segurança Pública (entre janeiro e outubro, de 2003); subsecretário de Segurança e depois coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro (entre janeiro de 1999 e março de 2000); e consultor da prefeitura de Porto Alegre, responsável pelo plano municipal de segurança desta cidade (em 2001). Seus últimos livros são: Meu Casaco de General: 500 dias no front da segurança pública do estado do Rio de Janeiro (Cia das Letras, 2000); Cabeça de Porco, com MV Bill e Celso Athayde (Objetiva, 2005); Elite da Tropa, com André Batista e Rodrigo Pimentel (Objetiva, 2006); Legalidade Libertária (Lumen-Juris, 2006); e Segurança tem saída (editora Sextante, 2006).

Quem é Roberto Romano

Nasceu no Paraná. Estudou em várias cidades do país. Participou do movimento estudantil de 1962 até 1968. Foi integrante da Ordem dos Padres Pregadores (Dominicanos). Foi preso político no governo militar. Fez a graduação e a pós em Filosofia (USP) e o doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, no CETSAS (Centre d´Études Transdisciplinaires) com a especialização em Filosofia Política. A tese foi publicada com o título de Brasil, Igreja contra Estado (Kayrós, 1979). É autor também de Conservadorismo Romântico, (Editora Unesp), Silêncio e Ruído (Editora da Unicamp) e O Caldeirão de Medéia (Editora Perspectiva), entre outras obras. Trabalhou na Unesp (Marília e Araraquara), na Faculdade de Educação da Unicamp (FE) e atualmente está ligado ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH). Prestou concurso público para os cargos de livre-docente, adjunto e titular da Unicamp. Integrou a Congregação da FE e do IFCH. Participou da Cadi e do Consu, tendo também presidido a Comissão de Perícias da Unicamp. Publicou vários artigos especializados e colabora com diversos órgãos da mídia.

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