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sexta-feira, março 23, 2007

A polêmica decisão da juíza alemã

No Blog Pérolas, de Alvaro Caputo, recolho o artigo de William Waack sobre a ideologia que emburrece, como disse Maria Sylvia, minha mulher em entrevista à Veja.


Aos 26 anos de idade, cinco de casamento e dois filhos, a marroquina Najat L. decidiu parar de apanhar do marido. Ambos muçulmanos, ela resistira a anos de espancamentos e maus tratos não por obediência a preceitos religiosos, mas "porque quando a gente ama, a gente aguenta muita coisa", disse. No final do ano passado foi salva de coisa pior pelos vizinhos. Eles ouviram os gritos e chamaram a polícia, que levou o marido algemado. Foi quando Najat L. pediu o divórcio.

Para grande surpresa dela e de sua advogada, a justiça negou o pedido de separação, alegando que o Corão permitiria ao marido "punir" a mulher, mesmo usando força física. Não havia "motivo urgente" para conceder o divórcio, diz a sentença. A decisão judicial causou enorme repercussão: ela foi pronunciada por uma juíza de primeira instância em Frankfurt, na Alemanha, para um casal vivendo na Alemanha, e não em algum pais islâmico que aplique a "sharia", ou sua interpretação.

A argumentação da juíza alemã contém um elemento de enorme importância para sociedades modernas confrontadas com a necessidade de tratar, entender e assimilar seres humanos que vêm de outras culturas – um dilema não resolvido, aliás. "É preciso entender que o casal vem da cultura marroquina", escreveu a juíza alemã. "Para esse círculo cultural, não é incomum que o marido exerça sobre a mulher o direito de puni-la. E com isso a requerente (a que pediu o divórcio) deveria contar quando se casou com um marroquino", prosseguiu.

Poucas vezes uma decisão judicial colocou do mesmo lado feministas, conservadores católicos bávaros, social-democratas da ala esquerda e juristas de várias tendências. Direto ao ponto foi a autora de origem turca Necla Kelek, que ficou famosa estudando a "sociedade islâmica paralela" que persiste dentro das sociedades européias seculares: "a constituição alemã tem de valer para todo mundo, cristãos ou muçulmanos, caso contrário é violação da lei ou a aplicação da sharia".

"O direito alemão tem sido sistematicamente subvertido por interpretações que levam em conta o multiculturalismo ou mesmo visões islâmicas", declarou Alice Schwarzer, uma das mais famosas feministas alemãs, e acima de qualquer suspeita de se alinhar a "chauvinistas" conservadores e católicos. Eles, claro, reagiram como seria de se esperar: "quando uma juíza alemã começa a aplicar justiça baseada no Corão, acabou-se a Alemanha", disse o secretário-geral da União Democrata Cristã (CDU), Ronald Pofalla. Um porta-voz para assuntos judiciais do Partido Social-Democrata (SPD) pediu que a juíza responsável pela sentença fosse processada.

Mas é no trabalho citado acima de Necla Kelek que está o cerne da questão. O bisavô dela ganhava dinheiro comprando e vendendo escravas para haréns no então Império Otomano. O avô roubou a avó numa outra aldeia, o pai dela comprou a própria mulher por dois bois. Necla nasceu em Instambul em 1957, quando seus pais levavam um estilo de vida secular. Mas logo depois de chegar à Alemanha, em 1968, na primeira grande leva de imigrantes turcos, a família Kelek tornou-se cada vez mais religiosa –Necla foi proibida pelos pais de frequentar aulas de esporte ou até de sair na rua. Fugiu de casa ainda adolescente.

Inicialmente, ao estudar o fenômeno da religiosidade entre imigrantes, Necla chegou à conclusão de que o apego ao Islã significava para muitos jovens uma forma de criar e solidificar uma identidade individual. Mais tarde, mudou radicalmente de perspectiva. Num livro de grande sucesso na Alemanha ("A noiva estranha", de 2005) ela descreve como tradições islâmicas, entre elas a das mulheres compradas na Turquia e transferidas como noivas para turcos vivendo na Alemanha, transformaram-se em sério obstáculo à integração de imigrantes na sociedade alemã.

Necla enfrentou o desafio de receber aplausos do lado errado quando, para horror de muitos setores de esquerda na Alemanha, achou correto um teste, estabelecido por um dos estados da federação alemã, que exigia "adaptação à cultura alemã" por parte de muçulmanos que queriam residência permanente no país. Não durou muito e Necla foi atacada por um manifesto, assinado por 60 conhecidos cientistas sociais. Para eles, o comportamento (que eles condenam) de imigrantes turcos religiosos deve ser entendido como conseqüência da "política de barreiras européia".

A resposta da autora de origem turca foi tão contundente quando adequada ao debate que eclodiu agora com a decisão da juíza de Frankfurt: "vocês são vítimas do seu conceito ideológico de multiculturalismo", escreveu ela no Die Zeit, um dos mais renomados semanários em idioma alemão. "Vocês vivem na ilusão de uma feliz integração de imigrantes muçulmanos", escreveu, atacando uma vaca sagrada do multiculturalismo: a de aceitar imigrantes como eles são. A biografia de Necla a transformara num ídolo da esquerda. Mas o que ela escreveu apenas deixou claro que o uso de "direita" ou "esquerda" no debate sobre assimilação cultural é totalmente inadequado.

Quanto à comunidade muçulmana na Alemanha, a reação foi também bem clara. "Violência é motivo de divórcio também segundo o Corão", disse a porta-voz do Conselho Central dos Muçulmanos. "E o que se espera é que uma juíza alemã julgue a partir da lei do país, e não do Corão".

William Waack no seu blog



A mulher da foto é do Marrocos. Infelizmente, ela também poderia ser do Brasil católico ou de qualquer outra terra onde feras covardes e fracas, supostamente masculinas, descarregam sua frustração de não ser gente sobre os seres que, apesas deles mesmos, os amam.

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