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quarta-feira, março 14, 2007

No Blog Perolas de Alvaro Caputo recolho o texto de Willaim Waack:

Os EUA podem pagar um preço alto por desprezar a Rússia


Fazia tempo que os alemães não viam algo semelhante. Para participar recentemente de uma conferência em Munique, o presidente russo Vladimir Putin trouxe uma antiga limusine blindada ZIL – uma relíquia automobilística tornada famosa nos tempos de Leonid Brejnev. Sinal dos tempos, Putin preferiu uma moderna Mercedes blindada enquanto esteve na capital bávara, mas seu pessoal de segurança só andava na ZIL.

Fazia tempo também que os alemães não ouviam algo semelhante. Putin usou um prestigiado encontro de especialistas em segurança (eufemismo para defesa, armamentos e poderio militar) para acusar os Estados Unidos de terem passado de todos os limites. “O mundo virou um mundo de um só dominador, de um só centro de poder, de um só centro de decisões”, disse Putin, “no qual ninguém mais se sente seguro”.

A principal queixa do presidente russo se refere a um sistema de defesa anti-mísseis que os americanos querem instalar na Europa. Tratam-se de radares, que ficariam em território da República Tcheca, e mísseis anti-mísseis, estacionados na Polônia, que tornariam obsoletos os foguetes intercontinentais russos, a maior parte deles herdados da era soviética.

A Rússia reclama também do que chama de quebra de promessa: a de que não haveria tropas da Otan estacionadas nos países da antiga Europa do Leste que hoje fazem parte do principal pacto militar do planeta. Do ponto de vista de Moscou, existe um cerco armado pela Otan – e o que é pior ainda: um profundo desprezo, por parte de Washington, pelas preocupações e ansiedades do governo russo.

A noção de que os Estados Unidos passaram a tratar a Rússia como potência de segunda categoria é um denominador comum entre Putin e mesmo os políticos liberais que mais o criticam, chamando-o de autocrata e candidato a déspota. Alemães e franceses, acostumados pela História a ver a Rússia de maneira diferenciada, não se cansaram de alertar Washington para as conseqüências do desprezo em relação a Moscou.

Não são apenas os petrodólares (ou petro euros) que encheram Putin de confiança. É a convicção, compartilhada pelos principais governos europeus, de que a instalação de um escudo anti-mísseis pode rachar a aliança ocidental. Há, de fato, uma profunda divergência mesmo entre os europeus sobre como encarar o poder russo.

Os alemães, por exemplo, muito dependentes dos fornecimentos de gás da Rússia, acham que Moscou é um parceiro confiável, com o qual pode-se negociar. Experimente perguntar a mesma coisa a tchecos ou poloneses, para não falar dos países do Báltico. Temores em relação aos russos, quando se considera a Polônia e a República Tcheca, tem pé firme em acontecimentos históricos bastante recentes (dado o horizonte de tempo europeu). E temores russos em relação ao Ocidente (como quer que se defina esse conceito) também precedem e transcendem as sete décadas de regime soviético.

A teoria do cerco, por parte dos russos, agrava-se com o percepção de que as ex repúblicas soviéticas da Ásia Central parecem mais vulneráveis do que nunca à expansão do Islã. E ao fato de que a presença militar americana no Iraque e no Afeganistão, do ponto de vista de Moscou, só poderia ser interpretada como parte de uma ampla estratégia anti-russa (mesmo que isso nos possa parecer absurdo).

O recado chegou tarde a Washington – tão tarde quanto o recado sobre o ressentimento de latino-americanos em relação à política americana para a região. Condolezza Rice (que tem apreciável produção acadêmica sobre a Rússia e a Guerra Fria) iniciou uma ofensiva de charme, encontrando-se várias vezes com seu colega Sergey Lavrov. Stephen Hadley, o assessor de segurança americano, fez questão de mostrar a jornalistas as transcrições de conversas que ele teve em Moscou nas quais relatou aos russos os planos americanos de instalação de um escudo anti-mísseis na Europa – descrito como defesa contra mísseis iranianos.

Os russos responderam dizendo que nesses encontros os americanos apenas comunicaram o que iriam fazer, e jamais se preocuparam com a opinião russa – e teriam sido evasivos quanto à idéia, muito discutida em Washington, de que a Ucrânia e a Geórgia venham a fazer parte da Otan (para o horror de Moscou).

Os americanos começam a colher os frutos de uma política unilateral que até agora só trouxe resultados negativos. Não tem condições de resolver sozinhos nenhum dos principais conflitos nos quais estão envolvidos, e de graves conseqüências estratégicas: o árabe-israelense, o Iraque, e o Irã. A Rússia vem se tornando um país cada vez mais importante em relação aos três, especialmente no caso iraniano, e disposta a fazer os americanos pagarem um alto preço.

É difícil dizer quanto a vida para George Bush teria sido mais fácil se o orgulho russo não tivesse sido tão pisoteado. Mas é possível dizer que faltou ao presidente americano algo que sobrou num velho homem da “realpolitik”, Otto von Bismarck – a consciência de que a Rússia, mesmo em seus momentos de maior debilidade, jamais pode ser considerada uma peça fora do tabuleiro.

William Waack no seu blog

Comentário: é por semelhantes motivos que estudo com paciência e cautela a temática da Razão de Estado, embora sofra críticas à esquerda e à direita. Os santos, sabemos, não gostam do Estado e de sua razão, estranha à Cidade de Deus. Infelizmente, por enquanto, é a única nave que nos conduz no oceano cheio de tsunamis chamado História. Distrações como as cometidas pelas últimas presidências norte-americanas (não apenas a republicana) em relação à Russia, são letais em termos de Razão de Estado. Bismarck ensinaria muito aos neocons que idealizam a política, interna e externa, dos EUA nos últimos tempos. Mas eles preferem outras fontes...
RR

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