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terça-feira, novembro 06, 2007

Correio Popular de Campinas, 07/11/2007. Os trapaceiros políticos.

"SE GRITAR ´PEGA LADRÃO´...NÃO FICA UM, MEU IRMÃO! SE GRITAR ´PEGA LADRÃO´, NÃO FICA UM...
NO PAÍS DOS TRAPACEIROS.





Os trapaceiros políticos.

Um golpe se prepara nos porões da república. Aduladores e interessados, na ordem política ou econômica, imaginam comprometer a cidadania com o terceiro (ou perpétuo) mandato de Luis Inácio da Silva. O presidente (outra vez…) finge nada saber sobre a conspiração. É preciso reafirmar que não existe Estado democrático sem eleições periódicas, nas quais os políticos são punidos ou premiados pelos cidadãos. O governo brasileiro manipula recursos em função de sua ditadura perene (a presidência legisla em seu favor com medidas provisorias, aprovadas por um Legislativo acuado ou tíbio). Urge retormar às primeiras doutrinas sobre o poder do povo.

Marsiglio de Pádua, no Defensor pacis (1324), indica que o governante é responsável pela “universitas civium”, na qual se encontra a soberania. Ele deve regular a vida social “secundum legem” mas se falha, deve ser punido. “O principe, por sua ação segundo a lei e autoridade a ele outorgada, é a regra e a medida de todo ato civil, como o coração no animal. Mas como é homem, seu intelecto e apetite são capazes de (…) uma falsa apreciação ou desejo perverso, ou ambas as coisas, por força das quais opera de modo contrário ao prescrito na lei, ele se torna mensurável por outro que tenha autoridade para o medir e regular segundo a lei e fazer o mesmo com os seus atos transgressoras da lei; de outro modo todo governante se tornaria despótico e a vida civil seria servil e insuficiente”.

Quem tem autoridade para punir o soberano laico? O povo, responde Marsilio de Pádua. O Estado, para ele, teria o seu poder executivo às ordens do povo. O Estado deve assegurar a paz e o bem estar de todos. A paz ocorre quando todas as partes do coletivo cooperam para um fim próprio, não usurpando os fins alheios. Paz é saúde do corpo político, doença é o seu oposto. Qual a origem do Estado?Da familia, se passa à communitas, onde o chefe é uma espécie de pater gentis, depois vem a civitas, ou “perfecta communitas omnem habens terminum per se suficientiae”. Uma comunidade perfeita, que preenche por si mesma todos os requisitos de suficiência. A cidade é como uma natureza animada ou animal. “Pois como o animal bem constituído segundo sua natureza se compõe de certas partes ordenadas entre si e com proporção, e com todas as suas funções combinadas entre si em relação ao todo, assim a cidade se forma de determinadas partes quando está bem constituída segundo a razão”. Tais partes, para Marsilio, são a agricultura, as artesanias, as artes militares, financeiras, sacerdócio, judiciais.

A soberania tem base no homem, Deus é a sua causa remota. O poder laico reveste várias formas, mas em todas elas “o governo eletivo é mais certo do que o não eletivo. (…) Convem que a multidão volte os olhos para a eleição, a qual nunca pode faltar, não esgotando-se a geração dos homens. Só deste modo institucional, ademais, é obtido o melhor governante. Será, com efeito, o melhor dos que tratam da coisa pública, pois deve reger os atos civis de todos os demais”.

As lições de Marsilio são importantes para os brasileiros. Tiranos desejam subtrair a eleição do soberano popular, pretextando que ele está muito satisfeito com o poderoso executivo instalado no palácio. Como é difícil retirar aquele direito, eles usam o truque da re-eleição, da terceira eleição, da quarta, e finalmente conseguem o mandato vitalício. Este golpe surge aos incautos como “natural”. Com o golpe são unidas a força e a demagogia, para banir a rotatividade do poder, núcleo de qualquer ordem democrática. Os militantes do PT que aceitam este golpe, mostram que jamais aceitaram a regra do jogo político honesto, que sua adesão à vida livre era só tática e sua estratégia se esgota em garantir um poder perpétuo. Eles não confiam na sua própria gente e se entregam de mãos atadas ao poder de um homem “insubstituível”. Todo poderoso desaparece no pó, leva para o nada os bajuladores e interesseiros que pensam dominar para sempre, com mentiras e dissimulação. Os golpistas de agora podem vencer. Mas seu nome na história é simples: eles são os trapaceiros no jogo democrático.

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