Eleições, eleitos e juízes.
Roberto Romano
A democracia conhece métodos e propostas sofisticadas para atenuar riscos das eleições majoritárias. Um dos riscos é o populismo que assola a América do Sul. Não apenas nas eleições para o poder executivo existem pontos frágeis. No Brasil há um descompasso entre o sufrágio dirigido ao presidente da república e o que manda legisladores para Brasilia. Dificilmente pode ser dito de nosso sistema eleitoral, que nele os votantes controlam a escolha dos candidatos, as próprias eleições e os escrutínios. Os juízes tutelam eleitores e eleitos, o que abala a soberania popular.
Em eleições com vários candidatos para o parlamento, o vencedor, não raro, obtem “maioria relativa”, menos da metade dos votos. Isto, sem mencionar aberrações como os eleitos por algumas centenas de pessoas, porque foram “carregados” pelo famoso de seu partido. E também a teratologia dos “vices”, em especial nas eleições senatoriais. Existe senador que determina a sorte da república sem ter recebido um só voto. Para atenuar o caso da “maioria relativa” dos vencedores a França usa o escrutínio em dois turnos e seleciona um número pequeno de candidatos com direito a se apresentar no segundo (o chamado sistema de “ballotage”). A eleição presidencial, por sua vez, só conduz ao segundo turno os dois candidatos com maior número de votos, mesmo que o total de seus votos seja inferior à metade dos sufrágios válidos. Isto pode causar graves crises de legitimidade para o governo e para o Estado.
Para resolver os problemas trazidos nas conjunturas em que surgem três candidatos Condorcet, grande pensador do século 18, indica que os eleitores devem escolher entre seis soluções possíveis. Tal procedimento permite ao eleitor matizar seu voto quando indica, entre dois candidatos contra os quais vota, qual aceita e qual rejeita com firmeza. Imaginemos os três candidatos como A, B, C. No paradoxo de Condorcet temos o seguinte : para certas repartições dos votos em favor de cada um das seis classificações (ABC,ACB, BAC, CAB, CBA) os votos dois a dois chegam à uma escolha circular : eleito A contra B, eleito B contra C, e C eleito contra A. (Para uma análise, ver a revista Population & Sociétés número 335, maio de 1998, sobre Demografia e Sufrágio; ver também o sempre atual livro de Franck Alengry : “Condorcet, guide de la révolution française et théoricien du Droit constitutionnel”,Slatkine Reprints, 1971). O refinamento das escolhas resulta em eleitos mais próximos da “autêntica” vontade do eleitor. A solução de Condorcet poderia definir um quadro de representantes mais legítimos em nosso país. Atenção! Para que ela traga frutos é preciso que o corpo eleitoral médio tenha noções de cálculo das probabilidades. Por via transversa, chegamos à receita platônica para os males do Estado : a educação da cidadania, sobretudo em matérias técnicas e científicas, é conditio sine qua non do regime livre e responsável. Estamos muito longe deste requisito, no Brasil.
Já que os juízes tutelam as eleições, e por falar em Condorcet, que tal recordarmos a sua tese (partilhada pelos democratas francêses e norte-americanos) sobre a eleição... dos juízes? Quando o tema aparece no Brasil, togas se levantam indignadas contra o sacrilégio. Aproximar a sacralidade da justiça dos “sujos procedimentos eleitoreiros” ? Jamais! Nossos juízes se imaginam próximos do sacerdócio, longe da política. Isto não impede que a justiça deixe em liberdade notórios assassinos poderosos, como nos casos de um ex-governador de Estado e de célebre jornalista que matou sua namorada em público. Para não falar da menina posta em cela na companhia de vinte homens, sem que os responsáveis disto tivessem notícia. A mesma justiça aceita como “normal” o foro privilegiado auto-concedido pelos políticos, o que caracteriza tolerância indevida para com os nossos improbos públicos. Analisarei as teses de Condorcet sobre a eleição dos juízes, no próximo artigo.
Roberto Romano Moral e Ciência. A monstruosidade no sec. XVIII
Silence et Bruit. Roberto Romano
quarta-feira, novembro 28, 2007
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