CARO AMIGO ROQUE SPONHOLZ:
PENSAR E SER RETO, NO BRASIL, É TAREFA DIFICIL. HÁ BOM TEMPO LUTO CONTRA AS COISAS DO PODER E DOS SEUS APROVEITADORES. E RECEBO IRONIAS, PERSEGUIÇÕES, AMEAÇAS, ETC. QUANDO NO HORIZONTE SURGE UM INDIVIDUO OU GRUPO, OU PARTIDO, OU SEJA LÁ O QUE FOR A FALAR SOBRE RESPEITO, ÉTICA, ETC., CAIMOS COMO UM PATINHO NA CONVERSA, PORQUE NÃO AGUENTAMOS A IGNOMINIA DE NOSSA GENTE. E SEMPRE DEPOIS DAS PROCLAMAÇÕES ÉTICAS OS MESMOS INDIVIDUOS, GRUPOS, PARTIDOS OU SEJA LÁ O QUE FOR, ABREM A BOCARRA CANALHA, NUM ESPASMO DE GOZO, A NOS DIZER COM O QUE IMAGINAM UM SORRISO :"IDIOTAS, EU OS ENGANEI DE NOVO". HOJE É APENAS UM EPISÓDIO A MAIS NA HISTÓRIA BRASILEIRA DA INFÂMIA.
UM ABRAÇO, CARO ROQUE! PELO MENOS, VOCÊ NOS DÁ ALEGRIA E NOS AJUDA A PERCEBER O RIDICULO DOS PODEROSOS DE PLANTÃO !
ROBERTO ROMANO
SEGUE ABAIXO UM ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO, ONDE HOJE SOU PERSONA NON GRATA (MEU NOME É VETADO NAQUELE PERIODICO, COMO NA ERA DA DITADURA). O TEXTO FOI REPUBLICADO NO JORNAL DA CIÊNCIA, ONDE HOJE, TAMBÉM SOU PERSONA NON GRATA.
ENQUANTO EXISTIR ÂNIMO, ESCREVEREI, MESMO QUE EM FRAGMENTOS DE PAPEL JOGADOS AO VENTO.
POIS O VENTO É ALMA. ALGO QUE FALTA AOS SUPOSTOS SERES HUMANOS QUE MILITAM NA POLÍTICA REALISTA BRASILEIRA, CUJOS PRINCIPIOS ESTÃO POSTOS, SEMPRE, NA BACIA DAS ALMAS.
RR
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JORNAL DA CIÊNCIA NÚMERO 2371, de 24 de Setembro de 2003.
Sacrifício do intelecto, artigo de Roberto Romano
A tradição oficialista ordena que as espinhas se curvem, sempre que um novo inquilino se instala no poder
Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política na Unicamp, autor de 'Moral e Ciência - A Monstrosidade no Século XVIII' (Ed. Senac, SP), membro do Conselho Editorial do 'Jornal da Ciência'. Artigo publicado na 'Folha de SP':
As zumbaias que parte dos setores universitários entoa para o governo federal, o silêncio diante da truculência nos cortes no setor de educação e de C&T, os acordos travestidos de 'negociações políticas' que cooptam muitos intelectuais lembram os ritos que impeliram pessoas brilhantes como Martin Heidegger ao louvor do autoritarismo.
As verbas são parcas e o verbo livre torna-se mercadoria rara e caríssima, paga com a segregação e o anátema. 'Não há sacrifício do intelecto que satisfaça às insaciáveis exigências da falta de espírito' (Theodor W. Adorno).
Estas frases ecoam as advertências de Max Weber sobre a ciência enquanto vocação, texto que deveria ser obrigatório nas Universidades brasileiras.O sacrifício do intelecto é exigido pelas igrejas e partidos políticos, mas também molda as seitas universitárias. O lado ritual da coisa surgiu no passado remoto, pois os deuses têm fome de corpos humanos, sobretudo da caixa onde se aloja o cérebro. Mas a exigência de abandonar idéias em função de cargos estatais, ministérios eclesiásticos, prestígio acadêmico é recente. Ela vem com o nascimento de refinadas burocracias, a secular e a espiritual.
Nelas se concentraram nos dirigentes o poder de exigir que dogmas sejam impostos e assumidos pelos subordinados. A regra de ouro para a seleção dos funcionários encontra-se na submissão aos preceitos verticais do mando.Veleidades de autonomia noética trazem anátemas, silêncios, solidões. Spinosa conhecia tal prisma ao recusar a cátedra de Heildelberg.
O príncipe pediu-lhe 'apenas' o sacrifício de não incomodar as verdades religiosas. 'Desconheço limites para a minha liberdade de pensar.' Agraciado com os vitupérios de políticos e de reverendos, o pensador escreveu a mais rigorosa ética moderna.
Antes da Revolução Francesa, a igreja exigiu de seus pensadores a plena alienação intelectual. No século 18, o papa Clemente 13, temendo o laicismo e o pensamento ateu, redigiu a encíclica 'Quantopere Dominus Jesus', dizendo aos fiéis que a fome da verdade é natural, mas que o espírito santo deseja que ela seja refreada. E ordenou o pontífice que as pesquisas fossem até os limites permitidos pela autoridade religiosa.
Graças às críticas do cardeal Passionei, o documento não foi publicado. O mundo católico ainda não era refém da burocracia curial. Mas logo vieram a 'Quanta Cura' e o 'Syllabus', que proibiram o pensamento autônomo e denunciaram a 'liberdade de perdição'. Para fugir daqueles pecados, só o sacrifício do intelecto. Estavam prontas as bases para o reinado do cardeal Ratzinger e de João Paulo 2º.
No Estado, desde o Termidor, passando pela censura napoleônica e chegando ao totalitarismo do século 20, a norma foi a renúncia ao intelecto pessoal. E surgiu a cultura dos militantes com a sua lógica ensandecida. Tal imposição une-se à exigência do silêncio obsequioso. Immanuel Kant sofreu a censura e, segundo Domenico Losurdo, internalizou-a. Ao contrário de Espinosa, o 'chinês de Konigsberg' valorizava a cátedra e já estava imbuído do espírito burocrático universitário. Liberdade, para ele, apenas fora do mundo oficial.
Lyssenko foi um caso espetacular de sacrifício do intelecto somado ao silêncio obsequioso dos cientistas soviéticos e ocidentais que ajudaram Stálin. Sem os dois elementos, muito certamente a política socialista conheceria outros rumos. Mas a tolice do governante foi aplaudida pelos acadêmicos, o que os tornou mais culpados do que o próprio autocrata.No Brasil, a crítica recebe veto perene. A tradição oficialista ordena que as espinhas se curvem, sempre que um novo inquilino se instala no poder. A crítica e a oposição constituem mau gosto e devem ser banidas dos campi e dos laboratórios.
Quando Fernando Henrique presidia o país, escrevi, nesta coluna, um artigo intitulado 'O PT e a dignidade da oposição'. Nele, criticava autoridades que ironizavam aquele partido. Hoje, noto que a mente dos que ocupam o poder é a mesma. A forma é petista, mas o conteúdo tem o sabor do oficialismo.
Na época, a imprensa e os intelectuais eram valiosos para o PT. Hoje, com verbas imensas e Duda Mendonça, quem no governo precisa de crítica? Apagar o que se produziu é o primeiro passo para a boa acolhida entre os cortesãos. E pobre de quem ergue a espinha e a face! Enquanto essa mentalidade imperar entre políticos e universitários brasileiros, vários Lyssenko serão paridos entre nós.Pensamento e ciência são riquezas que não podem ser alienadas, por mais sublime que seja a 'causa' alegada. O respeito pela diferença integra a democracia.
Quem recusa esse ponto, adestra-se para aceitar com louvores os piores golpes contra os cidadãos. Silêncios obsequiosos e sacrifício do intelecto geram apenas servilismos, como assistimos em nosso país desde o século 16.
(Folha de SP, 24/9)