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quarta-feira, novembro 14, 2007

Correio Popular de Campinas, 13/11/2007. Metafisica e golpe de Estado




Vocês acreditam que os cérebros, por detrás destas faces límpidas, honestas, francas, elaboraram tiranias ? E que após os "pareceres" deste homens, o reino do terror imperou na Alemanha, no Brasil, no mundo? Porque tão cavalheirescos cidadãos têm parte relevante da culpa assumida por Hitler ou Vargas? Porque eles mantiveram as caras e as mãos limpas, quando autorizaram, com seu saber, o funcionamento dos campos de concentração e, no Brasil, as operações comandadas por Felinto Muller? Estamos livres de gente desta laia? Não, pelo contrário.

As culpas são dos políticos, as desculpas, dos juristas.

Parem o mundo que eu tenho vontade de saltar!
Roberto Romano

PS: Ah! Esquecia de mencionar, as caras lavadas acima pertencem a Carl Schmitt e a Francisco Campos.


Publicada em 14/11/2007

Roberto Romano


Metafísica e golpe de estado



Descrição platônica do tirano: lobo que aprendeu o sabor do sangue humano. Sempre teremos entre nós e na cena mundial corações miúdos e cérebros micrológicos para justificar os lobos. H-J. Syberberg no espantoso Hitler, um filme da Alemanha, põe um monólogo essencial na boca do Füher: sem os juristas alemães, competentes e probos, ele jamais chegaria ao poder. Tal verdade nos faz retroagir à Polaca, redigida por Francisco Campos, imposta no dia 10 de novembro de 1937. Formam legião os juristas que apoiaram a ditadura. Recordemos a ordem acadêmica que impera na Europa e no Brasil ao ser inventada a Carta de 1937. Pouco antes, na república de Weimar, o debate toca o direito que teriam os juízes de afirmar como não constitucional uma norma jurídica. Grande parte dos juristas apóia a intervenção dos magistrados, porque o Legislativo não garante a ordem do país. Outro assunto: os poderes do Chefe de Estado no artigo 48 da Constituição. Técnicos do Direito ajudam a justificar o Estado de Emergência (Staatsnotstand), “pareceres” acadêmicos pavimentam a via nazista. Afirma Michael Stolleis, professor de Direito público na universidade de Frankfurt, diretor do Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte: “quando no Reichsgesetzblatt, o boletim oficial do Reich, de 1934, publicou finalmente que os assassinatos de Röhm e de seu grupo eram legais em nome da ‘legítima defesa do Estado’, os professores de direito constitucional não tiveram a capacidade, nem a vontade de protestar.” Os professores renunciaram, diz Stolleis, à república, por considerar o Estado de direito como um bem descartável. Eles exaltaram “de maneira quase metafísica o poder executivo.” E o poder executivo, sob Hitler, assassinou judeus aos milhões nos campos de concentração. Quantos juristas se levantaram contra o genocídio?

Stolleis cita H. Kelsen: “É evidente nos círculos dos professores de direito constitucional e dos sociólogos (…) que eles só falam com desprezo da democracia. Parece moderno louvar a ditadura, direta ou indiretamente, como a aurora de uma nova era. Esta mudança da atitude ‘científica’ segue um deslocamento filosófico: todos fogem da clareza, doravante desacreditada como superficialidade, do racionalismo empírico e crítico, este espaço vital do espírito democrático, para retornar à obscuridade da metafísica, tomada ilusoriamente como profunda no culto do irracional nebuloso, atmosfera específica na qual, desde sempre, as diferentes formas de autocracia se espalharam mais livremente. Eis o slogan de nossos dias”. Estas linhas são de 1932. Finaliza Stolleis: “O balanço final (do Direito antes do nazismo,RR) foi deprimente. Não mais existia uma ciência do direito que pudesse merecer este nome como disciplina científica. Para falar a verdade, sua agonia começara na hora em que a justificação jurídica dos assassinatos de Röhm e de seu grupo tinha sido aceita em silêncio. Aliás, é no mesmo instante que a União alemã dos Professores de Direito Público encerrou suas atividades. Hitler não estimava os professores. Esta descoberta amarga - que a sua existência era dispensável - só foi tardiamente, ou nunca, aceita pela maioria dos juristas”. (Michael Stolleis, Dans le ventre du Léviathan. La science du droit constitutionnel sous le national-socialisme, Astérion, N. 4, abril 2006, in http://asterion.revues.org/document636.html)

Resistências irrelantes existiram. O mesmo ocorreu sob Vargas e no regime de 1964. Quantos Hermes Lima, Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva tivemos para compensar servis juristas que sacramentaram as torturas de Filinto Müller, a Operação Bandeirantes e outros instumentos de poder tirânico? Hoje volta a ser moda depreciar o Estado de direito, “burguês” segundo a esquerda, “pouco eficaz” para a direita travestida de liberal. Quantos juristas estão na trincheira da liberdade, quantos se preparam para fundamentar cientificamente ardis ditatoriais como o “terceiro mandato”, ou mandato vitalício para o presidente? As lágrimas do futuro responderão esta pergunta, para vergonha nossa e desgraça das novas gerações.

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