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quarta-feira, novembro 21, 2007

Golpes e poder eterno

Correio Popular de Campinas
21/11/2007

Roberto Romano
Golpes e poder eterno



Debates sobre eleições e plebiscitos, não raro, impedem a reflexão acurada sobre a ordem institucional. O maior dilema dos regimes políticos reside no estatuto das minorias. Mesmo os absolutistas e totalitários enfrentaram a dificuldade. A minoria de hoje pode se transformar na maioria de amanhã. Se os vencidos forem tratados de maneira injusta, não apenas eles, mas a sociedade toda é violentada. As tiranias negam o direito público na exata medida em que arrancam as prerrogativas dos núcleos minoritários. Governos justos respeitam a vida, a segurança, as idéias dos divergentes. Sem o direito de oposição, o regime democrático perde a alma livre que o caracteriza. Nenhum ensaio democrático sobreviveu após golpear as forças renitentes aos governos hegemônicos. Foi assim na Revolução inglesa e a ditadura de Cromwell, na Revolução francesa e os jacobinos, na Revolução norte-america e o descarte dos que seguiam Thomas Paine e outros, na Revolução russa e a expulsão dos trotskistas.

A crônica dos fracassos chega a ser monótona, quando se examina o Estado democrático reduzido à ditadura de uma facção. Os revolucionários ingleses que discordavam do Lord Protetor foram enviados para a Irlanda, afim de aumentar o poderio de seu país e morrer. Os girondinos, acusados de traição pelos “virtuosos”, foram cortados pela guilhotina. Como resultado, os próprios jacobinos tiveram a mesma sorte. A oposição inspirada em Thomas Paine foi ignorada na letra e no espírito da Constituição. E sofreu o país inteiro, quando as contas foram cobradas na Guerra Civil, cujas feridas ainda brotam sob o tecido das leis norte-americanas. Na Rússia, a virulência ditatorial - com os desvios políticos, ideológicos, jurídicos e científicos - gerou campos de concentração e a queda final da URSS, substituída pelas máfias, saídas do ventre imundo da KGB, com as bênçãos de Boris Yeltsin. Também é preciso refletir sobre os nazistas e fascistas que, no governo, mantiveram a forma das leis, mas as torceram para garantir o mando perene (o “Reich de mil anos”) e aniquilar toda oposição.

Eleições seriam o correto retrato da vontade social? A resposta é incerta. As causas desta dúvida encontram-se em muitos fatores. Durante as eleições, quem exerce o poder não quer e não pode abandoná-lo. Daí, a busca de fórmulas razoavelmente legais para equacionar o problema. Caso não surjam tais meios, vem a escala de violência que usa golpes de Estado, brancos e sangrentos. Os tiranos modernos legitimam com plebiscitos sua perpetuação nos cargos. E o resultado é geralmente favorável a eles, visto que dispõem de propaganda em quantidade superior à dos opositores. Os tiranos populistas, em plebiscito, ostentam aprovação que beira os 100% da massa popular. Outro item os favorece: o escrutínio a ser definido. O critério da maioria absoluta é aparentemente o mais correto. Mas ele é herança teológica na ordem civil. Durante séculos “a Igreja foi a única instituição ocidental a conhecer e praticar eleições livres e regulares e respeitou a consulta aos governados”. (L. Moulin, Les origines religieuses des techniques électorales et déliberations modernes, Revue internationale d´Histoire politique et constitutionnelle, in F. Bon, Les elections en France, Paris, Seuil, 1978). Comenta F. Dagognet: “Esta fonte eclesial inspirou a preferência pela maioria de dois terços que subsiste em alguns regulamentos; sem a unanimidade sonhada e moralmente exigida, se deseja a margem mais ampla, pois ela consolida o resultado”. (Élection in Philosophie de l´Image, Paris, Vrin, 1984, p 188).

Quem é aprovado pela maioria absoluta, pode se canditar ao cargo do Eterno (voz populi, vox Dei). É o que desejam todos os poderosos, indicados por E. Canetti como “os sobreviventes”. E contra Deus, nenhuma oposição pode ser mantida sem que os seus líderes sofram o destino de Lúcifer, a expulsão para o inferno do exílio, torturas, prisões etc. Hoje se prepara um golpe no País. Os seus fabricantes (e futuras vítimas) pensem nos resultados. Voltarei ao tema nos próximos artigos.

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