Powered By Blogger

quarta-feira, maio 21, 2008

Comentário: nada tenho a ver com o criticado no artigo abaixo. Não penso como ele, não pertenço a nenhum grupo ao qual ele pertença. Mas gostaria de indicar um vezo dos debates ideológicos brasileiros: quem não concorda tim tim por tim tim com a direita (armada ou parlamentar, porque existiu direita armada no período da ditadura, além das Forças Armadas, claro) ou com a esquerda (armada ou adepta da ação de massas) procede de má fé. Ora, mais de má fé do que os militantes de esquerda armada que, diante das consequências racionalmente previsíveis de seus atos, como, entre muitos outros usar meninos e meninas ainda adolescentes para assaltos e depois, com crueza e covardia extrema, acusaram aquelas crianças de "traição" —não adianta negar, eu estava do Tirandentes e segui um dos casos passo a passo-) desconheço. Tomar uma atitude ou outra sobre o período militar ou sobre os quetomaram armas contra ele, é direito de todos. Ainda aguardo a abertura dos documentos do período, algo que o governo "de esquerda" não quer fazer, para me pronunciar sobre os eventos e as pessoas.

Na "batalha da Maria Antonia" passei noites e dias sentado na esquina da referida Maria Antonia com a Dr. Vilanova, com uma barra de ferro que eu não conseguia levantar. Para nada : eu pesava 54 kilos... Também fiquei na porta da Faculdade de Filosofia, como "segurança" exigindo documentos de identidade de todos os que entravam. Até que um professor, que serviu também como Diretor da Faculdade, Erwin Rosenthal, me deu um tapa nas mãos e me disse "esta é a minha casa, moleque, entro com pleno direito". Me deixando na porta, ele seguiu para o Gabinete da Diretoria. Sobre a escrivaninha, dormia José Dirceu enrolado na bandeira do Brasil. "Acorda vagabundo", disse o professor, dando um pontapé em Dirceu. Porque recordo isso? Porque estas são as minhas lembranças. Mas outros poderiam ver os mesmos fatos com ótica diversa. Não seria má fé deles.

Uma última coisa, quanto à má fé do governo que impera no país. Há coisa de dois anos fui assaltado na Avenida Faria Lima, 24 horas depois de sermos assaltados em nossa casa. Os primeiros ladrões se apresentaram como funcionários da Telefonica, com crachá, uniformes, até mesmo a senha numérica para autorização de entrada em casa (clonaram o telefone, a quadrilha tinha uma central telofonica sofisticada, soubemos quando os seus integrantes foram presos). Fomos à Telefonica para avisar a segurança, para que outros clientes não fossem vítimas também. Fomos péssimamente recebidos na Telefonica, com aqueles atendentes robô que nos disseram :"os senhores precisam estar indo à Rua Sete de Abril, porque são particulares, não firma". Tentei argumentar que eu não tinha "de estar indo" em lugar nenhum, porque queria apenas prestar um serviço aos demais clientes, avisando-os. "Segurança, retire o senhor da fila, porque ele está atrapalhando a mesma". O referido segurança me pediu mil desculpas, mas precisei sair da fila. Pego o carro no estacionamento e somos assaltados na frente da Telefonica, com um 38 na cabeça.

Porque conto esse pequeno drama? Porque ao tentar obter novos documentos de identidade no Poupa Tempo, a funcionária, muito gentil (no papo que tivemos lhe perguntei se era a favor das cotas, posto que era de cor preta, ela bateu com as mãos na mesa e me disse, entre indignada e melancólica : "sou contra e digo aos meus filhos que eles devem entrar na universidade pelos seus méritos, como consegui este emprego pelos meus méritos" fecho o parêntesis) a funcionária me diz : "Interessante: consta de sua ficha policial que o senhor foi preso por terrorismo em 1969, no Cenimar e no Dops, depois no Presidio Tiradentes". Eu replico: "não consta na ficha que eu fui julgado e absolvido por uma Junta Militar, na 2° Auditoria Militar de São Paulo, não consta que fui absolvido por absoluta falta de prova e inexistência de crime?". "Não senhor, só consta a sua prisão e os locais onde o senhor esteve preso". De imediato consultei o Dr. Mario Simas, o anjo que nos livrou de coisas terríveis na cadeia. Ele nada podia informar. Me aquietei. Meses depois, vou à livraria Martins Fontes para comprar alguns livros ingleses (ali existem prateleiras bem fornidas de livros de Cambridge e demais). Fiz as compras, paguei com cheque. O funcionário sobe as escadas rumo ao escritório. Demora algo em torno de 40 minutos. Quando volta, diante da bronca que lhe passei, tenho a resposta "é que o senhor foi preso em 1969, com acusação de terrorismo"...Corri até a estante onde estavam expostos livros brasileiros, peguei um volume do meu Caldeirão de Medéia, mostrei a foto na capa ao rapaz : você acha que se eu fosse ladrão, como é a sua suspeita e a de seu patrão, eu escreveria livros com fotos minhas?

E em outros locais, sempre que apresento a minha identidade, conforme a qualificação do estabelecimento, surge a suspeita, devida à minha ficha.

Contrato um advogado que, após muitas pesquisas, chegou à seguinte situação: para "limpar a ficha" não basta o Habeas data, é preciso pedir anistia. Entrei com o pedido de anistia. E aguardo os resultados.

Pergunto: desde o primeiro governo FHC, passando pelo primeiro governo atual (governos de esquerda, segundo os vários gostos, não o meu) até hoje, é certo, é de boa fé manter fichas assim?

Estou práticamente impedido de sair do país, por um motivo simples: após o 11 de setembro, e após um convenio da policia brasileira com outros países, quando alguém como eu sai do país, sua ficha segue antes dele. Percebem? Imaginem chegar aos EUA ou a outro país onde ocorreram atentados terroristas, com uma ficha de terrorista, sem que os dados da absolvição plena estejam nela contidos.

Boa fé da esquerda? Me desculpem, mas tudo inclina para o juízo contrário.

Penso que antes de usar adjetivos contra os que pensam e escrevem de modo diferente do que pensamos ou escrevemos, mais prudente é lutar para que todos os papéis venham a lume, sem comissões de anistia e quejandos. Até lá, é bom saber que adjetivos são reversíveis. Quem diz que X age de má fé, recebe de Y que também age de má fé. Não existe utilidade para ninguém nesse exercício de xingatórios.

É o que penso.

Roberto Romano



PS: aproveito para convidar a todos para a homenagem a Dom Paulo Arns e seus companheiros religioso de luta contra a ditadura, que será efetivada no Memorial da América Latina. O evento será amplo, mas convido para o debate da mesa redonda do dia 09/06/2008, as 19 horas, segunda-feira, em Homenagem aos humanistas que muito fizeram pela Democracia, e a preservação de vidas humanas no período mais radical do Regime Militar, aos religiosos.

Orador: desembargador Antonio Carlos Malheiros, TJ-SP, e ex-presidente da
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

Palestra inaugural : Prof Roberto Romano, professor de Filosofia e Ética da Unicamp, e autor,
dentre outros, do livro: „Brasil Igreja contra Estado", editora Kayrós,
1979.

Na seqüência as palestras:

Dr Mario de Passos Simas, advogado defensor de presos políticos e
fundador da Comissão de Justiça e paz de São Paulo, e fundador e
presidente do „Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de
São Paulo";

Alexandre Rampazzo, cineasta diretor do filme: „Auto de Fé", Eclipse
Filmes, 2004.
*********************************************************************************

DE FALÁCIAS E MÁ FÉ
Celso Lungaretti (*)



“Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história”, afirmou Marco Antonio Villa, que leciona tal matéria na Universidade Federal de São Carlos, em seu artigo “Falácias Sobre a Luta Armada na Ditadura” (Folha de S. Paulo, 19/05/2008).Confiante nessa facilidade, Villa não se deu sequer ao trabalho de reescrevê-la de com algum apuro, como se constata neste parágrafo, o mais revelador das intenções subjacentes à sua racionália tortuosa:



“Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.”Que grupos praticantes da luta armada existiam antes de 1964, quando golpistas armados acabaram com a democracia no Brasil, destituindo o presidente legítimo, subjugando o Congresso, extinguindo partidos e entidades legais, cassando, caçando e torturando?



Refere-se, talvez, às Ligas Camponesas de Francisco Julião, que buscavam timidamente e sem muita eficácia responder à violência desenfreada dos latifundiários. Ou aos grupo dos 11 brizolistas, constituídos a partir da resistência ao golpe tentado em 1961 e que acabaram servindo apenas como espantalho útil para a propaganda direitista: nem desenvolveram ações características da luta armada, nem conseguiram evitar que a tentativa golpista seguinte fosse vitoriosa.



E quais foram os grupos de luta armada criados “logo depois” de instaurada a ditadura militar? A única ocorrência nessa linha se deu, na verdade, dois anos depois: o início de implantação de focos guerrilheiros por parte de militares expulsos das Forças Armadas, em Caparaó.Descobertos em abril/1967, foram presos antes mesmo de entrarem em ação. Parafraseando Apparício Torelly, Caparaó foi a guerrilha que não existiu...



A luta armada começou a entrar verdadeiramente na pauta da esquerda brasileira a partir da conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade, em agosto de 1967. Mas, entre a conversão de Carlos Marighella a essa tese e as ações concretas, houve um hiato de vários meses.Então, a organização de esquerda que realmente desencadeou a luta armada acabou sendo a VPR, com um assalto a banco que teve toques de comédia de pastelão. No meu livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005), eu reproduzi assim o relato que ouvi de um dos participantes, o marujo Cláudio de Souza Ribeiro (Matos):

— Nós, os ex-militares, estávamos todos sendo procurados, era difícil arrumar emprego. Chegou um ponto em que não havia mais como conseguir dinheiro para o dia a dia. Então, resolvemos expropriar um banco. Naquele momento foi por necessidade mesmo, não como uma opção política. Levamos duas ou três semanas preparando tudo, vigiando a agência, estudando cada detalhe. Adiamos várias vezes, sempre surgia algum imprevisto. Um dia não tínhamos dinheiro mais nem pra comer, então decidimos: é hoje! Lá dentro deu tudo certo. Mas o pessoal estava tão afobado que quase foi embora me deixando pra trás. Tive de correr atrás do veículo...



Segundo o Matos, alguns assaltos depois a VPR decidiu assumir essas expropriações, espalhando panfletos nos locais. E o exemplo foi seguido pelo grupo do Marighella.
O certo é que a luta armada foi secundária, quase irrelevante, ao longo de 1968. Alguns assaltos a bancos e roubo de armamentos, petardos de baixo poder destrutivo colocados na porta do consulado norte-americano e do jornal O Estado de S. Paulo, o carro-bomba lançado contra o QG do II Exército, a morte de um oficial norte-americano que cursava incógnito uma faculdade paulistana. Nem uma centena de militantes envolvidos.



Enquanto isso, as passeatas aconteciam no Brasil inteiro e a maior delas, no RJ, conseguiu reunir 100 mil manifestantes, além dos artistas e intelectuais mais ilustres da época. Os movimentos estudantil (principalmente) e operário é que deram a tônica da resistência à ditadura militar nesse ano de notável ascensão do movimento de massas.
Então, pelo menos em relação a 1968, Villa não está muito longe da verdade ao dizer que “a luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só”. Os militares preferiam minimizá-la e a opinião pública era-lhe indiferente.



Omite, entretanto, que o movimento de massas foi enfrentado com arbitrariedades e violência crescentes por parte da ditadura, começando pelo assassinato do jovem Edson Souto numa inofensiva passeata que tinha lugar num restaurante universitário do Rio de Janeiro.Seguem-se a ocupação militar do município paulista de Osasco, como se o País estivesse em estado de sítio; a sexta-feira sangrenta no RJ, quando 23 pessoas foram baleadas pela repressão e quatro morreram; espancamentos e humilhações a que eram submetidos manifestantes do País inteiro; a generalização das torturas, cada vez mais brutais; a prisão dos cerca de 1.200 universitários que realizavam o congresso da UNE, etc.



Além disso, a ditadura era conivente com a atuação dos grupos paramilitares de direita, que praticaram atentados contra instituições como a OAB e a ABI, seqüestraram a atriz Norma Bengell, espancaram os atores da peça Roda-Viva e assassinaram um secundarista na batalha da rua Maria Antônia (quando agentes das Polícias Civil e Militar que cursavam Direito na Universidade Mackenzie, utilizando armamento privativo de suas corporações, travaram luta desigual com estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que só tinham pedras e rojões para se defender).



O próprio AI-5 foi uma resposta ao discurso que o deputado Márcio Moreira Alves pronunciou numa sessão quase deserta da Câmara Federal e à recusa do Congresso em permitir que ele fosse processado (com medo de que esse precedente abrisse caminho para mais cassações). É indiscutível que, durante todo o ano de 1968, os militares sempre usaram de força desproporcional aos desafios que recebiam, sendo eles os grandes responsáveis pela escalada de radicalização – e não os grupos guerrilheiros, cuja atuação passava quase despercebida.Quanto à existência de um “espaço democrático” entre 1964 e 1968, é uma afirmação tão risível que faz lembrar a piada sobre meia-virgem – tão inexistente quanto a Batalha de Itararé.



Depois que se instalaram no poder com toda truculência (vale lembrar a humilhação e tortura públicas do lendário dirigente comunista Gregório Bezerra, mundialmente repudiadas) e abusaram das arbitrariedades para adequarem o cenário político a seus desígnios, os golpistas sentiram-se seguros para se comportarem como déspotas esclarecidos por uns tempos. Mas, já na repressão bestial às setembradas de 1967 a máscara caiu.Da mesma forma, as artes e o pensamento só foram poupados doobscurantismo enquanto os Torquemadas ainda não haviam aquilatado sua periculosidade. Quando a ficha lhes caiu, impuseram uma censura tão furibunda quanto ridícula (pelas intervenções desastradas em assuntos muito além de sua capacidade de compreensão).



O “fechamento do regime” – eufemismo para o estabelecimento no Brasil de um totalitarismo comparável ao da Alemanha nazista – criou, sim, uma situação em que “não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força”.Com o Legislativo e o Judiciário de mãos atadas, a suspensão do direito de habeas-corpus e a licença para torturar durante 30 dias (prazo de incomunicabilidade que, aliás, os verdugos ultrapassavam a bel-prazer, no meu caso foram 75 dias), o trabalho de massas se tornou suicida para os que o realizavam de peito aberto; e inócuo, no caso dos cautelosos que recorriam a expedientes como o de deixar panfletos nos banheiros de cinemas, restaurantes e locais de trabalho, sem nenhum resultado concreto).



Então, militantes do movimento de massas que não se deixaram intimidar pelo terrorismo de estado, direcionaram-se maciçamente, a partir da assinatura do AI-5, para a luta armada, com os resultados trágicos que todos conhecemos.Aquele famigerado 13 de dezembro foi um divisor de águas. Dali em diante, a ditadura passou a ter como derradeira adversária a vanguarda armada e nela concentrou seu poder de fogo imensamente superior, até aniquilá-la com torturas e assassinatos (incluindo um sem-número de execuções de resistentes rendidos e indefesos).



A simplificação dessa história equivale à sua desfiguração – e o professor Villa sabe muito bem disso. Acreditou que ninguém percebesse a falácia por ele cometida ao estender aos contingentes que ingressaram na luta armada a partir do AI-5 as acusações que faz aos pioneiros.E mesmo com estes foi injusto, ao omitir que os de origem militar foram privados de suas carreiras, perseguidos e levados ao desespero pelo arbítrio instaurado no País, não sendo de estranhar, portanto, que acabassem optando por ações desesperadas. Até para reescrever a história é necessário algum talento. Apenas má fé não basta.

* Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

Arquivo do blog