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quarta-feira, maio 07, 2008

Correio Popular de Campinas 7/5/2008


Elogio aos baianos

Roberto Romano

Desde os anos oitenta do século anterior vou à Bahia em missão acadêmica. O primeiro convite da Universidade Federal teve um responsável brilhante, na mente e alma éticas. Trata-se de José de Oliveira Arapiraca, coordenador da pós-graduação que se instalava na área educacional. Entusiasta do saber, o docente se esforçou por levar ao curso in fieri pessoas competentes de todo o Brasil e do estrangeiro, para garantir o ensino e a pesquisa rigorosos. A cada nova aproximação com Arapiraca, eu me encantava com a sua mente aguda, a pertinácia de sua vontade. Contra muitas dificuldades, a pós-graduação foi instalada e trouxe ganhos para a Bahia, com ressonância positiva no país inteiro.

Coordenador do curso, Arapiraca partiu quase do zero, mas em cada momento de sua batalha testemunhei a confiança mantida por ele face aos alunos, o respeito pelas inteligências, a fé nos processos educativos. E digo, sem medo de errar, que tal atitude era correspondida pelos estudantes. Dei cursos cujo horário seria difícil de ser obedecido à risca, mesmo em terras européias ou norte-americanas. Um deles começava as sete e meia da manhã e tinha seu término por volta de 17 horas. A maioria absoluta dos estudantes estava na sala com a minha chegada. Não apenas presença corporal, mas anímica: testemunhei o interesse refletido sobre tudo o que dizia em aula, dos silogismos complexos aos números, destes às análises epistemológicas, históricas, políticas. Não raro, recebi perguntas árduas de serem respondidas. E tais interrogações são as melhores, como reconhecem os professores retos: se não sabemos a resposta, nos dirigimos aos livros, aos colegas mais informados no assunto. Apenas assim somos dignos do título de professor: aquele que professa a amizade pelo saber, não sabichões supostamente absolutos. Dar aqueles cursos, sob a coordenação diligente de Arapiraca, foi uma das poucas bençãos que recebi na vida universitária. Arapiraca estava sempre perto, queria saber quais problemas surgiam, como os alunos e funcionários respondiam às exigências, etc.

Autor de dois livros essenciais para quem deseja conhecer a história do Brasil e de sua universidade, José Arapiraca dirigia a Faculdade de Educação da UFBA quando deixou este mundo. O primeiro livro a que me referi se intitula A USAID e a educação brasileira: um estudo a partir da abordagem crítica da teoria do capital humano (São Paulo, Cortez, 1982) . Ele é a publicação de um brilhante mestrado, defendido na Fundação Getúlio Vargas do Rio. O segundo, trata do uso indevido de escolas, pela oligarquia bahiana, o ferrete dos oligarcas postos como nomes em estabelecimentos oficiais de ensino (Fisiologismo Político e Qualidade da Educação, Ianama Ed. Salvador, 1988). Sempre que constato o uso indevido de recursos públicos (materiais ou simbólicos) na educação, releio o livro de Arapiraca para entender melhor o fenômeno. E aprendo muito a entender a mente de alguns professores - frutos de um sistema oligárquico - que enunciam coisas tremendas, em triste depreciação da própria universidade. Arapiraca conhecia as deficiências acadêmicas. Lutou para modificar as coisas educacionais baianas. Sua fala era de elevado respeito e carinho pelo povo que mantêm os campi com pesados impostos. Convicto defensor das ciências, das artes, da ética, aquele professor honrou seu nome e honrou sua terra.

O exato contrário vimos na semana passada. Outro coordenador de curso, que deveria diagnosticar mazelas e definir estratégias de resolução, considerou certo acusar discentes pelos pobres resultados em exame de curso. O coordenador levou o insulto ao povo que paga seu salário. “O baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais (cordas), não conseguiria”. Nunca imaginei testemunhar algo assim, nos lábios de um professor universitário. Prova do acerto hegeliano quanto aos intelectuais, o “mundo animal do espírito”. No zoológico do intelecto vivem nobres e inomináveis, como em toda a natureza ou sociedade. Quem despreza sua gente não é nobre. Existe um orgulho autêntico e outro, de arrogância injusta. O primeiro eleva, o segundo trai essência luciferina e termina no rastejo abjeto do pó.

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