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segunda-feira, maio 12, 2008

Zero Hora, por intermédio da Assessoria de Imprensa da Unicamp.

12 de maio de 2008 |
Batalha das estrelas na guerra das cotas
Reserva de vagas

A reserva de vagas para negros em universidades está provocando uma divisão na classe artística e na intelectualidade brasileiras.

Dezenas de celebridades decidiram emprestar o prestígio de sua assinatura a um manifesto favorável às cotas raciais que será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. O documento é uma reação à carta contrária às cotas firmada por 113 intelectuais, artistas e famosos entregue ao Supremo há duas semanas.

A batalha das estrelas tem como finalidade marcar posição e influir em um momento no qual o STF julga duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) que pedem a anulação do sistema de cotas raciais no Programa Universidade para Todos (ProUni) e no vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ambas interpostas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen). Artistas, cientistas e intelectuais saíram da sombra por avaliar que, se a reserva de vagas for confirmada pelo Supremo, abre-se o caminho para sua expansão, com adoção inclusive nos concursos públicos.

Trata-se de um embate de pesos-pesados. Do lado dos anticotas, que se manifestaram por meio do documento intitulado Cento e Treze Cidadãos Anti-racistas Contra as Leis Raciais, encontram-se sindicalistas, empresários, entidades sociais e personalidades como o músico Caetano Veloso, o romancista João Ubaldo Ribeiro e o poeta Ferreira Gullar (veja quadro abaixo).

Os defensores das cotas, que ontem ainda trabalhavam na finalização do documento a ser entregue amanhã, também devem contar com uma constelação de astros. Entre os nomes que já aderiram, segundo entidades que organizavam o manifesto, estariam o arquiteto Oscar Niemeyer, os atores Lázaro Ramos e Wagner Moura, e o ator Paulo Betti. Os pró-cotas escolheram para a entrega do documento o 13 de maio, data que marca os 120 anos da abolição da escravatura no Brasil.

- As pessoas vão se surpreender com os nomes no nosso manifesto, incluindo organizações que nunca se manifestaram sobre o tema. O documento contra as cotas gerou uma reação forte, e as pessoas que são a favor decidiram se posicionar. Nosso manifesto vai mostrar que a principal dimensão da luta de classes hoje no Brasil é a questão étnica - afirmou Douglas Belchior, da coordenação nacional da Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro).

Argumentos de lado a lado debatem conceito de raça

O confronto não é apenas para ver quem amealha partidários mais ilustres. A necessidade de convencer o Supremo deu origem a textos longos, cheios de argumentos. O documento dos anticotas defende que "raças humanas não existem" e que leis raciais criam "privilégios para candidatos arbitrariamente classificados como negros".

- Acho que em nenhuma circunstância o racismo é aceitável. As políticas de inclusão não deveriam ser em cima da cor - opina a professora Maria Cátira Bortolini, coordenadora da Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma das 113 pessoas que assinaram a carta.

Os pró-cotas já anunciam que o seu manifesto será mais extenso do que o dos adversários, terá um viés jurídico e procurará refutar as idéias defendidas na Carta dos 113. Belchior diz que rebaterá a defesa da inexistência de raças:

- Do ponto de vista biológico, raça não existe mesmo. Mas do ponto de vista político elas são muito presentes.

O julgamento das duas Adins já começou, mas foi interrompido com um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. A conclusão do julgamento está adiada por tempo indeterminado.

Duelo de celebridades
Intelectuais e artistas decidiram se posicionar na polêmica envolvendo as cotas raciais. Veja quem está em cada lado:
Signatários do manifesto contra as cotas, já entregue
Aguinaldo Silva (autor de telenovelas), Bolívar Lamounier (cientista político), Caetano Veloso (músico), Ferreira Gullar (poeta), Gerald Thomas (dramaturgo), João Ubaldo Ribeiro (escritor), Lya Luft (escritora), Nelson Motta (escritor) e Ruth Cardoso (antropóloga)
Nomes que constariam do manifesto a favor, que será entregue amanhã
Lázaro Ramos (ator), Luis Felipe Alencastro (historiador), MV Bill (músico), Nelson Pereira dos Santos (cineasta), Oscar Niemeyer (arquiteto), Paulo Betti (ator), Roberto da Matta (antropólogo), Taís Araújo (atriz), Wagner Moura (ator) e Zezé Motta (atriz)
O que o Supremo vai decidir
O Supremo Tribunal Federal está julgando duas ações diretas de inconstitucionalidade, ambas ajuizadas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), que tentam invalidar a reserva
O julgamento é importante porque pode marcar a posição do Supremo em relação a cotas raciais
Uma das ações envolve cotas no Programa Universidade Para Todos (Prouni), do governo federal, que reserva vagas para negros, pardos e indígenas, segundo a proporção dessas populações em cada Estado. O relator, ministro Carlos Britto, votou favoravelmente
A outra ação envolve universidades estaduais do Rio de Janeiro, que por lei local criaram cotas para negros e pardos e para estudantes da rede pública
Contra
Ferreira Gullar
Caetano Veloso
Aguinaldo Silva
João Ubaldo Ribeiro
Ruth Cardoso
A favor
Paulo Betti
Lázaro Ramos
Wagner Moura
Nelson Pereira dos Santos
Oscar Niemeyer

"Não vão criar divisão"
Entrevista: Ferreira Gullar, poeta

Um dos escritores mais importantes do Brasil, o poeta Ferreira Gullar se inflama ao falar das cotas raciais. Signatário do manifesto em que 113 intelectuais e artistas se posicionam contra a reserva de vagas para negros, ele afirmou ontem a Zero Hora que teme por uma guerra racial no país.

Zero Hora - Por que o senhor resolveu se posicionar contra as cotas raciais?

Ferreira Gullar - Porque não posso corrigir uma injustiça cometendo outra injustiça, não posso acabar com a discriminação fazendo outra discriminação. Por que um jovem brasileiro pobre tem de dar lugar a um negro pobre tendo a mesma nota no vestibular? É justo criar condições para todos os brasileiros terem oportunidades iguais, mas basear isso no critério de cor é uma bobagem. Se formos por esse caminho, vamos ter uma guerra racial.

ZH - O senhor teme que a implantação de cotas crie conflitos raciais?

Gullar - A cota por si não cria conflito, mas ela faz parte de um contexto que cria. Agora já se dizem afro-brasileiros. Daqui a pouco as pessoas vão começar a se chamar de nipo-brasileiros, teuto-brasileiros. Não vão mais existir brasileiros. Não precisamos de divisão, precisamos de harmonia. Só porque existe preconceito, vamos ter de criar uma guerra no país? Os negros estão culpando quem? Os senhores de escravos já morreram. Estão alimentando artificialmente no Brasil uma coisa que não existia. Isso só conduz ao conflito.

ZH - O senhor entende que o Brasil é um país racista?

Gullar - O racismo existe, mas guerra racial é outra coisa. Existe preconceito contra negro, como existe preconceito contra gordo, contra baixinho. Temos de corrigir isso, mas não a custo de discriminação.

ZH - Esses manifestos a favor e contra as cotas vão criar uma divisão na sociedade brasileira?

Gullar - Não vão criar divisão. As pessoas têm o direito de pensar. É saudável. A discussão precisa mesmo ocorrer. Tenho a minha posição, mas respeito quem pensa diferente. Quem é a favor das cotas está bem intencionado, quer corrigir a desigualdade que marca a sociedade brasileira por séculos, mas o remédio está errado. O que um garoto branco brasileiro tem a ver com a escravidão no país, que acabou no século 19? Vamos então ser culpados pelo que nossos tataravós fizeram?


"Existe racismo no país"
Entrevista: Paulo Betti, ator

O ator Paulo Betti, conhecido dos brasileiros por papéis no cinema e em telenovelas, confirmou ontem a Zero Hora que assinará manifesto a ser entregue ao Supremo Tribunal Federal para defender as cotas raciais. Na entrevista a seguir, Betti explica por que resolveu se posicionar.

Zero Hora - Por que o senhor decidiu assinar o manifesto em favor das cotas?

Paulo Betti - Esse é um assunto que me interessa muito e do qual me sinto próximo. Tenho convicção de que as cotas são importantes para reparar um sistema que coloca em desvantagem uma parcela da população. Elas são uma tentativa de reequilibrar a situação. Para o exercício da democracia, é necessário que todas as pessoas tenham equilíbrio de condições de correr a raia. Dizer que todos têm as mesmas condições no grid de largada não é verdade. Os negros foram historicamente muito prejudicados.

ZH - A sua participação nesse movimento é uma reação ao manifesto contra as cotas, divulgado dias atrás e assinados por artistas conhecidos?

Betti - Sim. Acho que é preciso se posicionar neste momento. Existem dois pontos de vista, e há necessidade de ocorrer um conflito de idéias. A reação de quem apóia as cotas se tornou necessária, porque, quando se levanta uma opinião, é importante que se levante também quem pensa diferente.

ZH - Esse debate está dividindo a sociedade brasileira?

Betti - Ele divide, mas também é muito positivo. Leva ao pensamento e à reflexão. Chacoalha a sociedade, porque mexe com uma questão muito forte. Questões relacionadas à raça têm raízes em fatos muito violentos no Brasil. O manifesto a favor das cotas é legítimo. É uma expressão de pessoas bem situadas na sociedade e é absolutamente respeitável. Mas a esse manifesto é necessário se contrapor outro, de quem tem um visão oposta, para que aos poucos o Supremo Tribunal Federal e a sociedade brasileira decidam o que é mais justo. Estou me posicionando porque acredito na necessidade das cotas.

ZH - Adversários das cotas costumam dizer que o Brasil não é racista. O senhor discorda?

Betti - Os brasileiros não desejam que exista racismo. Isso é verdade. Mas ele existe. Existe. Minha experiência é de que existe. Cotas são uma tentativa de resolver isso.

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