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domingo, maio 18, 2008

COMENTÁRIO:

PEÇO ÀS PESSOAS HONESTAS QUE AINDA NÃO LERAM A CARTA ABAIXO, QUE O FAÇAM COM UM BALDE AO LADO, PARA OS PREVISÍVEIS ACESSOS DE VÔMITO. E COM MUITOS LENÇOS NAS MÃOS, PARA ENXUGAR AS LÁGRIMAS DIANTE DA MISÉRIA HUMANA. BUKARIN FOI PODEROSO NA URSS. E FOI PODEROSO NO PARTIDO. MAIS PODEROSO DO QUE ELE FOI O MECANISMO BUROCRÁTICO E POLICIAL COMANDADO PELA GENOCIDA STALIN. APESAR DE PRESO "INJUSTAMENTE" (SE PARTICIPOU DE CRIMES DE ESTADO QUANDO ERA PODEROSO, SERIA UMA JUSTIÇA TORTA QUE OS SEUS COMPANHEIROS CRIMINOSOS O CONDENASSEM À MORTE)ELE MOSTRA TODO SEU FASCÍNIO POR "KOBA" O APELIDO DO BANDIDO MAIOR DO ESTADO SOVIÉTICO, POR SUA VEZ ADORADO PELAS MULTIDÕES. AS LETRAS DESSA CARTA TRAZEM AO LEITOR O INFERNO EM SUA FACE NAUSEANTE. TRATA-SE DE UM ESCRITO QUE SINTETIZA O HORROr TOTALITÁRIO, SOBRETUDO O DESEJO ERÓTICO DE AGRADAR O CARRASCO.

NA VÉSPERA DO DEPOIMENTO DE APARECIDO À CPI, VEREMOS AS LETRAS E O ESPÍRITO DE BUKARIN (AINDA MAIS DEGRADADOS, SE ISSO FOR POSSÍVEL), NA FARSA QUE REPETE OS DEPOIMENTOS DE DELUBIO, E QUEJANDOS QUE SEQUER MERECEM NOMEAÇÃO.

A CARTA É CITADA POR MIM NO CONJUNTO DOCUMENTAL LIBERADO DEPOIS DA QUEDA DA URRS E EXTRAÍDA DE FONTE CIENTÍFICA (O INSTITUTO DE HISTÓRIA MANTIDO PELO CONSELHO NACIONAL DA PESQUISA CIENTÍFICA DA FRANÇA) PARA INTEGRAR O CURSO QUE ESTOU MINISTRANDO NESTE SEMESTRE NA UNICAMP.

TENHAM TODOS UMA TRISTE LEITURA. E QUE ELA PERMITA OLHAR O NASCEDOURO DO TOTALITARISMO COM OLHOS MAIS AGUÇADOS.

ROBERTO ROMANO



Assim, se voltarmos ao problema de Bukarine, podemos agora olhar a carta que ele remeteu para Stalin em 10 de dezembro de 1937. Prefiro traduzir o documento segundo a versão francesa acessível na internet. (1)

“Estritamente confidencial .

10 de dezembro de 1937. Pessoal.

Peço a ninguém que leia esta carta sem a autorização de I.V. Stalin.

Para I.V. Stalin Iosif Vissarionovitch !

Eu te escrevo esta carta que, sem dúvida, é minha última carta. Peço-te permissão de escrevê-la, embora esteja preso, sem formalidades, tanto mais que esta carta a escrevo apenas para tua pessoa, e a existência ou não existência desta carta depende apenas de ti...

Hoje é aberta a última página de meu drama, e talvez de minha vida. Hesitei longamente antes de escrever e tremo de emoção, sentimentos aos milhares me submergem e me controlo com muita dificuldade. Mas é precisamente porque estou na beira do precipício que desejo te escrever esta carta de adeus, enquanto ainda é tempo, enquanto sou capaz de escrever, enquanto meus olhos ainda estão abertos, enquanto meu cérebro funciona. Para que não ocorra nenhum malentendido, desejo te dizer desde já que para o mundo exterior (a sociedade)

1- Nada retirarei publicamente- do que escrevi durante a instrução

2- Nada te pedirei quanto ao caso, e tudo o que dele resulta, não te implorarei nada que pudesse desviar o processo que segue seu curso. Mas é para a tua informação pessoal que escrevo. Não quero deixar esta vida sem ter escrito estas últimas linhas a ti dirigidas, pois estou atormentado por muitas coisas que deves saber :

1) Na beira do abismo da qual não existe retorno, eu te dou minha palavra de honra que sou inocente dos crimes que reconheci durante a instrução do processo.

2) Ao fazer meu exame de consciência, posso acrescentar, além de tudo o que já disse no Plenum (Plenum do Comitê Central em 23 de fevereiro de 1937, depois do qual Bukarine e Rykov foram presos) os seguintes elementos, a saber :

a) um dia, ouvi dizer da crítica feita por, me parece, Kouzmine (Vladimir Kouzmine, jovem economista próximo das idéias de Bukarin. Integrava um círculo de economistas que se reunia periodicamente nos inícios dos anos 30, ao redor de Bukarine. Numa dessas reuniões, em 1932 ou 1933, Kouzmine teria dito que era preciso eliminar Stalin fisicamente. Em 1933 a maioria dos “jovens economistas bukarinistas”, entre eles Kouzmine, foram presos pela Guepeou, executados em 1937-1938) mas algum crédito, por menor que seja, a tais propósitos é algo que nunca me veio à cabeça.

b) sobre esta reunião, da qual eu nada sabia (idem, no que é relativo à plataforma de Rioutine (Em março de 1932, Martemian Rioutine redigiu dois textos críticos sobre a política de Stalin desde 1929. Uma “plataforma política” intitulada “Stalin e a crise da ditadura proletária” e um apelo “A todos os membros do Partido”. Preso pela Guepeou, Rioutine foi condenado a pesada pena. Stalin queria que ele fosse condenado à morte, mas outros membros do Politburo foram contra, pois a medida não tinha sido aplicada até então a um dirigente comunista) Aikhenvald me disse algumas palavras na rua, post factum (“os jovens se reuniram, fizeram um relato”) - ou algo de tal gênero. É verdade, reconheço, que então escondi este fato, tive piedade dos “jovens”.

c) Em 1932, joguei jogo duplo com os meus “alunos”. Pensava sinceramente que ou eu os colocaria totalmente na via direta do Partido, ou os afastaria. Eis tudo. Acabo de purificar minha consciência até os menores detalhes. O resto não existiu ou se existiu eu nada sabia dele.

Disse toda a verdade no Plenum, mas ninguém acreditou. Agora, te repito esta verdade absoluta : nos meus últimos anos segui honesta e sinceramente a linha do Partido e aprendi, com meu espírito, a te respeitar e amar.

3) Se eu não tivesse outra “solução” além de confirmar as acusações e os testemunhos dos outros e desenvolve-los : de outro modo não se poderia pensar que eu “não jogava as armas”.

4- Afastadas as circunstâncias exteriores e a consideração 3 (acima), eis o resultado de minhas reflexões sobre tudo o que ocorre, eis a conclusão à qual cheguei :
Há a grande e audaciosa idéia de expurgo geral :

a) em relação à ameaça de guerra b) em relação com a passagem para a democracia. Tal expurgo inclui a) os culpados b) os potencialmente duvidosos. Ele não pode, evidentemente me deixar de lado. Uns são postos em condições de não prejudicar de um modo, outros de outro modo, os terceiros diferentemente. Desta maneira, a direção do Partido não assume risco algum, adquire uma garantia total.

Eu te peço, não penses que ao raciocinar assim comigo mesmo, te endereço alguma crítica. Amadureci, compreendo os grandes planos, as grandes idéias, os grandes interesses são mais importantes do que tudo o mais, e que seria mesquinho colocar a questão de minha miserável pessoa no mesmo plano desses interesses de importância mundial e histórica, que repousam antes de tudo sobre as tuas costas.
Eis o que mais me atormenta, o paradoxo mais insuportável:

5- Se eu estivesse absolutamente seguro de que visses as coisas como eu, então minha alma seria liberada de um peso terrível. Mas o que fazer ? Se é preciso, é preciso ! Mas acredite: meu coração sangra só com o pensamento de que tu possas acreditar na realidade de meus crimes, que possas acreditar, do fundo de tua alma, que sou verdadeiramente culpado desses horrores. Se tal fosse o caso, o que isto significaria ? Significaria que eu mesmo contribuo para a perda de uma série de pessoas (a começar comigo), que eu faço conscientemente o mal! Nesse caso, nada mais é justificado. E tudo se embrulha em minha cabeça, tenho desejos de gritar e bater minha testa nas paredes! Com efeito, nesse caso, sou eu o causador da perda dos outros. Que fazer ? Que fazer ?

6- Não tenho sequer um grama de ressentimento. Não sou cristão. Com certeza, tenho minhas idiossincrasias. Considero que devo expiar pelos anos em que realmente combati como oposição a linha do Partido. Sabes, o que mais me atormenta neste momento, é um episódio que talvez tenhas esquecido. Certo dia, provavelmente durante o verão de 1928, estava em tua casa e me dissestes : sabes porque sou teu amigo? Porque és incapaz de intrigar contra qualquer um. Concordo. E, logo depois, corro para a casa de Kamenev (“primeiro encontro”). Tu acreditarás ou não em mim, neste episódio que me atormenta, pois ele é o pecado original, é o pecado de Judas. Deus meu! Que imbecil, que menino eu era então então! E agora expio por tudo isso com o preço de minha honra e de minha vida. Por isto, perdoa-me Koba. Escrevo e choro. Nada mais me importa, e tu sabes muito bem : apenas agravo meu caso ao te escrever tudo isso. Mas não posso me calar, sem te pedir perdão uma última vez. É por isso que não estou indignado contra ninguém, nem contra a direção do Partido, nem contra os instrutores, e te peço ainda uma vez perdão, embora seja eu punido de tal modo que agora é trevas...

7) Quando eu tinha alucinações, eu te vi muitas vezes e certa feita Nadejda Serguievna (mulher de Stalin, que suicidou em 1932). Ela se aproximou de mim e disse : “O que fizeram convosco, N.I. ? Direi a Iossif para que ele vos ajude”. Tudo era tão real que tive um sobressalto e quase te escrevi para...que me viesses ajudar ! A realidade se mesclava com a alucinação. Sei que Nadejda Serguievna jamais acreditaria que eu poderia pensar mal de ti, e não é por acaso que o inconsciente de meu “ego” infeliz a chamou em meu socorro. Quando penso nas horas que passamos em conversas...Meu Deus, porque não existe um aparelho que permita ver minha alma dilacerada, cortada pelos bicos de pássaros ! Se tivesses apenas podido ver como sou apegado interiormente a ti, não como todos esses Stetski et Tal (Alexis Stetski, redator chefe da revista Bolchevik et Boris Tal’, diretor do departamento de imprensa do Comitê central, redator chefe adjunto de Izvestia). Bem, perdoa-me por toda essa “psicologia”. Não existe mais anjo que possa desviar o gládio de Abraão! Que o destine se cumpra!

8) Permita, enfim, acabar com estes últimos pequenos pedidos :

a)Para mim seria mil vezes mais fácil morrer do que suportar o processo que me aguarda. Não sei como serei capaz de superar minha natureza, eu a conheço. Não sou inimigo do Partido ou da URSS, e faria tudo o que está em meu poder, mas, vistas as circunstâncias, minhas forças estão no nível mais baixo e sentimentos dolorosos afluem para minha alma. Deixando de lado todo sentimento de dignidade e vergonha, estou pronto a me arrastar de joelhos e te implorar que me evites esse processo. Mas sem dúvida, nada mais pode ser feito, e te peço, se ainda é possível, me permitir a morte antes do processo, e no entanto sei que, em tal ponto, és muito severo.

b) Se uma sentença de morte me espera, eu te peço, eu te suplico em nome de tudo o que é caro para tua pessoa, não me fuzilar, quero mesmo absorver veneno (dá-me a morfina, para que eu adormeça e não desperte). Este aspecto das coisas é para mim o mais importante, procuro palavras para te suplicar : politicamente, isso não prejudicará ninguém, ninguém ficará sabendo. Mas ao menos deixa-me viver meus últimos segundos como quero. Piedade! Como tu me conheces bem, compreendes o que desejo dizer. Às vezes, olho a morte com vista lúcida e sei bem que sou capaz de atos de bravura. E às vezes, este mesmo eu é fraco, tão alquebrado que de nada mais é capaz. Então, se devo morrer, quero uma dose de morfina. Eu te suplico.

c) Quero dizer adeus para minha mulher e meu filho. Quanto à minha filha, não vale a pena. Tenho piedade dela, seria muito duro. Quanto à Aniouta, ela é jovem e superará e depois tenho vontade de lhe dizer adeus. Peço poder encontrá-la antes do processo. Por que ? Quando meus próximos ouvirão o que confessei, eles são capazes de colocar um fim aos seus dias. Devo prepará-los, de certo modo. Penso que será melhor também no interesse do assunto, de sua interpretação oficial.

d) Se por acaso minha vida fosse poupada, gostaria (mas seria preciso que eu falasse com minha mulher) de ser exilado na América por X anos. Argumentos pró : eu faria campanha sobre os processos, conduziria uma luta mortal contra Trotsky, conduziria para nós largas camadas da intelligentsia, eu seria praticamente o anti Trotsky e levaria todo o negócio com formidável entusiasmo. Vós poderíeis enviar comigo um tchekista experiente, e, como garantia suplementar, poderíeis guardar na URSS a minha mulher como refém por seis meses, o tempo em que eu demonstraria, com fatos, como quebro a cara de Trotsky e Cia., etc. Se tens um átomo de dúvida sobre esta variante, exila-me mesmo por 25 anos em Petchora ou na Kolyma, num campo. Organizarei uma universidade, um museu zoológico, um jornal do campo. Numa palavra, liderarei um trabalho de pioneiro de base, até o fim dos meus dias, com minha família.

Para falar a verdade, não tenho muita esperança, pois o fato da mudança da diretiva do plenum de fevereiro é pesada de sentido (e vejo bem que o processo não ocorrerá amanhã). Eis, portanto, meus últimos pedidos: (ainda: o trabalho filosófico, que ficou em casa, contem muitas coisas úteis)

Iossif Vissarionovitch ! Perdestes comigo um dos teus generais mais capazes e mais devotados. Mas, bem, tudo passou. Recordo o que Marx escreveu sobre Barclay de Tolly, acusado por Alexandre Iº de o haver traído. Ele dizia que o imperador tinha se privado de um excelente colaborador. Com quanta amargura penso nisso ! Me preparo interiormente para deixar esta vida, e não ressinto, a seu respeito e ao Partido, a respeito de nossa Causa, nada mais que um sentimento de amor imenso, sem limites. Farei tudo o que é humanamente possível e impossível. Te escrevi sobre tudo. Sobre tudo, coloquei os pontos nos i. Eu me avancei, pois ignoro em qual situação estarei amanhã, depois de amanhã, etc.

Neurastênico como sou, talvez serei tomado por uma apatia total e absoluta, de tal modo que serei incapaz de mover o dedo mindinho. Mas agora, a cabeça pesada e com lágrimas nos olhos, ainda sou capaz de escrever. Minha consciência é pura diante de ti, Koba. Peço pela última perdão (um perdão espiritual). Eu te aperto nos meus braços em pensamento. Adeus pelos séculos dos séculos e não guardes rancor deste infeliz.
N. Bukarine

10 de dezembro de 1937.

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1 Arquivos Presidenciais, f. 3, inv 24, dossier 427, f.13-18. Texto publicado em Istocnik (1993), p. 23-25. As notas entre parêntesis são de Nicolas Werth . Na internet, o documento foi publicado no site do Instituto de História do Tempo presente (IHTP), do CNRS. http://www.ihtp.cnrs.fr/spip.php?rubrique56?lang=fr

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