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quinta-feira, setembro 13, 2007

No dia da coisa, infelizmente eu acertei....


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NACIONAL

'Absolvição será desconsolo para a cidadania'

Entrevista: Roberto Romano: professor de Ética e Filosofia da Unicamp. Para Romano, mesmo absolvido, Renan não terá forças para ficar no cargo e custará caro ao governo manter comando da Casa

Gabriel Manzano Filho

Se os 81 senadores absolverem hoje o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o Brasil assistirá a “uma piora ética, um desconsolo da cidadania e, de novo, a prova de que a falcatrua sempre dá frutos”. É o que avalia o professor Roberto Romano, titular de Ética e Filosofia da Unicamp.

A eventual absolvição do senador também trará outro impacto, segundo Romano: mais desperdício de recursos. “Pois, mesmo absolvido, Renan não disporá de forças para comandar o Senado. Sua imagem está no chão e novos processos contra ele vêm por aí. Para manter a presidência, o governo vai ter de investir muito dinheiro.” Descrente do papel que hoje desempenham os senadores, por ele definidos como “estafetas de luxo”, o professor compara o empenho pelo voto secreto na sessão às atividades da Máfia. Em sua opinião, “no Brasil não existe hoje federação nem existe república” e o que melhor define o País é uma frase do filósofo italiano Norberto Bobbio: “Estado que não tem transparência é o anti-Estado. É o que nós temos.” Eis a entrevista:

Se o presidente do Senado, Renan Calheiros, for absolvido, qual será o impacto dessa decisão?

Será uma piora da ética, um desconsolo da cidadania, mais uma volta no parafuso da desconfiança do cidadão nas instituições. Será o reforço do “é dando que se recebe”. Pois o governo não vai conseguir segurar a presidência do Senado e Renan não terá condições de continuar. E para manter a presidência como está será preciso muito dinheiro.

Depois de aprovada a CPMF, não há grandes temas dependendo de votação até 2010.

Mas o Senado continuará sendo o lugar dos estafetas de luxo. Chamo de estafetas porque, salvo raras exceções, eles servem às oligarquias regionais e aos governadores e prefeitos, como emissários junto ao Ministério da Fazenda e vendendo seus votos no plenário. Aí abre-se espaço para uma heterodoxia ética e a falta de transparência, de accountability, que é a capacidade de um sistema de se fiscalizar e deixar-se fiscalizar. Quando decidem que a votação será secreta, acabou a accountability. Aí me ocorre uma definição de Norberto Bobbio: “Estado que não tem transparência é o anti-Estado. É o que temos.”

Que lhe parece o grande empenho de Renan pelo voto secreto?

A imagem que me ocorre é a da Máfia. Ela é uma sociedade secreta. O maior medo dessas organizações é que a imprensa, a Justiça ou o Estado saibam de seus atores e atos. É uma coisa tão séria que, em contatos que tive com figuras do STF, percebi o grande desconforto que os juízes têm com o Poder Legislativo, que está exagerando na disposição para legislar em causa própria. Também acho que não se pode ficar mudando a lei com casuísmos, em cima da hora, mas lembro que tal segredo não faz sentido ao julgar um deputado ou senador. Isso é um sigilo anti-republicano. E há um projeto parado há um ano, no Congresso, sobre o assunto.

Por falar no STF, parece-lhe que transformar em réus os indiciados no mensalão foi caso isolado?

O que percebo é que boa parte dos ministros do Supremo tem clara noção da crise de Estado que estamos atravessando - percepção que não está à vista no Senado, por exemplo. Só para resumir, e sei que é uma expressão pesada, o Estado brasileiro não é uma federação e não é uma república. Não é federação porque os municípios e Estados não são financeiramente autônomos. Isso é tão essencial, na Europa, que foi o motivo pelo qual muitos países não entraram na União Européia. E não é república porque nesta há um padrão de igualdade da cidadania, sobretudo na norma jurídica. E se você tem foro privilegiado, já derrubou a idéia de república.

Fica um pouco melhor se Renan, sendo eventualmente absolvido, renunciar à presidência?

Talvez essa seja uma arrumação menos traumática. Mas não imagino que o herdeiro seja o José Sarney. Pode ficar o Tião Viana, que já é o vice e é um moço de boas maneiras. Mas é sabido que Renan se sente uma espécie de continuador de Sarney no Congresso, e deve haver muitos nós e acordos pelo caminho. Há interesses por trás e esses acertos não desaparecem de repente.

O que o sr. espera que aconteça hoje no Senado?

Minha expectativa é que, dado o segredo da votação, Renan seja absolvido. Com uma margem apertada, mas será.

O sr. nem cogita uma surpresa, como a da votação do mensalão no Supremo Tribunal Federal?

Aquele foi um bom momento, mas acho que as circunstâncias hoje são outras. Para mim seria uma grata surpresa se a decisão fosse pela punição do presidente do Senado. Mas há muitos indícios sobre o jogo do governo para mantê-lo. É grande o temor de que alguém independente assuma seu lugar e atrapalhe as votações.


Quem é:
Roberto Romano

É professor de Ética e Filosofia na Unicamp (SP)

Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études, de Paris. Autor de Moral e Ciência - A Monstruosidade no Século XVIII

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