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domingo, março 23, 2008

Comentário: dou a interpretação de Lungaretti, não por com ela concordo. Pelo contrário. Creio ser preciso analisar o período sem lentes partidárias e sem o desejo, muito natural, de assumir todas as desculpas para o próprio lado, todas as culpas para o outro. O regime era tirânico, ainda hoje sentimos os seus resultados nefastos. A polêmica abaixo é prova. Mas o caminho do terror não era inelutável (digo terror, sim, pois li o Manual do Guerrilheiro Urbano quando ele saiu, e nele existem desenvolvimentos intitulados, pelo próprio autor, como terrorismo). Não era inelutável e foi torcido para um aspecto execrável. Creio ser tempo de dar espaço à pesquisa o mais isenta possível, para que possamos dizer coisas prudentes E verdadeiras. Entendo que feridas ainda estão abertas, mas nada autoriza a justificar procedimentos dos dois lados. Não digo que ambos se equivalem. Quem detinha o monopólio da força física, na época, foi além e praticou torturas e assassinatos. Mas não posso aceitar a tese de uma inocente esquerda, toda ela inocente, cujos atos seriam todos justificáveis e sem culpa. Pregar e usar o terror, insisto, não era o único caminho de resistência à ditadura.

Fica o meu registro, na espera de atitudes menos virulentas de todos os lados. Já temos problemas em demasia, na fragílima democracia brasileira.

Roberto Romano

"Terrorismo

O terrorismo é uma ação, usualmente envolvendo a colocação de uma bomba ou uma bomba de fogo de grande poder destrutivo, o qual é capaz de influir perdas irreparáveis ao inimigo.

O terrorismo requer que a guerrilha urbana tenha um conhecimento teórico e prático de como fazer explosivos.

O ato do terrorismo, fora a facilidade aparente na qual se pode realizar, não é diferente dos outros atos da guerrilha urbana e ações na qual o triunfo depende do plano e da determinação da organização revolucionária. É uma ação que a guerrilha urbana deve executar com muita calma, decisão e sangue frio.

Ainda que o terrorismo geralmente envolva uma explosão, há casos no qual pode ser realizado execução ou incêndio sistemático de instalações, propriedades e depósitos norte-americanos, fazendas, etc.

É essencial assinalar a importância dos incêndios e da construção de bombas incendiárias como bombas de gasolina na técnica de terrorismo revolucionário. Outra coisa importante é o material que a guerrilha urbana pode persuadir o povo a expropriar em momentos de fome e escassez, resultados dos grandes interesses comerciais.

O terrorismo é uma arma que o revolucionário não pode abandonar." (Carlos Marighela, Mini.Manual do Guerrilheiro Urbano, in ARQUIVO MARXISTA NA INTERNET [http://www.marxists.org/portugues/index.htm]

SOBRE HISTORIADORES E ARAPONGAS


Celso Lungaretti (*)


O episódio algoz e vítima, que vem provocando uma discussão tensa desde o dia 12, trouxe à tona acontecimentos dolorosos, mas serviu também para aclarar o papel hoje desempenhado pela grande imprensa e por um de seus expoentes mais destacados. As máscaras foram arrancadas e os leitores, perplexos, vão se dando conta de que formam opinião a partir de informações distorcidas, altamente manipuladas, enquanto os defensores da verdade não encontram tribuna, não têm verdadeiro direito de resposta nem espaço para apresentar o outro lado.

Tudo começou quando o jornalista e historiador Elio Gaspari publicou em sua coluna na Folha de S. Paulo e outros jornais uma diatribe contra a União („Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968", http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1203200806.htm ), por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima Orlando Lovecchio Filho.

Como o primeiro era um militante da Resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna no atentado supostamente por ele cometido, o assunto logo transbordou do circuito habitual do Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.Na madrugada do próprio dia 12, já enviei uma nota ao „Painel do Leitor" da Folha, contestando Gaspari. No entanto, nada saiu no „Painel" dos dias 13 e 14. O que o jornal publicou foi uma notícia com o mesmíssimo viés falacioso da coluna do Gaspari, repercutindo-a: "Vítima de atentado durante ditadura se sente injustiçado ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1403200812.htm ).

No dia 15, a Folha se viu obrigada a reconhecer que, dos quatro militantes apontados por Gaspari como autores do atentado ao consulado estadunidense em 1969, uma era inocente e havia sido, portanto, duplamente caluniada. Então, publicou no „Painel" o esclarecimento de Maurício Maia de Souza ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1503200810.htm ), além de um „erramos" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1503200811.htm ).No dia seguinte, domingo, o ombudsman já estava de volta das viagens que andara fazendo, mas não se referiu ao caso nem na coluna semanal, nem na coluna diária. Noblesse oblige, Gaspari pede desculpas a Dulce Maia ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1603200808.htm ).

No dia 17, é finalmente publicada no „Painel" ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1703200810.htm ) a nota que eu havia enviado na madrugada do dia 12. De tão cortada, fica anódina e facilmente refutável.Então, logo aparece quem a refute: um leitor que alega ter participado da Resistência, mas sem haver aderido à luta armada ˆ e evidenciando hostilidade a quem dela participou ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1803200810.htm ). Este tem tratamento vip, recebendo mais espaço do que eu e sendo publicado de imediato.

Nesse mesmo dia 18, envio à Folha e ao seu ombudsman, bem como a O Globo (que também publica a coluna do Gaspari) e às revistas Veja e Época um artigo que expressava o outro lado, em função de uma importante evolução surgida no caso: outro dos incriminados por Gaspari, Sérgio Ferro, admitiu sua culpa, relatou o episódio e desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia. [Ferro também revelou ter sido processado por Lovecchio e obtido a vitória na Justiça graças aos dois relatórios médicos que apresentou como prova. O primeiro dá conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).]


Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias da Veja e da Época. O que fizeram os veículos, face à evidência de haverem informado mal seus leitores, além de caluniarem dois cidadãos e acusarem falsamente a VPR (Ferro esclareceu que a ação foi, na verdade, da ALN)? Deram desmentido com o mesmo destaque? Nem remotamente. A Folha relegou os esclarecimentos do único participante vivo do atentado ao "Painel" ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1903200810.htm ), contrapondo-os a uma nota em que Lovecchio recorre ao „Auto de Qualificação e de Interrogatório" de Ferro no Deops para tentar desmenti-lo, como se os inquéritos conduzidos com a prática generalizada da tortura, numa nação sob ditadura e terrorismo de estado, fossem aceitáveis para respaldar seja lá o que for quando o Brasil voltou à civilização.

Depois a Folha publicou, no „Painel‰, esclarecimentos do presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, mostrando quão demagógica havia sido a comparação que Gaspari fizera sobre reparações concedidas por duas instâncias diferentes do Estado brasileiro ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2003200810.htm ).Finalmente, Gaspari voltou ao assunto na sua coluna dominical ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2303200807.htm ), comprovando o que, desde o primeiro momento, eu afirmara: suas únicas fontes, ao fazer as capengas afirmações de que „o atentado foi conduzido por Diógenes Carvalho Oliveira e pelos arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, além de Dulce Maia e uma pessoa que não foi identificada‰ e de que se tratava de „um atentado contra o consulado americano, praticado por terroristas da Vanguarda Popular Revolucionária", foram os famigerados inquéritos inquéritos policiais-militares da ditadura.

Destrambelhado, voltou a atacar Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior, quando acreditara que a polêmica marchava para o fim. Que credibilidade espera ter, agindo com tanta incoerência?Como um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensanguentado da ditadura, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de Inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma aparência de veracidade. Já no meu artigo do dia 13 eu me referira a esse fenômeno: "E era muito comum os torturados simplesmente admitirem o que os torturadores pensavam ser verdade, ganhando, assim, uma pausa para respirar. Então, ao ler a versão dos algozes, eu sempre noto que, em cada ação da Resistência, são relacionados muito mais autores do que os necessários para tal operação.

"Para alguém que estava pendurado num pau-de-arara, recebendo choques insuportáveis, é desculpável que respondesse 'sim' quando os carrascos perguntavam se fulano ou sicrano participara de determinado assalto a banco. Fazíamos o humanamente possível para evitar a prisão e/ou morte dos companheiros, mas não estávamos nem aí para o enquadramento penal nos julgamentos de cartas marcadas da ditadura." A última intervenção de Gaspari no debate foi, de longe, a mais desastrosa. Colocou-o ao lado dos torturadores, defendendo o entulho autoritário. Se a inicial arranhou sua imagem de historiador, a final disse muito sobre seu caráter. Afinal, não é qualquer cidadão que desfruta de tal confiança de personagens como Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, a ponto de ser por eles escolhido para trombetear suas desculpas esfarrapadas pelo papel histórico que desempenharam, como protagonistas do arbítrio. O entulho autoritário - Se esse episódio deplorável serviu de algo, foi para comprovar, definitivamente, que o entulho autoritário deve ficar no lugar a que pertence: a lata de lixo da História.

Um regime de exceção utilizou práticas hediondas para investigar a ação dos resistentes que a ele se opunham e os inquéritos assim produzidos serviram para condenar patriotas, heróis e mártires em tribunais militares, com oficiais das Forças Armadas fazendo as vezes de jurados, o que atropelava flagrantemente o direito de defesa. O quadro era tão kafkiano que, num julgamento em que fui réu, o advogado de ofício designado para um companheiro apresentou-se completamente embriagado e começou sua peroração não falando coisa com coisa. O juiz auditor o expulsou da sala e mandou que outro advogado de ofício improvisasse a defesa, imediatamente, mal tendo tempo para ler os autos. O julgamento prosseguiu.
A Lei da Anistia de 1979 sustou os efeitos concretos desses julgamentos e as ações seguintes do Estado brasileiro, como a constituição das comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos, evidenciaram que os antes tidos como criminosos passaram a ser considerados, oficialmente, vítimas.

Enfim, os IPMs foram, tão-somente, a versão que um inimigo apresentava do outro, para dar aparência de legalidade ao que não passava de arbitrariedade, sem compromisso nenhum com a verdade e a justiça. Qual a credibilidade de um regime que fez afixarem-se em logradouros públicos do País inteiro, em meados de 1969, cartazes me acusando de „terrorista assassino‰ que teria „roubado e assassinado vários pais de família", embora eu fosse um dirigente e nunca um homem de ação?

Mas, para aqueles militares, a verdade não existia em si. Só lhes interessava a verdade operacional, as versões mais adequadas a seus objetivos na guerra psicológica que travavam. Passadas quatro décadas, essas versões unilaterais, fantasiosas e espúrias infestam a internet, chegando até a impregnar textos jornalísticos ˆ por má fé dos seus autores ou por preguiça de profissionais que preferem colher subsídios nos sites de busca do que nos arquivos de seus próprios veículos, acabando por comer na mão dos Brilhantes Ustras da vida.

Então, é mais do que tempo da imprensa se compenetrar que, sem uma sentença lavrada por um tribunal na vigência plena do estado de direito, ninguém pode ser apontado taxativamente nos textos jornalísticos como „terrorista" ou autor de tais ou quais crimes com motivação política. Os repórteres, comentaristas, articulistas e editorialistas que agirem de outra forma, estarão coonestando a prática de torturas e os julgamentos realizados por tribunais de exceção.E, já que nada do que Gaspari contrapôs pode ser aceito pelos homens decentes que não aceitam mancomunar-se com práticas hediondas, subsiste o fato de que uma versão distorcida e panfletária do episódio teve enorme destaque editorial e, conseqüentemente, ampla repercussão, enquanto as informações que repuseram a verdade dos fatos ficaram, quando muito, jogadas na seção de cartas.

Que cada um tire suas conclusões acerca dessa praga que cada vez mais se alastra pela imprensa brasileira: a burla do direito de resposta e a tendenciosidade no tratamento editorial, não se expondo convenientemente o outro lado ou omitindo-o por completo.

· Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista, escritor e ex-preso político. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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