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quarta-feira, junho 04, 2008

CORREIO POPULAR DE CAMPINAS 05/06/2008


Publicada em 4/6/2008


O anti-semitismo e suas faces


Roberto Romano

O Estado de Israel agrega sete milhões e duzentos mil habitantes, dos quais cinco milhões e trezentos são judeus, um milhão e quatrocentos árabes, quatrocentos de outras origens. A maioria dos judeus seguiu para a região após perseguições e massacres que chegaram ao genocídio de seis milhões dos seus irmãos. Após 60 anos de existência, o país sofre violências mascaradas de anti-sionismo, quando na verdade trata-se de virulento anti-semitismo. Cérebros sem prudência tentam por todos os meios impedir que os filhos de Abraão tenham uma pátria e possam lutar para evitar um novo Holocausto. O imaginário ideológico está cheio de muitas desculpas dos que vivem o mesmo ódio racista que nutriu, já antes do totalitarismo, as elites ocidentais e orientais.

Como hoje as cotas em favor dos negros estão na ordem do dia, recordo que os Estados Unidos da América, fonte de inspiração das citadas cotas, as instituiu para os judeus por volta de 1920. Só que em vez de serem chaves para a inclusão acadêmica, elas eram negativas. Existiam cotas com números máximos para o ingresso de judeus na Universidade de Yale, o alvo era diminuir o número de judeus no campus. Mesmo em outras universidades norte americanas imperou tal política de exclusão. (Oren, D.A. Joining the Club: a History of Jews at Yale, New Haven, Yale Univ. Press, 1985).

Não se trata de um setor “pouco esclarecido”, para usar o jargão dos conservadores de todos os matizes. Temos naquela prática a posição de mestres renomados no mundo acadêmico, em especial nos estudos clássicos. Se a vida nas universidades, como enuncia Hegel na Fenomenologia do Espírito, é o reino animal onde os indivíduos são nutridos com a carne do “colega”, se ali as manadas têm suas lideranças que ensinam aos do rebanho quem deve ser estraçalhado ou acarinhado, não surpreende encontrar o racismo anti semita nos departamentos escolares.

Uma carta foi encontrada em 1980, na gaveta do professor Harry Caplan, de Cornell, durante muito tempo o único professor judeu com a tenure (estabilidade) nos estudos clássicos da famosa Ivy League. Ele ensinou de 1924 a 1980. Entre seus trabalhos, é relevante a tradução da ciceroniana Rethorica ad Herenium (Loeb Classical Series). Em 1919 o docente se candidatou ao lugar de professor na Universidade. Recebeu uma carta, que traduzo literalmente: “Meu caro Caplan: quero apoiar a opinião do professor Bristol e lhe aconselhar vivamente a seguir rumo ao ensino secundário. As oportunidades para os cargos na faculdade, nunca suficientes, agora são poucas e provavelmente diminuirão. Não posso encorajar ninguém na busca de assegurar um emprego na faculdade. Existe, além disso, um preconceito muito real contra o judeu. Não partilho pessoalmente tal atitude, estou certo que o mesmo é verdadeiro em se tratando de todo o pessoal daqui. Mas vimos tantos judeus bem preparados falhar na busca de empregos que semelhante fato nos forçou a tanto. Lembro Alfred Gudeman, E.A. Loew - brilhantes acadêmicos de reputação internacional, e mesmo assim incapazes de obter um cargo na faculdade. Sinto que é errado encorajar qualquer um a se devotar a longos estudos, caminhos escarpados cuja pista é barrada por um inegável preconceito racial. Nesse assunto, unem-se a mim todos os meus colegas dos Estudos Clássicos que me autorizaram a colocar suas assinaturas, com a minha, nesta carta. Assinado: Charles E. Bennet, C.L. Durham, George S. Bristol, E. P. Andrews. 27/3/1919, Ithaca”. O documento foi publicado no Cornell Alumni News (número 84, 9/Julho 1981, página 7). O documento é reproduzido por Martin Bernal, num texto que deveria ser lido por todos os que afirmam lutar contra o racismo, mas que na defesa dos movimentos negros não hesitam um instante em usar teses racistas contra os judeus, sempre com o disfarce da crítica ao sionismo. Eu me refiro ao livro Black Athena, the Afroasiatic Roots of Classical Civilization (New Jersey, Rutgers University Press, 1987).

Lutar contra o racismo é lutar contra todos os racismos. E disto, boa parte dos intelectuais empenhados está muito longe.

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