"Quem pode prescindir de liberdade essencial,
por causa de uma segurança temporária,
não merece nem a liberdade,
nem a própria segurança"
(Benjamin Franklin)
não merece nem a liberdade,
nem a própria segurança"
(Benjamin Franklin)
Recebi o texto abaixo do amigo Alvaro Caputo. O escrito dá muito o que pensar, e acicata a reflexão. Sou grato ao Alvaro, porque ele continua a nos trazer coisas relevantes, não xingatórios como é a moda na esquerda ou na direita "empenhadas".
Já narrei minha posição quanto ao problema, ao recordar neste Blog a época de cadeia, na ditadura. Notei, com horror, que pessoas recem saidas do pau de arara, do trono do dragão e de outras técnicas de arrancar confissões, aquelas mesmas pessoas JUSTIFICAVAM a tortura em nome da eficácia bélica, política, etc. E sempre vinha a interminável exemplificação: "se numa aldeia do Vietnã, fossem presos soldados americanos e se os guerrilheiros soubessem de planos para invadir a aldeia, e os yankees tivessem informações, você não torturaria para salvar os camponeses?". E a minha resposta era (e ainda é) a mesma: Não. Penso, neste campo, com Imanuel Kant e com o imperativo categórico. Se não temos coragem e caráter para seguir o referido imperativo, não temos o direito de afirmar que ele pode ser "relativizado". Cada passo na concessão teórica e moral, no sentido de justificar atentados à dignidade humana, seja qual for a desculpa, é uma viagem sem volta à barbárie. Uma barbárie sábia e prudente, não raro refinada, mas sempre pior do que a dos ditos povos primitivos.
Se existem de fato ciências da psicologia, e se os seus métodos são pelo menos aproximadamente certos, então é possível conseguir confissões sem estraçalhar corpos.
Não acho que terroristas devam ser postos em redomas de segurança pessoal, pois eles escolhem (será mesmo que escolhem, ou é-lhes aplicada uma lavagem mental monstruosa, seja pelos aiatolás seja pelos militantes?) a insegurança alheia e, por conseguinte, a própria. Se torturam, e se isso for provado, sou favorável à pena de morte. Se esta última não tem poder persuasivo, ignoro qual outro meio o terá. Mas a tortura, além de nunca trazer dados confiáveis, permite formar técnicos que, a exemplo de alguns médicos, dentistas e outros, se acostumam à prática e depois de certo tempo não sabem mais distinguir quem torturam. Na ditadura, muitos vizinhos de torturadores se queixavam das pancadarias que os ditos torcionários aplicavam em suas mulheres e filhos. Alguns foram denunciados...à polícia, pela prática. Pobres mulheres e crianças! A situação delas piorou depois das denúncias.
Os deuses têm fome. E também os demônios. E têm fome da dignidade humana. Quanto mais puderem nos retirar este pedaço de dignidade, mais eles o farão. Atos aparentemente inócuos podem criar servidão sem fim. Foi o que aconteceu no nazismo, no stalinismo, no fascismo, no Camboja e em muitos lugares malditos.
Entre a suposta eficácia e a nossa dignidade, prefiro a segunda. "Eles torturam" não pode ser desculpa ética para o "nós torturamos". No instante em começamos a aceitar aquela prática, "eles" já puseram suas patas imundas em nós. Nós somos eles, eles são a nossa imagem. "Eu é um outro", Rimbaud sabia das coisas. Os terroristas ignoram a dignidade, porque ignoram a liberdade, o saber, a amizade. Eles vivem solitários com o seu Deus, que ordena matar, torturar, massacrar todos os inimigos. Se aceitarmos a tortura, seremos terroristas.
E se o destino da guerra contra o terror depende da nossa adesão ao terror, não vejo saída para o ser humano."A tortura é sempre tolerável". Tal frase, com muita probabilidade, brota dos lábios de quem nunca foi torturado, ou jamais torturou. Seria interessante a sua adesão à mesma frase se fosse obrigado a torturar sua mãe, sua filha, seu filho. A boca aceita qualquer frase, mesmo as piores. Assim também a tecla do computador e a sua tela. Diante da efetiva tortura, teremos a verdade, tremenda. Certa feita, em Paris, fui assistir o filme Salô de Pasolini. Notei que rápidamente a sala se esvaziava dos intelectuais bem pensantes que adoravam citar Sade e falar sobre "crueldade". É isso aí, entre a palava a coisa, existe a insustentável dureza do ser. A parolagem, no entanto, não é inocente. Frases como esta "a tortura é sempre tolerável", apenas justificam o procedimento envilecedor. Neste caso, tenho mais respeito pelos carrascos, porque eles sabem do que falam e pagam um preço terrível pelo que fazem, ou são obrigados a fazer. Não posso respeitar intelectuais que, sob pretexto de "interpretação" histórica, lógica e outras, saltam levemente dos vocábulos à coisa. E a justificam com a sua "compreensão". Ninguém foi mais "compreensivo" com os ditadores Stalin, Hitler, e outros, dos que os intelectuais para quem o holocausto era tolerável. Claro, o corpo não era deles, mas dos seis milhões de judeus, ciganos e outras vítimas da Gestapo, da KGB, ou de outras notáveis fábricas de tortura.
É algo assim que disse, sempre, aos presos políticos torturados que defendiam a tortura como arma política. A resposta que me davam rezava que eu era um "pequeno burguês principista". Ainda hoje sou um pequeno burguês principista. Mas não sou terrorista.
Última nota: é por tal motivo que não desculpo a ex-querda que hoje está no poder. Antes, ela era o exército dos anjos, dos que não tinham nenhum defeito ético. Com as concessões realistas, ela começou a ser como os outros. No começo, a confissão era timida. Hoje, ela se escancara nas falas safadas dos que mimetizam aquele fulaninho que afirma ser "hipocrisia" seguir a lei. Hoje, a falange angélica é pior do que a horda dos antigos sicofantas da república. Perto dos donos atuais do poder, Maluf é um santo. E, alías, integra a base aliada do governo, com muita propriedade.
Roberto Romano
Já narrei minha posição quanto ao problema, ao recordar neste Blog a época de cadeia, na ditadura. Notei, com horror, que pessoas recem saidas do pau de arara, do trono do dragão e de outras técnicas de arrancar confissões, aquelas mesmas pessoas JUSTIFICAVAM a tortura em nome da eficácia bélica, política, etc. E sempre vinha a interminável exemplificação: "se numa aldeia do Vietnã, fossem presos soldados americanos e se os guerrilheiros soubessem de planos para invadir a aldeia, e os yankees tivessem informações, você não torturaria para salvar os camponeses?". E a minha resposta era (e ainda é) a mesma: Não. Penso, neste campo, com Imanuel Kant e com o imperativo categórico. Se não temos coragem e caráter para seguir o referido imperativo, não temos o direito de afirmar que ele pode ser "relativizado". Cada passo na concessão teórica e moral, no sentido de justificar atentados à dignidade humana, seja qual for a desculpa, é uma viagem sem volta à barbárie. Uma barbárie sábia e prudente, não raro refinada, mas sempre pior do que a dos ditos povos primitivos.
Se existem de fato ciências da psicologia, e se os seus métodos são pelo menos aproximadamente certos, então é possível conseguir confissões sem estraçalhar corpos.
Não acho que terroristas devam ser postos em redomas de segurança pessoal, pois eles escolhem (será mesmo que escolhem, ou é-lhes aplicada uma lavagem mental monstruosa, seja pelos aiatolás seja pelos militantes?) a insegurança alheia e, por conseguinte, a própria. Se torturam, e se isso for provado, sou favorável à pena de morte. Se esta última não tem poder persuasivo, ignoro qual outro meio o terá. Mas a tortura, além de nunca trazer dados confiáveis, permite formar técnicos que, a exemplo de alguns médicos, dentistas e outros, se acostumam à prática e depois de certo tempo não sabem mais distinguir quem torturam. Na ditadura, muitos vizinhos de torturadores se queixavam das pancadarias que os ditos torcionários aplicavam em suas mulheres e filhos. Alguns foram denunciados...à polícia, pela prática. Pobres mulheres e crianças! A situação delas piorou depois das denúncias.
Os deuses têm fome. E também os demônios. E têm fome da dignidade humana. Quanto mais puderem nos retirar este pedaço de dignidade, mais eles o farão. Atos aparentemente inócuos podem criar servidão sem fim. Foi o que aconteceu no nazismo, no stalinismo, no fascismo, no Camboja e em muitos lugares malditos.
Entre a suposta eficácia e a nossa dignidade, prefiro a segunda. "Eles torturam" não pode ser desculpa ética para o "nós torturamos". No instante em começamos a aceitar aquela prática, "eles" já puseram suas patas imundas em nós. Nós somos eles, eles são a nossa imagem. "Eu é um outro", Rimbaud sabia das coisas. Os terroristas ignoram a dignidade, porque ignoram a liberdade, o saber, a amizade. Eles vivem solitários com o seu Deus, que ordena matar, torturar, massacrar todos os inimigos. Se aceitarmos a tortura, seremos terroristas.
E se o destino da guerra contra o terror depende da nossa adesão ao terror, não vejo saída para o ser humano."A tortura é sempre tolerável". Tal frase, com muita probabilidade, brota dos lábios de quem nunca foi torturado, ou jamais torturou. Seria interessante a sua adesão à mesma frase se fosse obrigado a torturar sua mãe, sua filha, seu filho. A boca aceita qualquer frase, mesmo as piores. Assim também a tecla do computador e a sua tela. Diante da efetiva tortura, teremos a verdade, tremenda. Certa feita, em Paris, fui assistir o filme Salô de Pasolini. Notei que rápidamente a sala se esvaziava dos intelectuais bem pensantes que adoravam citar Sade e falar sobre "crueldade". É isso aí, entre a palava a coisa, existe a insustentável dureza do ser. A parolagem, no entanto, não é inocente. Frases como esta "a tortura é sempre tolerável", apenas justificam o procedimento envilecedor. Neste caso, tenho mais respeito pelos carrascos, porque eles sabem do que falam e pagam um preço terrível pelo que fazem, ou são obrigados a fazer. Não posso respeitar intelectuais que, sob pretexto de "interpretação" histórica, lógica e outras, saltam levemente dos vocábulos à coisa. E a justificam com a sua "compreensão". Ninguém foi mais "compreensivo" com os ditadores Stalin, Hitler, e outros, dos que os intelectuais para quem o holocausto era tolerável. Claro, o corpo não era deles, mas dos seis milhões de judeus, ciganos e outras vítimas da Gestapo, da KGB, ou de outras notáveis fábricas de tortura.
É algo assim que disse, sempre, aos presos políticos torturados que defendiam a tortura como arma política. A resposta que me davam rezava que eu era um "pequeno burguês principista". Ainda hoje sou um pequeno burguês principista. Mas não sou terrorista.
Última nota: é por tal motivo que não desculpo a ex-querda que hoje está no poder. Antes, ela era o exército dos anjos, dos que não tinham nenhum defeito ético. Com as concessões realistas, ela começou a ser como os outros. No começo, a confissão era timida. Hoje, ela se escancara nas falas safadas dos que mimetizam aquele fulaninho que afirma ser "hipocrisia" seguir a lei. Hoje, a falange angélica é pior do que a horda dos antigos sicofantas da república. Perto dos donos atuais do poder, Maluf é um santo. E, alías, integra a base aliada do governo, com muita propriedade.
Roberto Romano
http://brunogarschagen.com/
A tortura nem sempre é intolerável?
Junho 07th, 2008 | Category: Direitos humanos
Hoje participei, pelo mestrado, da última aula do seminário „Os Direitos Humanos nas Relações Internacionais". O último módulo de discussão tinha como tema A Pena de Morte e a Tortura. No fim das contas, baseado na sessões anteriores, algumas reflexões, com mais dúvidas do que certezas, que gostaria de dividir com vocês:
1) Com a queda da União Soviética achou-se que, com o „fim da história", tudo ia dar certo e o caminho era paivmentado de tijolos de ouro que levava até Oz. Mas a ação humana não segue a teoria. Uma das falácias do racionalismo é achar que pode ter o controle dos eventos só porque chegou à conclusão antecipada de que 2 + 2 é igual a 4.
2) Como os acontecimentos pós Guerra-Fria mostraram que o mundo não era feito só de anjos e o comportamento dos países era mais complexo do que se desejava, veio o terrorismo e a necessidade de combatê-lo. Um dos instrumentos usados para obter informações é a tortura. E daí a segunda e exasperante descoberta: além de o mundo não ser feito só de anjos, havia situações em que precisaríamos nos comportar como demônios; não só houve a descoberta de que era preciso lançar mão da tortura como éramos capazes de cometê-la.
3) Nem a tortura nem a pena de morte são novidades na história humana. Mas a pena de morte obteve um status (ainda) não concedido à tortura. A pena de morte é institucionalizada em vários cantos do planeta; a tortura, embora se saiba onde ela é realizada, sempre está oculta em respeito ao pacto de silêncio estabelecido tacitamente entre autoridades e cidadãos. Acontece nas delegacias, nas prisões, nos campos de concentração. O debate sobre a tortura incomoda tanto porque expõe a face satânica da sociedade civil. De certa forma, achamos que a tortura é aplicável em alguns casos, mas não queremos saber quais são e nem mesmo se ela é realizada.
4) No caso da tortura usada contra terroristas com a finalidade de obter informações, que foi objeto da discussão na aula, o debate teve que vir a público. Em muitos casos, a discussão intelectual oscila entre as ponderações dos aspectos utilitários e dos fundamentos morais contra e a favor. No ensaio The Truth about Torture , Charles Krauthammer levanta um ponto importante ao abordar o caso de Khalid Sheikh Mohammed : diante do princípio de que a tortura nem sempre é intolerável o argumento não é se a tortura é sempre tolerável, mas quando será. E isso leva a uma questão moral que também está diretamente ligada à questão dos direitos humanos: se a tortura é utilizada sob certas circunstâncias, algumas indagações saltam da panela como pipoca:
a) Quando e como se legitima a tortura?
b) Em que momento a tortura é a alternativa?
c) Quem deve ser torturado?
d) Qual é o dilema moral das democracias liberais? Se os inimigos (terroristas) usam a tortura como método, nos é moralmente lícito usá-la como instrumento de defesa e prevenção?
Neste momento de estudos e análise só tenho indagações e esboços de respostas que vou dividindo com vocês ao longo de mais esta conversação.
A tortura nem sempre é intolerável?
Junho 07th, 2008 | Category: Direitos humanos
Hoje participei, pelo mestrado, da última aula do seminário „Os Direitos Humanos nas Relações Internacionais". O último módulo de discussão tinha como tema A Pena de Morte e a Tortura. No fim das contas, baseado na sessões anteriores, algumas reflexões, com mais dúvidas do que certezas, que gostaria de dividir com vocês:
1) Com a queda da União Soviética achou-se que, com o „fim da história", tudo ia dar certo e o caminho era paivmentado de tijolos de ouro que levava até Oz. Mas a ação humana não segue a teoria. Uma das falácias do racionalismo é achar que pode ter o controle dos eventos só porque chegou à conclusão antecipada de que 2 + 2 é igual a 4.
2) Como os acontecimentos pós Guerra-Fria mostraram que o mundo não era feito só de anjos e o comportamento dos países era mais complexo do que se desejava, veio o terrorismo e a necessidade de combatê-lo. Um dos instrumentos usados para obter informações é a tortura. E daí a segunda e exasperante descoberta: além de o mundo não ser feito só de anjos, havia situações em que precisaríamos nos comportar como demônios; não só houve a descoberta de que era preciso lançar mão da tortura como éramos capazes de cometê-la.
3) Nem a tortura nem a pena de morte são novidades na história humana. Mas a pena de morte obteve um status (ainda) não concedido à tortura. A pena de morte é institucionalizada em vários cantos do planeta; a tortura, embora se saiba onde ela é realizada, sempre está oculta em respeito ao pacto de silêncio estabelecido tacitamente entre autoridades e cidadãos. Acontece nas delegacias, nas prisões, nos campos de concentração. O debate sobre a tortura incomoda tanto porque expõe a face satânica da sociedade civil. De certa forma, achamos que a tortura é aplicável em alguns casos, mas não queremos saber quais são e nem mesmo se ela é realizada.
4) No caso da tortura usada contra terroristas com a finalidade de obter informações, que foi objeto da discussão na aula, o debate teve que vir a público. Em muitos casos, a discussão intelectual oscila entre as ponderações dos aspectos utilitários e dos fundamentos morais contra e a favor. No ensaio The Truth about Torture