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quarta-feira, junho 18, 2008

CORREIO POPULAR DE CAMPINAS

Publicada em 18/6/2008

Roberto
Soberania e Filosofia (2)

ROMANO

Marca de estilos e de pensamento complexos, ligados aos matizes da reflexão filosófica, no livro do professor Ari Marcelo Solon (Teoria da soberania como problema da norma jurídica e da decisão, Sergio Antonio Fabris Ed., 1997) encontramos as figuras de Hans Kelsen e a de Carl Schmitt, expostas quase sempre apenas como antitéticas em comentários antigos e recentes. Solon busca pontos cruciais dos juristas, deixa as sendas batidas ensinadas nos cursos acadêmicos em proveito de prismas pouco examinados.

Ao expor a idéia da vida política, por exemplo, Solon mostra o quanto o jovem Schmitt ainda guarda aspectos da filosofia neo-kantiana. “Não existe nenhum outro Estado que não o Estado de Direito... isso porque na justaposição do Estado com o direito, o Estado é totalmente abarcado e determinado pelo direito e elevado, por inteiro, à sua esfera”. Comenta Solon: “exatamente como em Kelsen”. Ou, diríamos, como em Norberto Bobbio ao criticar o “velho” Schmitt. O trecho de Bobbio é saboroso, pois inicia seu ataque a Schmitt com forte ironia contra a esquerda que, na Europa e no Brasil, namora o decisionismo. “Como todo ‘ismo’, o ‘decisionismo’ designa não um fato, não um comportamento, nem uma série de fatos ou de comportamentos, mas uma teoria, a teoria jurídica do escritor de direita, Carl Schmitt, conhecida há muito tempo (...), redescoberta nos últimos anos, e posta em circulação, não sabemos bem com quais intenções, por alguns juristas e escritores políticos de esquerda, em polêmica com a teoria meramente formal da democracia (a única, no meu entender, sensata e aceitável), mesmo a preço de andarem abraçadinhos (a braccetto) com a velha (e nova, mas não renovada) direita reacionária. Segundo Schmitt, as normas jurídicas não são, como sempre sustentaram os defensores do Estado de direito, ou do Estado no qual o poder político é submetido ao direito, o produto de um poder autorizado a criar direito segundo as normas de uma constituição que estabelece quem possui o poder de emanar normas jurídicas e com quais procedimentos, mas são (ou deveriam ser) o produto de uma pura decisão do poder enquanto tal. Em suma, o decisionismo é uma teoria do direito que se contrapõe a uma outra teoria do direito, o chamado normativismo, e se contrapõe porque sustenta o primado da política sobre o direito, enquanto os defensores do Estado de direito e da democracia como conjunto de regras do jogo para a formação da vontade política, sustentam ao contrário o primado do direito sobre a política.” (“Non è decisionismo”, in L´ Utopia Capovolta, Torino, La Stampa, 1990, p. 55).

Solon sublinha a distinção entre decisionismo e defesa da supremacia do direito sobre o político. Mas demonstra que nem sempre os campeões da segunda teoria perceberam, a tempo, falhas políticas gravíssimas no Estado democrático. Laivos de realismo político são indicados, pelo autor, nos escritos de Kelsen, quando o jurista discute a democracia parlamentar. Schmitt caracteriza a última como “aparato vazio, que vive graças a uma inércia puramente mecânica”. Tal lado, bem romântico aliás, foi discutido por John P. MacCormick em Carl Schmitt’s Critique of Liberalism, against politics as technology (Cambridge, University Press, 1997, sobretudo nos capítulos Antinomies of technical thought).

Contra a figura desprovida de sentido orgânico da representação política, Schmitt invoca o carisma do líder, condutor e protetor da massa nacional. Mas Kelsen tomba na armadilha do crítico extremado dos parlamentos. Diz ele, citado por Solon, que “o sentido objetivo da dialética do parlamentarismo não é, de modo algum, o resultado de uma verdade absoluta - que é sempre inalcançável - ou de uma verdade estatal absolutamente justa, mas a consecução de uma ‘via média’ entre os interesses da maioria e o da minoria: é o compromisso político”. Solon mostra os frutos dessa “pequena” concessão ao realismo nas páginas densas e lúcidas que dedica ao exame do artigo 48 da Constituição de Weimar. O próprio Kelsen não percebeu o perigo daquele artigo, ou só o percebeu demasiado tarde.

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