Ato assinado por ocasião da Audiência Privada do Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva com Sua Santidade o Papa Bento XVI - Vaticano, 13
de novembro de 2008
ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ RELATIVO AO
ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
A República Federativa do Brasil
e
A Santa Sé
(doravante denominadas Altas Partes Contratantes),
Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica,
regida pelo Direito Canônico;
Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil
e suas respectivas responsabilidades a serviço da sociedade e do bem
integral da pessoa humana;
Afirmando que as Altas Partes Contratantes são, cada uma na própria
ordem, autônomas, independentes e soberanas e cooperam para a
construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna;
Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e no
Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu
ordenamento jurídico;
Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de
liberdade religiosa;
Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício
dos cultos religiosos;
Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já
existentes;
Convieram no seguinte:
Artigo 1º
As Altas Partes Contratantes continuarão a ser representadas, em suas
relações diplomáticas, por um Núncio Apostólico acreditado junto à
República Federativa do Brasil e por um Embaixador(a) do Brasil
acreditado(a) junto à Santa Sé, com as imunidades e garantias
asseguradas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18
de abril de 1961, e demais regras internacionais.
Artigo 2º
A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de
liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de
desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de
suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro.
Artigo 3º
A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da
Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem
tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que
não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais
como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses,
Dioceses, Prelazias Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras
Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas
Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para
os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e
Sociedades de Vida Apostólica.
§ 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir
todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.
§ 2º. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será
reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição
no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação
brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou
registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as
alterações por que passar o ato.
Artigo 4º
A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil
dependerá de Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro.
Artigo 5º
As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo
3º, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e
solidariedade social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de
todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às
entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento
jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações
exigidos pela legislação brasileira.
Artigo 6º
As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e
cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos
seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio
cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar,
valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de
propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas
eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu
patrimônio cultural e artístico.
§ 1º. A República Federativa do Brasil, em atenção ao princípio da
cooperação, reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos
mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo
ordenamento jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras finalidades
que possam surgir da sua natureza cultural.
§ 2º. A Igreja Católica, ciente do valor do seu patrimônio cultural,
compromete-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram
conhecer e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as
exigências de sua proteção e da tutela dos arquivos.
Artigo 7º
A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu
ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção
dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos,
imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito
e uso ilegítimo.
§ 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto ao culto católico,
observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser
demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo
Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Constituição
brasileira.
Artigo 8º
A Igreja Católica, em vista do bem comum da sociedade brasileira,
especialmente dos cidadãos mais necessitados, compromete-se,
observadas as exigências da lei, a dar assistência espiritual aos
fiéis internados em estabelecimentos de saúde, de assistência social,
de educação ou similar, ou detidos em estabelecimento prisional ou
similar, observadas as normas de cada estabelecimento, e que, por essa
razão, estejam impedidos de exercer em condições normais a prática
religiosa e a requeiram. A República Federativa do Brasil garante à
Igreja Católica o direito de exercer este serviço, inerente à sua
própria missão.
Artigo 9º
O reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de
Graduação e Pós-Graduação estará sujeito, respectivamente, às
exigências dos ordenamentos jurídicos brasileiro e da Santa Sé.
Artigo 10
A Igreja Católica, em atenção ao princípio de cooperação com o Estado,
continuará a colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis,
a serviço da sociedade, em conformidade com seus fins e com as
exigências do ordenamento jurídico brasileiro.
§ 1º. A República Federativa do Brasil reconhece à Igreja Católica o
direito de constituir e administrar Seminários e outros Institutos
eclesiásticos de formação e cultura.
§ 2º. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos
obtidos nos Seminários e Institutos antes mencionados é regulado pelo
ordenamento jurídico brasileiro, em condição de paridade com estudos
de idêntica natureza.
Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de
liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade
confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em
vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas,
de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais
das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a
Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de
discriminação.
Artigo 12
O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas, que
atender também às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro
para contrair o casamento, produz os efeitos civis, desde que
registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de
sua celebração.
§ 1º. A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria
matrimonial, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé,
será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de
sentenças estrangeiras.
Artigo 13
É garantido o segredo do ofício sacerdotal, especialmente o da
confissão sacramental.
Artigo 14
A República Federativa do Brasil declara o seu empenho na destinação
de espaços a fins religiosos, que deverão ser previstos nos
instrumentos de planejamento urbano a serem estabelecidos no
respectivo Plano Diretor.
Artigo 15
Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e
serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é
reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos,
em conformidade com a Constituição brasileira.
§ 1º. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica
que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa
receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades
filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro,
inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de
imunidade e isenção.
Artigo 16
Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e
de suas instituições:
I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados
mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é
de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação
trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício,
a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica,
catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão
ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação
trabalhista brasileira.
Artigo 17
Os Bispos, no exercício de seu ministério pastoral, poderão convidar
sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que não tenham
nacionalidade brasileira, para servir no território de suas dioceses,
e pedir às autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão do
visto para exercer atividade pastoral no Brasil.
§ 1º. Em conseqüência do pedido formal do Bispo, de acordo com o
ordenamento jurídico brasileiro, poderá ser concedido o visto
permanente ou temporário, conforme o caso, pelos motivos acima expostos.
Artigo 18
O presente acordo poderá ser complementado por ajustes concluídos
entre as Altas Partes Contratantes.
§ 1º. Órgãos do Governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas
competências e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
devidamente autorizada pela Santa Sé, poderão celebrar convênio sobre
matérias específicas, para implementação do presente Acordo.
Artigo 19
Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente
acordo serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas.
Artigo 20
O presente acordo entrará em vigor na data da troca dos instrumentos
de ratificação, ressalvadas as situações jurídicas existentes e
constituídas ao abrigo do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890 e
do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé sobre
Assistência Religiosa às Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989.Feito na Cidade do Vaticano, aos 13 dias do mês de novembro do ano de
2008, em dois originais, nos idiomas português e italiano, sendo ambos
os textos igualmente autênticos.