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quarta-feira, julho 18, 2007

CorREIO POPULAR de Campinas, 18/07/2007

Publicada em 18/7/2007

O ‘Protetor da Constituição’

Roberto Romano

Um senador ligado a Renan Calheiros nos adverte sobre um “golpe de Estado” contra o presidente do Congresso. No mesmo dia, parlamentares da oposição declaravam o vazio da instituição senatorial, reconhecendo a sua inutilidade. Falar de “golpe” quando uma liderança chafurda no “realismo” e não encara as consequências de tal política, é hábito no Brasil. Como não existe entre nós responsabilidade pública, salvo na letra da lei, quem ocupa o poder quebra os ditames da ética, pois imagina que a sua pessoa privada se confunde com o Estado. Criticar o poderoso é crime de lesa majestade. Os políticos agem como arbitrários tutores da lei, protetores do Estado.

Nas instituições políticas modernas existiram alguns protetores do Estado, desejosos de exercer a ditadura contra o povo, supostamente “imaturo” para exercer a soberania. Aquele título era concedido na monarquia inglesa ao regente, após a morte do antigo titular e antes que o novo rei fosse ungido (“O rei morreu, viva o rei!” é ficção para definir a perenidade do cargo, não a do seu ocupante). Um virulento “protetor” da Inglaterra, se dermos crédito a Tomas Morus e a Shakespeare, foi Ricardo duque de Gloucester, “Lord Protetor do Reino” entre abril e junho de 1483, antes de usurpar o trono de Eduardo 5. Outro “Lord Protetor”, Cromwell, legou o título ao seu filho Ricardo, pouco antes da Restauração que levou Carlos 2 ao trono.

No Brasil, Pedro 1 recebeu o título de Protetor e Defensor Perpétuo. Com o Poder Moderador, também por ele exercido, tivemos as bases de uma ditadura de fato. O “protetor” era irresponsável. A forma do poder moderador brasileiro foi notada por Carl Schmitt no escrito sobre o “Protetor da Constituição” (Der Hütter der Verfassung), que ataca o liberalismo por ter gerado uma instituição legislativa adoecida. Parlamento e Judiciário, pensa Schmitt, não teriam força nem legitimidade para proteger a Constituição. O Judiciário, diz ele, pressupõe normas, mas a guarda da Constituição deve ir além das normas. Além disso, os juízes atuam post factum, sempre chegam tarde numa crise estatal. O único que pode exercer o papel de protetor é o Presidente (Reichspräsident). Como a sociedade moderna se fragmenta, o Estado também não pode ser protegido pelo Parlamento, lugar onde interesses conflitantes corroem os laços políticos. A Constituição de Weimar previa, no artigo 48, poderes excepcionais para o Presidente, dando-lhe condições de intervir em situações “anormais” . Aquelas situações definem a crise onde se revela o Estado de exceção. Com a tese do Protetor da Carta Magna, é possível dar “ao Reichspräsident e sua autoridade a possibilidade de se unir imediato com a vontade total do povo germânico, precisamente para agir como guardião e protetor da unidade e totalidade do povo alemão”. (Schmitt) O presidente carismático lidera o povo, sem os embaraços do Parlamento e da Justiça.

Schmitt não extraiu sua receita do nada, mas da política moderna. Ele espelhou sua doutrina nos exemplos de Cromwell e de Hobbes, chegando aos juristas que no Brasil desvirtuaram o Poder Moderador ideado por B. Constant. Na fórmula schmittiana encontra-se a ditadura exercida pelo “Protetor da Constituição”. Ditaduras são impostas, lembrará mais tarde o Ato Institucional 1, de 1964. Voltemos ao suposto golpe contra o presidente do Senado. Quando Calheiros era líder de Collor na Câmara, no “grande” partido PRN, ele se pronunciou em situação de crise. O governo apresentara projetos que, segundo a oposição petista (como as vontades se transformaram...) atentavam contra a Constituição. Calheiros, líder do governo, declarou diante da mídia: “O Presidente Collor jamais fará algo contrário à Constituição. Ele é o Protetor da Constituição!”. Renan, estudioso comunista, sabia o sentido golpista daquelas frases. Conhecendo a gênese do Protetor da Constituição, perguntamos: quem desejava a ditadura Collor? E hoje, quem deseja o elo carismático, direto, entre o Chefe de Estado e a massa popular, sem os tropeços da Justiça e do Parlamento? No caminho, no entanto, existem realidades como as vaias no Maracanã...

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