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quinta-feira, julho 19, 2007

Dois artigos de Domingos Zamagna, com os meus parabens sobretudo ao Fr. Gorgulho, um homem reto.

As aventuras da Graça

Domingos Zamagna (*)

Quando eu era jovem – esclareço que já faz muito tempo – os militantes da Ação Católica nunca deixavam de ler a obra clássica de Raïssa Maritain As Grandes Amizades.O subtítulo do segundo tomo é As aventuras da Graça. Trata-se de trabalho magnífico de uma das mais belas figuras do catolicismo francês, escrito no exílio americano durante a segunda guerra mundial. Há tradução portuguesa que poderá ser lida pelos jovens, certamente com muito proveito.

As aventuras da Graça, esta foi a idéia que me ocorreu quando recebi o convite para o Jubileu dos Amigos, a ser celebrado às 15 hs do próximo dia 28, na Igreja de São Domingos (R. Caiubi 126, Perdizes) da capital paulista.Quatro irmãos nossos celebrarão jubileus sacerdotais: Pe. José Comblin (60 anos de sacerdócio); os demais, 50 anos: Pe. Jack Vessels SJ, Frei Carlos Mesters O.Carm. e Frei Gilberto Gorgulho OP. O local escolhido é revestido de grande significação, pois aquele templo simboliza toda uma trajetória de renovação da Igreja e resistência dos cristãos à ditadura militar que sangrou os brasileiros durante 21 anos. Mais significativa ainda é a diversidade dos celebrantes.

Com efeito, tanto a geografia quanto a lingüística conspiravam para jamais aproximá-los: o primeiro (padre secular) é belga, de expressão francesa; o segundo (jesuíta) é americano, obviamente de língua inglesa; o terceiro (carmelita) é holandês, falando este idioma até os vinte anos de idade; e o quarto (dominicano) é brasileiro, falando português com sotaque mineiro. E no entanto eles se encontraram na arquidiocese de São Paulo, sob a guia de um franciscano, o arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns. Que miscelânia! Mas que expressiva imagem da Igreja Católica! Uniu-os a Palavra de Deus, a missão evangélica, o amor pelo povo, sobretudo os mais pobres, a esperança de construir um mundo mais justo e fraterno. Para serem úteis ao povo cristão, adotaram disciplina intelectual rigorosa, vida austera, liberdade de espírito, trabalho em equipe, postura crítica em face de qualquer manifestação de poder, sempre pensando em servir. Tudo animado de paixão pela Igreja de Cristo e pela incessante vida de oração.

Repartiram tudo o que aprenderam, têm um sem-número de discípulos, sem contudo fomentar sentimentos de dependência; elaboraram novas metodologias, enfrentaram desafios, resistiram às pressões. Cada qual sorveu sua quota de sacrifícios e perseguições. Não é esta uma das características dos que fazem das Bem-aventuranças um programa de vida? Mas, graças a Deus, nenhum deles pensa em se aposentar, pois ainda têm muito o que fazer pelo povo e pela Igreja.

A vida e a missão os levou cada qual para um canto do mundo. Guardaram a fidelidade à causa comum e a solidariedade entre si. Exemplificam a famosa frase de Saint-Éxupéry: amigos não são os que ficam olhando uns para os outros, são os que olham, juntos, para o mesmo fim. Exemplificam mais perfeitamente ainda as palavras do Divino Mestre: “Pai justo... Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles” (Jo 17, 26).

(*) Jornalista e professor de Filsosofia em São Paulo.

Um novo modelo de Igreja

Domingos Zamagna (*)


Um dos melhores teólogos da atualidade, o Pe. José Comblin, é também um dos maiores conhecedores dos problemas do Brasil e da América Latina. Alguém que soube fazer sondagens amplas, conhecer a vida real dos leigos e do clero nas cidades, campos e montanhas. Devemos prestar muita atenção nas coisas que ele diz. Pe. Comblin costuma fazer uma distinção entre os consumidores e os produtores ou criadores de civilização.

Em todas as épocas há imensa maioria de pessoas que se contentam em viver passivamente a cultura na qual nasceram, são os consumidores de civilização. Identificam-se com a etapa histórica em que vivem. Passada uma geração, acham-se superados. Já os produtores ou criadores de civilização são capazes de captar, no meio de todo o material que lhes proporciona o trato do tempo em que vivem, os princípios dinâmicos da civilização, os germes do futuro. São os que percebem melhor o espírito e os valores da cultura clássica antiga e os valores modernos. São os que contribuem eficazmente para que os seres humanos superem os limites de seu próprio tempo. Vivemos um momento muito especial na história da Igreja. As transformações do mundo são tantas e tais que os paradigmas estão se fragmentando. Momento que requer grande discernimento dos cristãos.

Há uma tendência que consiste em apregoar um salvacionismo mediante repetições de fórmulas do passado, ou dando prosseguimento a modelos de evangelização pouco esperançosos. Os missionários se desgastam fazendo um trabalho em que nem eles próprios acreditam. Não deveríamos entender a re-evangelização como injeções de ânimo publicitário para garantir a sobrevida do anacronismo. Esse perigo existe, essa prática vem sendo executada em alguns âmbitos eclesiásticos.

Há outra tendência mais ousada, a dos que olham com menos temor para o futuro e, guardando os reais valores do passado, procuram detectar e vivenciar os germes de renovação que a civilização abriga. Investem com criatividade nessa linha, correndo certamente os riscos que incidem sobre todas as vanguardas. Mas não se conformam em ser apenas consumidores, desejam ser criadores ou produtores de um novo mundo. Quando a Igreja se acomoda com a rotina ou se verga às estruturas de poder, a primeira tendência procura sopitar a segunda, utilizando-se de todos os meios necessários, consciente ou inconscientemente.

Todos nós deveríamos fazer esta pergunta: queremos ser meros consumidores, ou desejamos ser criadores de um novo modelo de Igreja mais condizente com as verdadeiras necessidades dos novos tempos? Nossa formação, nossa prática, nossos teólogos, nosso clero, nossa liturgia, nossas famílias estão se preparando de fato para essa missão?

(*) Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo.

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