Powered By Blogger

segunda-feira, julho 30, 2007

No Blog Perolas de Alvaro Caputo.... bons motivos para refletir.





Os pensamentos do dia

Tradição do circo

Foi estimulante para a nação a cerimônia de posse do novo ministro da Defesa. O astral da pátria andava por baixo com a sucessão de problemas e tragédias. Em aparição anterior, Lula declarou pateticamente que estava com o coração sangrando, desobedecendo ao conselho de sua ministra do Turismo, que sugeria relaxamento e gozo a todos nós.
O alto escalão do governo decidiu acabar com as agruras aéreas e, embora o presidente já tivesse marcado dia e hora para resolver o problema, o tempo foi passando e tudo piorando até o desastre com o Airbus da TAM e seus quase 200 mortos. Alguma coisa precisava ser feita para distender a fossa nacional, e nada melhor do que a cúpula do governo reunida para dar posse ao novo ministro e agradecer os serviços do antigo. Todos estavam risonhos, Lula provou mais uma vez ser o brasileiro comum que entre outras coisas tem medo de avião e citou a mulher do novo titular da Defesa, que o ajudou na substituição do Waldir Pires. Como nas rubricas dos discursos parlamentares, houve risos entre parênteses (risos).

No fundo, uma técnica vinda dos circos, que são mais antigos do que os desastres de avião. Quando os trapezistas se esborracham no chão e a platéia se levanta horrorizada, o dono do circo, de casaca, cartola e botas, brandindo o chicote do poder entra no picadeiro e ordena que a banda toque uma polca para animar o respeitável público (público de circo é sempre respeitável). Entram em cena também os cinco ou seis palhaços e anões da companhia, dando cambalhotas e chutando-se mutuamente.Nada melhor para distender os ânimos, esquecer os trapezistas esborrachados no chão. Uma tradição circense que em boa hora o governo adotou para relaxamento geral.

Carlos Heitor Cony na Folha

Esculhambação

Mas, honestamente, que outra palavra pode ser usada para a sensação que nos acomete, diante do que vem sucedendo no Brasil? Só esculhambação mesmo. Desgoverno também, mas desgoverno é pouco, esculhambação é mais plurívoca, mais conotativa, mais colorida. Acho que basta qualquer um ligar a tevê para ver o noticiário ou abrir o jornal e a sensação de esculhambação é avassaladora, nos engolfa por todos os lados.

O pavoroso desastre de Congonhas: cada dia uma coisa, ninguém sabe de nada. O governo, em vez de se interessar genuinamente pela tragédia, resolve se concentrar na preservação da própria imagem. Aí a gente vai ver as notícias e os responsáveis por órgãos envolvidos com o tráfego aéreo estão sendo condecorados por serviços prestados à aviação. Quer dizer, uma pessoa desesperada com a perda de parentes ou amigos pensa que pelo menos o governo deve tomar alguma providência, ainda que tardia, e o que vê é a condecoração. Como puderam ter a insensibilidade de fazer isso? A não ser que o „relaxe e goze‰ tenha sido mesmo uma palavra de ordem, ou a atitude geral dos governantes para conosco seja mesmo resumível nesse deboche.

A esculhambação, nas companhias que desprezam o viajante e no governo que as fiscaliza, já tinha brilhado assim que se teve notícia do desastre.

Pois o presidente da República, que por acaso se encontrava no país, não sumiu por três dias, num gesto de pusilanimidade, grossura e falta de grandeza para o cargo? Enquanto desastres bem menores, sob chefes de Estado e governo conscientes de suas obrigações morais e políticas, levam aos atingidos as visitas pessoais de reis, rainhas, primeiros-ministros, ministros, primeiras-damas e assim por diante, aqui todo mundo, a começar pelo presidente, se escondeu.

Não há nada que justifique isso. Segundo tenho ouvido comentar, o principal fator foi o medo de vaias. Nosso líder, nosso guia, o presidente de todos os brasileiros, não cumpre seu dever moral de estar presente e à frente nos momentos difíceis vividos pelo país porque tem medo de vaias. Não pode ser, não acredito ˜ mas que outra razão ele teria? E já li nos jornais que, na semana que passou, entre ir a lugares onde poderia receber as ingratas vaias e a outros onde o Bolsa-Família o escuda, dá exclusividade a esses últimos.

Que coisa, os lugares onde ele é vaiado não devem pertencer à realidade. A realidade é outra, é a do aplauso. Agora me ocorre que, no vasto e doce jardim de mordomias trazido pelo poder, está, tradicionalmente e em importante posição, a possibilidade de, se a realidade for desagradável ao governante, trocarse a realidade. Dizem que, quando Catarina da Rússia viajava pelo seu vastíssimo império, auxiliares construíam cidades prósperas ˜ cenográficas, por assim dizer ˜ para ela ver em sua passagem e dessa forma não ter idéia da desagradável miséria de muitas daquelas regiões. Semelhantemente, o presidente escolhe a realidade nacional a que prefere ser exposto. Junto a este, o argumento de que esse negócio de crise aérea só interessa a barão que viaja de avião e não ao povo mesmo, alegação que já ouvi vociferada por admiradores do governo. E pronto, está tudo certo, Deus tenha piedade de nós.

Ouvimos as mais desvairadas versões sobre o que aconteceu e as medidas que foram ou serão tomadas. A única coisa de que se tem certeza, segundo depreendo do que venho lendo, é que as passagens aumentarão de preço.

É uma mudança, não se pode negar.

Contam-nos que os órgãos criados para administrar a aviação civil são frondosos cabides de empregos, onde pouca gente sabe falar mais sobre um avião do que „ele tem asas‰, assim como há cabides de empregos em toda parte, todo mundo „colocado" e ninguém sabendo fazer nada. A capacitação é requisito suntuário ou inexistente nesta administração.

Administração é modo de dizer, pois, a começar pelo presidente, ninguém no governo sabe administrar. Administrar é viajar, discursar e ser ovacionado, parece pensar o presidente de um governo que vive mais de reagir do que de agir e que, tudo bem avaliado, não fez foi nada até agora, além do que estamos vendo aí. E ninguém administra nada, ninguém é competente em nada daquilo a que está ligado, ninguém sabe nada, a impressão é de um viveiro de baratas tontas semitartamudas ou arrogantes. Estamos testemunhando o apagão aéreo ˜ tudo bem, coisa da repulsiva classe média, não interessa verdadeiramente ao povo que aplaude.

Mas será que ficaremos por aí? Não custa lembrar um dos poetas mais populares do Brasil, Augusto dos Anjos, e um de seus versos mais conhecidos: „A mão que afaga é a mesma que apedreja‰. Porque, pelo arrastar da carruagem e pela aceleração quelônia do PAC, pode-se ter uma razoável expectativa do apagão rodoviário, do apagão portuário, do apagão da saúde, do apagão da educação etc. Está tudo acontecendo, só não vê quem não olha. E, como apoteose, o apagão literal, um apagão de energia lá para 2010, ou até antes.

É, talvez venha a ser difícil, em futuro relativamente próximo, achar lugar para se esconder, muito menos das vaias. Se bem que a escuridão, inclusive a do apagão mental, ajude bastante.

João Ubaldo Ribeiro no Globo

Arquivo do blog