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segunda-feira, julho 30, 2007

No site Congresso em Foco...

Conspiradores à beira de um ataque de nervos

Celso Lungaretti *


São cada vez mais explícitas as exortações a uma nova quartelada, evidenciando a existência de um esquema golpista que poderá ser acionado se e quando chegar o momento propício.

Ao entregar espadins a ingressantes nas academias militares, um ministro do Superior Tribunal Militar, Olympio Pereira da Silva Júnior, teve um ataque de incontinência verbal e abriu o jogo: “Não desistam. Os certos não devem mudar e sim os errados. Podem ter certeza de que milhares de pessoas estão do lado de vocês. Um dia, não se sabe quando, mas com certeza esse dia já esteve mais longe, as pessoas de bem deste país vão se pronunciar, vão se apresentar, como já fizeram em um passado não muito longe, e aí sim, as coisas vão mudar, o sol da democracia e da Justiça brasileira vai voltar a brilhar”.

Quando a extrema-direita fez uma verdadeira tempestade em copo d’água em torno da anistia a Carlos Lamarca (culpando o governo federal pelo que fora decisão do Judiciário), o torturador-símbolo do Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra, recebeu mensagem de um oficial da reserva pregando virada de mesa e só contestou o timing: “O fruto ainda não está maduro para ser colhido”. Sua certeza de impunidade é tamanha que ele manteve essa “troca de idéias” on-line!

Os grupos Guararapes da vida lançam manifestos bombásticos aos militares (“A honra ou a morte!”) e os conspiradores já saíram às ruas em Salvador, tentando repetir as marchas “da família, com Deus, pela liberdade” que prepararam o terreno para a derrubada de João Goulart.

O script, aliás, é bem semelhante ao de 1964, com o MST no papel das Ligas Camponesas, o caos aéreo substituindo a agitação nos escalões inferiores das Forças Armadas (em que pontificou o famigerado cabo Anselmo), um fantasmagórico Foro de São Paulo fazendo as vezes da “conspiração comunista urdida por Moscou e Pequim”...

Alarmismo exacerbado

Os acontecimentos do dia-a-dia são enfocados de forma tendenciosa e exagerada, como no caso da tragédia de Congonhas. Apesar das evidências gritantes de que a responsabilidade maior foi das empresas aéreas e sua ganância criminosa, a morte de 200 pessoas deu pretexto a uma enxurrada de panfletos virtuais contra o governo Lula, cuja virulência ultrapassou todos os limites do razoável.

É certo que continuou permitindo o pouso de aeronaves de grande porte num aeroporto que não mais as comportava, cedeu aos lobbies colocando uma pista em operação antes de estar pronta e não cumpriu devidamente sua missão de fiscalizar o cumprimento de normas de segurança.

Mas, em matéria de omissão e subserviência aos interesses econômicos, pouco difere dos governos anteriores, não se justificando, nem de longe, o clima apocalíptico que se tenta insuflar por meio da WEB e até de alguns manifestações na grande imprensa, como o editorial de O Estado de S. Paulo que proclamou o “colapso do lulismo em matéria de permitir, em última análise, que o país funcione”.

Ora, um observador isento concluiria que o país vem funcionando exatamente da mesma forma desde a década passada, quando se abateu sobre ele a desumanidade característica do capitalismo globalizado.

E até há uma pequena melhora na situação econômica, como se depreende dos dados sobre o desempenho do mercado de trabalho no último semestre: em 85,7% das negociações coletivas, os trabalhadores obtiveram reajuste acima da inflação, enquanto 10,7% empataram e só 3,6% ficaram aquém da alta de preços.

“A recuperação dos salários reais, ao lado da expansão do crédito, tem dado impulso a um crescimento robusto da demanda interna. Com o aquecimento do consumo e do investimento, a criação de empregos com registro formal atingiu número recorde no primeiro semestre . O saldo líquido entre admissões e demissões foi de 1,095 milhão, o maior já registrado”, assinalou a Folha de S. Paulo, também em editorial.

Ou seja, a economia começa a ingressar num período de alta, o que sempre alavanca o prestígio dos governos no Brasil. Esta é a causa mais provável do desespero que se observa entre as viúvas da ditadura e os neo-integralistas. Acreditavam que o transcurso do tempo serviria a seus propósitos de acumulação de forças e vêem suas chances, pelo contrário, diminuírem.

O certo é que há muitos empecilhos ao seu sonho de bisar 1964: os EUA e os grandes empresários hoje não têm motivo nenhum para embarcar nessa aventura; o golpismo não encontra guarida no catolicismo e, muito menos, junto aos neopetencostais; o fim do socialismo real privou os conspiradores de um espantalho crível; a classe média não parece disposta a passar dos resmungos virtuais à ação concreta etc.

Som e fúria nulos

Então, por enquanto, esse estardalhaço todo se reduz, parafraseando Shakespeare, a “uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada".

Mesmo assim, o obscurantismo e as atrocidades que marcaram o período 1964/1985 nos obrigam a acompanhar com muita atenção esses tentativas de reincidência, jamais subestimando o perigo.

Há uma lâmina suspensa sobre nossa democracia. Poderá jamais ser acionada. Mas, melhor do que rezarmos para que não aconteça o pior, é a desarmarmos o quanto antes essa guilhotina.

Começando pela apuração rigorosa dos crimes virtuais que estão sendo cometidos pelos golpistas, como incitações sediciosas, difamação e calúnia.


* Celso Lungaretti, 56 anos, é jornalista em São Paulo, com longa atuação em redações e na área de comunicação corporativa, e escritor. Escreveu Náufrago da utopia (Geração Editorial, 2005). Mais dele em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.


Comentário:

Quando eu era jovem e crédulo, sempre que o tema "Revolução Hungara" quanto, mais tarde, a "Revolução tcheca" (ambas contrárias ao poderio imperial soviético e em favor da autonomia política, social, ideológica) vinham à baila, militantes do PC afirmavam sem pestanejar : "são os fascistas que desejam desestabilizar a URSS". No começo, eu aceitava a patranha. Com a idade, comecei a desconfiar da explicação Ad hoc, sempre à mão, como chave única para interpretar eventos políticos.

Passaram-se os anos e fui aprendendo, a cada instante mais, as ardilosidades dos militantes. Quando Jean Paul Sartre denunciou a brutal intervenção militar da URSS sobre os movimentos de autonomia, Jean Kanapa, intelectual oficialesco do PC (quem não era assim naquele partido? Apenas os expulsos...basta recordar o nome de Roger Garaudy) afirmou que Sartre era um "perigoso agente do imperialismo norte-americano". A resposta do filósofo foi um primor de concisão e de clarividência : "Jean Kanapa est un con" (Jean Kanapa é um babaca).

Nos últimos instantes da ordem civil, em 1964, o Sr. Prestes e seus camaradas proclamavam estar no poder, mostrando a cegueira ideológica da qual padeciam. E por longos anos, o PC não se definiu de fato na luta contra a ditadura. Suas tergiversações têm muito de esperança de bom trato com o poder, mantida por setores do partido contra outros, menos adoecidos de "realismo". Certa feita, estava eu em Paris jantando na casa de alto dirigente do Partido. Acabavamos de saber a notícia do massacre, no qual parte da direção mesma do PC fora morta pela polícia. "Não é possível fazer omeletes, sem quebrar ovos". Esta fórmula do realismo ordinário me fez correr para o banheiro, com ansia de vômito. Sai da casa logo a seguir, transtornado com o maquiavelismo de fancaria. Nada do que testemunhei, no entanto, é estranho ao "ensino" ministrado nas Escolas de Quadro daquela agremiação. Há na Unicamp uma tese de mestrado, orientada por mim, sobre a dita escola. Não por acaso, ela não encontrou até hoje quem a publicasse, apesar de ter recebido a nota A, a mais elevada. O autor morreu há tempos, mas o texto está ao dispôr de quem for honesto intelectualmente, e disposto a ler verdades desagradáveis.

Se o PC acabou, não sumiu no entanto a sua herança noética e afetiva na cultura de toda a esquerda nacional. Ela marca boa parte do pensamento oficialista dos que, finalmente se consideram, depois de Prestes, no poder. E para tais pessoas, não existem pecados capitais no governo, em qualquer governo, apenas veniais. E quem critica o governo só pode pensar em golpe, só pode ser fascista, só pode cometer crime de lesa majestade: realismo dixit. As "explicações" simplórias e os sinais idem, se transformaram em verdadeiros transcendentais, formas a priori. Os "fatos" são neles aplicados, de modo a resultar na evidência de disco quebrado: sempre repete a mesma frase.

Sempre lutei contra a ditadura. Sempre fui a favor da democracia. Sempre me coloquei contra o realismo político ordinário e oportunista. Sempre detestei intelectos chapa branca. E critiquei este governo, como critiquei o anterior, e o anterior, e o anterior, e o anterior, sem pensar em golpe de Estado. Desafio quem diga e prove o contrário.

E vou me levantar, sempre, contra um governo leniente, tibio, debochado e sem respeito, governo que só reconhece o dinheiro e o número de votos trazidos pelo dinheiro e por sua propaganda.

Chega de explicações a priori e de propaganda.

Roberto Romano

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