A mais anunciada das tragédias
Manchete do JB
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Aeronave vinda de Porto Alegre, se choca contra prédio em que trabalhavam cerca de cem pessoas. No pior acidente da história da aviação brasileira, um Airbus A320 da TAM com 176 pessoas a bordo - 170 passageiros e seis tripulantes - atravessou duas pistas da avenida Washington Luís quando tentava aterrissar, às 18h50, no aeroporto de Congonhas (zona sul de São Paulo). A aeronave explodiu ao se chocar contra um prédio da própria companhia.(...) Comandante dos bombeiros estima 200 mortos
Folha
Cinco minutos antes do acidente, um piloto informou ter ouvido a torre solicitar à Infraero que verificasse se a pista tinha condições de pouso. Na segunda-feira, primeiro dia de chuva constante depois da reforma das pistas, uma aeronave da Pantanal com 21 passageiros derrapou e foi parar na grama. A reforma, que custou R$ 20 milhões aos cofres públicos, não deixou as pistas menos perigosas. Em fevereiro, após uma série de incidentes na pista, a Justiça paulista tentou interditar o aeroporto, mas o ministro da Defesa, Waldir Pires, insistia na tese de que "não havia razões sérias para isso" e que derrapagens são comuns em qualquer lugar do mundo.
JB
Chovia e, pouco antes, a torre de controle de Congonhas havia pedido medição da lâmina d'água na pista. Recebeu a informação de que "estava operacional". Foi o terceiro acidente ocorrido no aeroporto em menos de 48 horas.
Estado
O maior acidente da história da aviação brasileira, menos de dez meses depois do anterior, gerou um empurra-empurra no governo, e a Aeronáutica simplesmente decidiu se auto-excluir do gabinete de crise montado em São Paulo e formado por Infraero (estatal responsável pelos aeroportos), Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e a TAM, dona do Boeing acidentado.
Folha
O acidente com o Airbus 320 da TAM pode ter sido causado por falha humana. Segundo fontes do governo federal, com base em depoimento de testemunhas, as investigações preliminares indicam que o piloto foi além do chamado ponto de toque na pista, não conseguiu parar e tentou arremeter, quando o avião já estava no chão. A aeronave, segundo essa fonte, bateu com a cauda no chão.
Globo
O agente de segurança de vôo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Carlos Camacho, culpou a falta de ranhuras na pista principal de Congonhas pelo acidente. A pista foi reaberta dia 29, sem as ranhuras de escoamento da chuva, que só podem ser feitas um mês após a reforma para o concreto se consolidar. Já o diretor de segurança de vôo do sindicato das empresas aéreas, Ronaldo Jenkins, acha cedo para culpar a pista. A Infraero não descarta erro do piloto.
Estado
Segundo relatos enviados à Infraero, o piloto tentou falar com a torre, mas os controladores não entenderam. Na véspera, um avião bem menor e mais leve, da Pantanal Linhas Aéreas, já tinha deslizado na mesma pista, que passou por uma reforma justamente para evitar este problema. As obras de reforma, entregues há duas semanas, não foram devidamente concluídas: faltaram as ranhuras na pista que ajudam nas aterrissagens e no escoamento da água da chuva. Um piloto da TAM, que pediu para não ser identificado, disse não saber como a Infraero certificou a utilização da pista sem as condições mínimas de uso
Globo
As ranhuras ficaram para agosto
Ranhuras são sulcos cavados em pistas de aeroportos para aumentar a aderência dos pneus de aviões e aumentar a segurança dos pousos.
Veja aqui
A pista foi reaberta sem as ranhuras.
Noblat
Os controladores de tráfego aéreo da torre de Congonhas disseram ontem ter pedido o fechamento da pista principal durante as chuvas, como a que caía anteontem. O alerta teria ocorrido segunda, depois que um avião da Pantanal derrapou na mesma pista que o da TAM.
Oficiais da Força Aérea e autoridades da Infraero (estatal que administra os aeroportos) negaram o pedido por entender que não havia perigo.
"Os operadores da torre avisaram que a pista principal deveria ser fechada porque estava sem o "grooving" [ranhuras que garantiriam o escoamento da água e uma maior aderência dos pneus ao solo], mas ninguém no governo quer saber de nada", reclamou Sérgio Oliveira, presidente da Federação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo".
Folha
Tão logo anunciado o acidente com o Airbus da TAM, um comandante da companhia fez um discurso inflamado na sala de embarque do aeroporto de Curitiba. Disse que era um absurdo a pista de Congonhas ter sido liberada para esse tipo de aeronave sem sistema de drenagem para dias de chuva.
Diante de passageiros que aguardavam seus vôos, o comandante afirmou que a pista só foi liberada pela Infraero porque julho é mês de férias, e que uma tragédia como a de ontem era previsível. "Quero ver quem será responsabilizado. Quero ver quem é que vai preso."
Folha
Quarta-feira, dia 4 de julho, fui a São Paulo para gravar as "Meninas do Jô". Dia claro, céu azul, nosso avião deu uma rebolada terrível na pista de Congonhas, ao descer. Minha companheira de Programa do Jô e de vôo, a jornalista Ana Maria Tahan, espantou-se: "O que é isso?"
Um passageiro ao lado, aparentemente conformado, respondeu: "São as ranhuras da pista, que não foram feitas antes de reinaugurar a pista."
É o caso de perguntar: "Em que país estamos vivendo?"
Lucia Hippolito no seu blog
"Quando vai ser o próximo?"
A cada nova crise nos aeroportos, a cada novo movimento dos controladores, a cada derrapada de avião, a cada pane no sistema de rádio ou nos radares, uns sempre diziam e outros sempre pensavam: "Quando vai ser o próximo acidente?"
Foi nesta terça-feira, menos de dez meses depois da queda do Boeing da Gol que se chocou com o jato Legacy nos céus de Mato Grosso, matando 154 pessoas e implodindo a credibilidade do sistema aéreo no Brasil. Até hoje, era o maior acidente da história da aviação brasileira. Não é mais.
No Airbus da TAM que explodiu no coração de São Paulo, havia quase 180 pessoas. Além delas, morreram também ainda incontáveis pessoas em solo, com as vítimas sendo recolhidas uma a uma em meio a um inferno de chamas.
O controle de aproximação autorizou o pouso, o avião tocou o solo e não parou. Ultrapassou a pista e se lançou sobre uma avenida até explodir no choque com um depósito da própria TAM, deixando a impressão nos experts de que o pouso foi além do "ponto de toque" e não houve pista suficiente para parar. O piloto teria, então, tentado arremeter (subir novamente), sem sucesso.
As circunstâncias eram todas desfavoráveis: chovia, a pista estava escorregadia, a reforma mal (em duplo sentido) terminou e, afinal das contas, não pode ser pura coincidência que o maior acidente da história acontecer exatamente em Congonhas, no dia seguinte à derrapagem de um pequeno avião da Pantanal. É o aeroporto mais congestionado do país, há décadas se sabe que é inviável e os relatórios oficiais já acendiam o sinal amarelo havia meses. Qualquer um sabe disso, no governo civil, na Aeronáutica, na Infraero, na Anac, nas companhias. Mas ficaram todos esperando ocorrer o pior. Ocorreu.
Resultado: em Brasília, o clima é de total empurra-empurra. O ministro da Defesa, Waldir Pires, estava justamente numa audiência com Lula para discutir o orçamento da Força Aérea, mas, como sempre, foi o último a saber do acidente. Já em casa, teve de voltar ao Planalto. A Aeronáutica diz que não tem nada a ver, porque desta vez o controle de tráfego aéreo não tem nenhuma responsabilidade. E joga a culpa na Infraero, que cuida da infra-estrutura dos aeroportos, e na Anac, a agência civil que substituiu o antigo DAC e que não tem força --talvez nem vontade-- de enfrentar as companhias para de fato regulamentar o setor e definir a malha aérea brasileira.
Como ficam sob o foco também as próprias companhias, por não aceitarem abrir mão da concentração de vôos em Congonhas, que consegue ser ao mesmo tempo um aeroporto condenado e o aeroporto mais congestionado do país. É o típico caso em que o dinheiro fala mais alto do que a segurança.
O que explodiu hoje não foi só o Airbus da TAM. Foi também o resquício de credibilidade que ainda sobrava do sistema de vôo no país e a capacidade de o governo, no seu conjunto de órgãos responsáveis, gerir a situação. O que há é o caos. Junto com a dor, a perplexidade e a sensação de que não tem mais conserto.
Desculpe, mas o que todo mundo agora se pergunta é: "Quando vai ser o próximo?"
Eliane Cantanhede na Folha Online
Brasil produz uma nova causa mortis: incompetência
A maior causa de mortalidade no setor aéreo brasileiro é um mal implacável chamado incompetência. A julgar pelo desnorteio do governo, trata-se de moléstia endêmica incurável. Em menos de dez meses, já levou à cova pelo menos 342 cadáveres ˆ154 do Boeing da Gol e 188 do Airbus da TAM, 12 em solo. A menos que um milagre conduza à vacina, ninguém pode assegurar que o monturo de corpos não aumente.
Noves fora a mortandade, o caos aéreo já produziu sindicâncias, auditorias, inquéritos, processos, duas CPIs, uma infinidade de discursos e um par de tragédias ˆa segunda mais funesta do que a primeira. Só não deu à luz uma solução. E o país vai se habituando a um fenômeno hediondo: a lamentação depois do fato.
Tome-se, porque é mais recente, o exemplo do descalabro de Congonhas. A pista onde se realizam os pousos e as decolagens mede exíguos 1.900 metros. Desde a década de 80, pilotos e especialistas se queixam das deficiências desse naco de concreto. O que fez o governo? Na última década, torrou algo como R$ 530 milhões no embelezamento interno do terminal de passageiros. Por que?
Ora, para atender aos interesses de empreiteiras ávidas por obras, de gestores vorazes por comissões e de presidentes sequiosos por inaugurações. Privilegiaram-se o mármore e as lojinhas em detrimento da segurança. Premido pelas circunstâncias, o governo, sob Lula, reformou, a toque de caixa, a pista. Liberou-a para o uso, no final de junho, sem as ranhuras que permitem a drenagem das águas enviadas por São Pedro.
Confrontada com 188 vítimas novinhas em folha, Brasília difunde uma „informação‰ que antecede a realização das perícias técnicas. Diz-se que a nova mortandade de passageiros (176) e de funcionários do prédio em que o avião da TAM fez a sua aterrissagem improvável (12) nada tem a ver com as condições da pista do aeroporto. Pode ser. Mas a hipótese não passa, por ora, de uma aposta de gestores públicos submetidos a novos e constrangedores apuros.
Afora a descoberta de controladores de vôo em absoluto descontrole, o caos aéreo é temperado com generosas pitadas de corrupção. São mutretas conhecidas do governo. Foram esquadrinhadas pelo TCU, pela Controladoria da União e pelo Ministério Público.
Nas diferentes esferas de investigação, encontram-se encalacrados algo como seis dezenas de funcionários públicos. Entre eles um petista que Lula acomodou na presidência da Infraero e uma penca de funcionários graduados da estatal que „administra‰ os aeroportos brasileiros. A lista inclui uma senhora que coleciona decisões temerárias desde a gestão FHC. Trabalhava em São Paulo. Sob Lula, foi promovida. E passou a praticar malfeitorias desde Brasília.
Some-se a tudo isso um estrondoso crescimento do mercado de aviação civil. Numa previsão conservadora, estima-se que o mercado cresce no Brasil à proporção de 12% ao ano. Não há coisa parecida no mundo. Numa China de PIBs vitaminados, o setor aéreo experimenta crescimento anual de algo como 10%. Com uma diferença: nesta terra de palmeiras e sabiás, a falta de investimentos, a descoordenação e a ausência de planejamento tonificam as dores do crescimento.
Tudo considerado, a aviação brasileira vai ganhando as feições de uma usina de potenciais constrangimentos e de cadáveres. No acidente da Gol, os corpos foram mergulhados na selva de Mato Grosso. No desastre da TAM, foram carbonizados no interior de uma aeronave convertida em algo semelhante a uma lata de sardinha em chamas. Até quando?
Blog do Josias