Publicada em 11/7/2007
A NOSSA REPÚBLICA DE ESCROQUES
Roberto Romano
Muito se falou dos malefícios gerados pelas modernas revoluções democráticas. Os amigos do arbítrio, ontem e hoje, acentuam os erros cometidos pelos puritanos ingleses, insurgentes norte-americanos e jacobinos franceses. Durante a contra-revolução romântica do século 19, foi hábito execrar o Terror liderado por Robespierre. Mesmo autores simpáticos à Revolução, como Hegel, pintaram as execuções da guilhotina com as cores mais sombrias. Na verdade, o Termidor, que aboliu as conquistas revolucionárias, causou vítimas em maior número. Robespierre, o incorruptível, seria o pai do totalitarismo. Neste retrato há muita verdade e mentira.
É comum alcunhar como "jacobino" quem defende a retidão política. Mesmo o nosso Benjamin Constant e seus pares do exército positivista tiveram aquele apelido. Com o seu emprego, o que se combate é a tese ampla, nas doutrinas democráticas, sobre a responsabilidade dos governantes, a famosa accountability. O radicalismo com o qual Robespierre defendeu aquela exigência, atraiu sobre ele os ódios dos corrompidos.
Cito as idéias do jacobino sobre o tema: "As funções públicas não podem ser consideradas como sinais de distinção, nem como recompensa, mas como deveres. Os delitos dos mandatários do povo devem ser severa e agilmente punidos. Ninguém possui o direito de se pretender mais ‘inviolável’ do que os demais cidadãos. O povo tem o direito de conhecer todas as ações dos seus mandatários; estes devem sujeitar-se ao seu juízo, com respeito" (Robespierre, esboço da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão). Em terra do privilégio forense para os políticos...
Outra idéia: "O governo é instituído para fazer respeitar a vontade geral: mas os governantes têm, no entanto, uma vontade particular. E toda vontade particular tenta dominar a outra (...) o objetivo principal de qualquer Constituição deve ser a defesa da liberdade pública e individual contra o próprio governo".(Robespierre, Sobre o governo representativo). Em terra de pleno despotismo, onde não existe mais propriamente Legislativo e o governo legisla por medidas provisórias contra o bolso e a vida dos governados, sabemos o que Robespierre quer dizer. Como ele proclama ainda, "A corrupção dos governos tem sua fonte no excesso de seu poder e na sua independência diante do povo soberano". Sábias e proféticas palavras. Robespierre recomenda: "Que a Legislação e a Execução sejam separadas com muito cuidado!".
E as milionárias campanhas de "esclarecimento" dos governos, nas quais engordam os novos sofistas, os marqueteiros? Que o povo se acautele e "não ponha somas extraordinárias ao dispor dos governantes, qualquer que seja o pretexto, sobretudo quando se trata da desculpa de informar a opinião pública. Todas as manipulações da opinião pública geram veneno.(...) cabe à opinião pública julgar os governantes, e não a estes patrocinar e criar a opinião pública!".
E mais: "a impunidade é a mãe e a salvaguarda do crime, e o povo sempre será dominado se não for temido". Com essas idéias, Robespierre só poderia ser morto. Diz ele em seu último discurso : "Nasci para combater o crime, não para governá-lo. Não chegou o dia no qual os homens honestos possam servir impunemente à pátria. Os defensores da liberdade sempre serão proscritos, enquanto predominar a manada dos escroques ". (Fala em 8 Termidor). Em vez de ironizar os jacobinos, os corruptos de hoje deveriam lavar a boca com sabão de cinzas. Mas são eles os que dominam, enquanto o povo teme, não é temido. Ou a situação muda, ou logo teremos políticos brasileiros com privilégio de indumentária (no Antigo Regime, só os nobres podiam usar certas cores e modelos), de propriedade e porque não, também do jus primae nocte ... Talvez assim, escândalos como o atual deixem de existir. Aliás, uma coisa boa da "crise Renan" é que os brasileiros pouco se importam com a subjetividade do parlamentar. Eles querem apenas saber de onde saiu o dinheiro. É aí que políticos de todos os partidos se enroscam...
