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sábado, julho 07, 2007

Revista Forbes







A lógica da sobrevivência
População começa a se perguntar qual o sentido de carga tributária tão alta se parte dela some no ralo da corrupção, sem a punição daqueles que se beneficiam de recursos públicos?

Por Liliana Lavoratti

Roberto Romano: sucessão de escândalos acaba com a legitimidade

Para alguns pensadores da filosofia política, o poder se torna ilegítimo de duas formas: pela origem ou pelo exercício. No nosso passado recente, os militares foram combatidos pela maneira como chegaram ao poder.Hoje,o que está acontecendo no Brasil é uma situação inédita que se encaixa perfeitamente na segunda categoria. Embora tenha chegado a cargos públicos por caminhos legítimos — pelo voto ou “notório saber”,como é o caso dos ministros de tribunais superiores, e dentro dos ritos institucionalmente democráticos —,parte das autoridades tem exercido o poder fora dos requisitos legais, distorcendo os fins para os quais foram eleitos.







Essa é a conclusão do professor titular de ética e filosofia política da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, considerado uma autoridade no assunto. Ele chama a atenção para um detalhe: pela primeira vez na história do país os três poderes estão desgastados com denúncias de corrupção e uso indevido da máquina pública.“O Brasil está vivendo uma crise inédita de relacionamento entre os três poderes,que implica uma imensa indefinição do papel de cada um e o distanciamento do Estado da sociedade civil”, acrescenta. O Executivo governa no lugar do Legislativo com a edição excessiva de medidas provisórias; deputados e senadores se vendem ao governo em troca de benefícios políticos e pessoais, e até alguns integrantes do Judiciário são suspeitos de conduta indevida.

Embora as autoridades tenham chegado aos cargos com legitimidade,a sucessão de escândalos ocorrida nos últimos anos resultou num problema de legitimidade do Estado brasileiro que suscita dúvidas na cabeça de empresários, investidores estrangeiros, trabalhadores, cidadãos da classe média.“Qual a legalidade de tão elevada carga tributária — ao redor de 38% do Produto Interno Bruto (PIB) — imposta à população, se boa parte desses recursos corre pelo ralo da corrupção sem uma punição efetiva dos que operam essa subtração do dinheiro público nos vários setores do Estado?”, analisa Romano.

Com essa gigantesca dimensão, o problema não é mais do governo, do Congresso ou do Judiciário,é do Estado brasileiro, ressalta o filósofo sobre este momento da vida nacional, em que membros dos três poderes são presos pela Polícia Federal sob fortes indícios de desvio de conduta.Até o “irmão-problema” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,Genival Inácio da Silva,o Vavá, foi pego em uma recente megaoperação da Polícia Federal, a Xeque-Mate.Vavá foi indiciado por “tráfico de influência no Executivo” e “exploração de prestígio no Judiciário”.Ou seja,lobby usando seu parentesco com o presidente da República para intermediar negócios entre empresas e o governo federal.

Como definiu o empresário Oded Grajew, líder de movimentos do terceiro setor, “é como se fosse um câncer, a doença se espalha por todos os espaços da sociedade”. Segundo ele, a corrupção não é culpa de ninguém,nem o brasileiro é mais corrupto que os demais povos.“O processo é que está doente, e sua lógica precisa ser mudada. O povo precisa exercer o seu direito, conhecendo melhor e participando mais do uso dos recursos públicos obtidos por meio da cobrança de tributos”, acentua.

Enquanto isso,em Brasília, os parlamentares se engalfinham em torno da famigerada reforma política — mais uma vez ressuscitada como o remédio para a cura de todos os males que acometem governantes, magistrados e legisladores. Embora sabedores de que não seria agora, a toque de caixa, que conseguiriam superar as enormes divergências entre os principais pontos das mudanças no atual sistema político, os partidos se esqueceram da falta de consenso e colocaram o tema em votação na semana passada. Mas, como não era para valer, começaram pelo ponto mais polêmico e radical da reforma política: aprovar a lista fechada.Ou seja, uma mudança de 180 graus que rachou a base governista.

Defendida pelas cúpulas dos partidos, a tese ganhou força no Congresso no bojo da busca de respostas rápidas para melhorar a imagem arranhada do Legislativo.“Os partidos não são democráticos, eles têm donos.Além do mais, não acaba o caixa dois. Quem disse que acordos por baixo dos panos entre partidos não acontecerão mais?”, esbravejou o deputado Sílvio Costa (PMN-PE).

Pela lista fechada, o eleitor vota no partido,que ganha no Legislativo o número de cadeiras correspondente ao seu porcentual de votos. Se o partido conquistar x vagas, são eleitos os x primeiros nomes da lista montada pelos dirigentes da legenda.Ou seja, todo poder para as cúpulas partidárias.“É o maior golpe que a democracia do país pode receber”, completou. Entretanto, os parlamentares favoráveis ao voto em lista argumentam que o novo sistema fortalecerá os partidos e abrirá caminho para aprovação de outro tema da reforma política, o financiamento público de campanhas. Sem o primeiro, dizem, o outro perderia o sentido.

O projeto de financiamento público estabelece que campanhas sejam financiadas exclusivamente com recursos arrecadados dos contribuintes. Hoje, as despesas de campanha são pagas com contribuições individuais e de empresas privadas. Os recursos sairiam do Orçamento da União, que terá de reservar R$ 7 por eleitor.Mas em vez de os recursos irem para as mãos dos candidatos, eles seriam distribuídos para os partidos. E como é de esperar,mudanças tão radicais prometem ainda muita discussão e pouco resultado.Pelo menos a curto prazo, tudo deverá continuar na mesma.
Vavá, o irmão de Lula, foi indiciado por tráfico de influência

Mas por que um escândalo atrás do outro ocorre e os brasileiros não se rebelam de forma mais contundente contra isso? Porque são passivos ou não entendem as razões da apropriação dos bens públicos por parte dos ocupantes de cargos no poder.Se os contribuintes e eleitores cobrassem mais de seus representantes nos vários poderes, provavelmente Renan Calheiros não teria se sentido tão à vontade para dizer que vieram da agropecuária os recursos usados para pagar despesas pessoais. Nem o relator do processo contra o presidente do Senado, Epitácio Cafeteira (PTB-MA),teria pedido,com tanta naturalidade, o arquivamento das investigações, “por falta de provas”. O PSol entrou com o processo na Comissão de Ética da Casa,acusando Renan de quebra de decoro parlamentar.

Romano vai até o início da República para mostrar que a corrupção é parceira antiga. Naquela época já havia o preceito segundo o qual o bom deputado ou senador é aquele que traz para sua região ou cidade uma ponte,um hospital, uma escola com verbas do Orçamento Geral da União.É a lógica do imediatismo da sobrevivência política.Os eleitores votam nos corruptos que pegam, para si mesmos, o pedágio do retorno dos tributos cobrados nos municípios e estados.Mas não dá para dizer que a população é corrupta por eleger os políticos corruptos que atuam dentro dessa lógica”,assinala o acadêmico.Ele lembra que quem não faz isso morre.Um político ortodoxo do ponto de vista da ética não votará nos projetos do Executivo só para ter as verbas de suas emendas orçamentárias liberadas, mas também não vai levar a creche e não será reeleito. Com o fim da ditadura militar, retoma- se a hegemonia do Executivo, nas mãos de civis, mas ocorre que o presidente tinha vindo de uma oligarquia regional — José Sarney, da Arena, o partido que apoiava o regime militar, e que chegou ao cargo com a morte de Tancredo Neves.Numa época de incertezas, o governo Sarney conviveu com a inflação alta, tentou vários planos que não deram certo, pois pairava no ar a ilegitimidade do presidente. “O Executivo entrou numa crise que também era inédita na história da República.Nenhum presidente foi tão ilegítimo quanto Sarney. Quase todo o poder da República foi colocado nas mãos de Ulisses Guimarães, ele era o grande homem da República, e com isso o Congresso começou a se sobrepor em relação ao governo.” Com o “melancólico” final do governo Sarney,surge o “salvador”Fernando Collor de Mello, que prometia acabar com a inflação num milagre.Os sucessivos planos econômicos, com o radical e inédito confisco da poupança, trouxeram enorme desconfiança das classes médias urbanas,dos setores empresariais, do que poderia ser o governo Collor.E como não atendiam aos interesses industriais e das classes médias, a inflação voltou e novamente o Congresso procurou retomar a influência sobre o Palácio do Planalto. Naquele momento foi fundamental a aliança do Congresso com o Judiciário, observa o professor da Unicamp.

Na opinião de Romano, foi isso que deflagrou o impeachment de Collor, sucedido por Itamar Franco — um nome novo da política mineira,mal recebido pela imprensa e,portanto,fraco institucionalmente. Ao terminar seu mandato,Itamar deixou consolidada a recuperação da economia, embora criticado pelo PT.O grupo que gerou o Real foi o que assumiu o poder com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. “Vimos então uma retomada da tentativa imperial da Presidência sobre o Congresso e o Judiciário.”

A aprovação da reeleição no Congresso foi desgastante para Fernando Henrique. “Ele conseguiu se reeleger,mas enfraqueceu a Presidência e o Congresso”,comenta Romano. “A cada volta do parafuso, temos um curto-circuito.Quando o Plano Real tinha forte apoio do empresariado, da classe média e do operariado, e era a âncora da governabilidade e da confiança, o presidente da República não conseguiu manter a hegemonia dentro do Congresso e a oposição, liderada pelo PT, desestabilizou o governo, com denúncias e tentativas de criar várias CPIs.

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