Recebi hoje a mensagem abaixo. Como não sou o sujeito da comunicação, visto que o autor não se dirige diretamente a mim, mas me trata na terceira pessoa, como ausente, não respondo diretamente. Como norma, sempre respondo as palavras que recebo. No caso, o missivista, como ele mesmo afirma, não queria dialogar (embora use erradamente a expressão para dizer o que pretendia) mas atacar. Deste modo, sou colocado entre os que possuem "ignorância e falta de sensibildiade", "ignorância e falta de bom senso", "cinismo (no pior sentido do termo) descarado típico dos elementos mais conservadores (e reacionários) de nossa formação social (tipo aquela gente do Democratas)".
Não responderei aos ataques, trazidos até meu endereço particular (se o missivista conhece o direito, sabe que é grave a violação de domicílio, mesmo em forma de carta ou similares ). Se a mensagem me tratasse na primeira pessoa, eu a responderia. Mas não mereci sequer esta gentileza do missivista. Enfim, mostra perfeita do modus operandi dos que se imaginam no direito de censurar o pensamento alheio. Sempre fui crítico ácido, mas jamais sequer insinuei que os que de mim discordaram deveriam se calar. Mas sou antiquado, pertenço ao tempo em que o debate não era conduzido à maneira dos novos donos do país.
Na longa verrina enviada, surge apenas uma velada indicação sobre Antonio Carlos Magalhães e sua oligarquia, com a referência envergonhada aos "democratas". Em terra onde do aeroporto às principais vias e praças tudo tem o sinete da familia Magalhães, noto que é muito oportuno e conveniente, para o missivista, tal silêncio obsequioso. De repente, os professores da Unicamp, eu incluido, seremos apontados como fonte das violências praticadas pelos Magalhães e outros nomes de familias brancas da Bahia, festejadas e exaltadas, quando no governo ou na oposição.
Colocarei o endereço do missivista no Anti-spam do UOL. Caso outras mensagens, com ataques à minha honra, como os citados por mim e postos alegremente no texto abaixo, aparecerem em meu computador, tomarei as medidas judiciais cabíveis.
Caso o missivista deseje, de fato, conversar sobre os nossos diferentes pontos de vista, estou às ordens na Unicamp. Basta que me envie uma carta pelo correio, para o local público correto, a própria Unicamp, expondo suas opiniões, sem ataques à honra e à boa fé alheia. Responderei com o respeito com o qual trato todos os meus adversários leais.
Agora, não esperem que, com xingatórios e insultos, eu me cale. Para sua tristeza, continuarei falando, escrevendo, pensando de modo autônomo, sem pedir as bençãos de movimento algum. Quem passou pela celas da ditadura, lutou contra os donos do Partido Comunista e similares, ergueu-se contra a Igreja conservadora e progressista, e manteve a espinha erguida denunciando todos os massacres feitos no país em trinta anos de vida pública (o missivista não cultiva o gosto pelos arquivos, caso oposto, saberia das inúmeras vezes nas quais, inclusive com perigo de vida, defendi vítimas da violência, sobretudo as de origem negra), não se cala porque um dono do movimento negro manda calar.
Roberto Romano
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Cotas – Algumas palavras sobre porque é perverso ser "do contra"
Há poucos instantes ouvi uma entrevista que conseguiu me deixar bastante chateado, fazendo-me parar tudo o que eu estava fazendo até então (e olha que era coisa muito séria). O entrevistado era o prof. Roberto Romano, filósofo 'unicampiano' especialista em ética e (mesmo assim) contrário às cotas. Assim, em parte respondendo ao prof. Romano, resolvi, do alto de minha ousadia (que alguns chamam de arrogância), escrever imediatamente esse texto que é uma espécie de desabafo. É resultado da profunda chateação de alguém que um dia, por ignorância e falta de sensibilidade, já teve reservas contra o sistema de cotas, mas que atualmente – e já há algum tempo – está cansado de ouvir, sem ter a devida oportunidade de rebater, argumentos capciosos contra as cotas, os quais são, no mínimo, derivados da ignorância ou da falta de bom senso e, não raramente, provenientes do cinismo (no pior sentido do termo) descarado típico dos elementos mais conservadores (e reacionários) de nossa formação social (tipo aquela gente do Democratas) – o que me deixa "tiririca da vida". Por outro lado, é fruto da chateação com o surpreendente e angustiante despreparo de algumas pessoas que têm malogradamente ido a público (por meio de rádio e TV) usar a palavra em defesa do sistema de cotas – e isso me deixa doente (meu estômago vira uma verdadeira bomba). Assim, não deve espantar-vos o tom visceral que minhas palavras assumirão em alguns momentos – eu sou assim mesmo, principalmente quando ofendem minha inteligência. Pois bem, e para o bem, sem mais delongas, vamos aos tais argumentos que a ofenderam.
Primeiro argumento (justiça seja feita, esse não foi usado pelo professor): as cotas são desnecessárias porque os negros são tão capazes quanto os brancos. Errado. Os negros são, sim, tão capazes quanto os brancos – embora nunca tanta gente tenha afirmado isso de forma tão veemente quanto a partir da implantação das cotas. Capacidade não tem cor, é verdade, e não é o contrário disso que o sistema de cotas presume. A adoção das cotas implica em admitir que, embora sendo igualmente capazes, negros e brancos não foram submetidos aos mesmos padrões de capacitação, não têm o mesmo acesso à educação de qualidade (que é quase um artigo de luxo). Não que os colégios privados brasileiros sejam a oitava maravilha do mundo em matéria de educação... O que é inegável, exceto sob a ótica dos mui patifes, é o fato de que, se comparados aos colégios públicos, elas, as instituições de ensino privado, oferecem um serviço positivamente diferente (especialmente no que concerne à preparação de seus estudantes para os vestibulares – que começa ainda no ensino fundamental) e que faz uma grande diferença "na hora do vamos ver". Também não quero negar que haja bons colégios públicos... Há, mas são exceções (dignas de figurar nos noticiário em horário nobre). Ora, uma vez que, guardados os casos excepcionais, negros e brancos não são submetidos a um mesmo padrão de capacitação, é plenamente justificável e é justo que não sejam submetidos a um mesmo padrão de competição. A forma de avaliação pode – e deve – ser a mesma, mas os critérios para tal avaliação devem ser, assim como as condições pregressas, diferenciados.
Segundo argumento: o vestibular é um sistema de avaliação baseado no princípio liberal – e democrático – do mérito, que se assenta na idéia de que todos somos iguais (o tal princípio da isonomia), e as cotas enterram esse princípio. Errado. As cotas não obliteram os princípios do mérito e da isonomia, nem sequer lhes impõem um só arranhão. O que está implícito no sistema de cotas é a idéia de que há méritos e méritos, dito de outros modos, que mérito não é algo absoluto, que o mérito não tem autonomia – i. e., não surge do nada. Não há isonomia entre pessoas que foram historicamente colocadas em condições desiguais (e o professor, que pelo menos não se esqueceu das aulas de História do Brasil, sabe que esse "princípio republicano" nunca foi uma realidade entre nós – e eu nem diria que a República é). Aliás, se não me falha a memória, o princípio da isonomia é de concepção e aplicação meramente jurídicas ( i.e., todos são iguais perante a lei e só perante a lei). Por força muito mais das estruturas que das circunstâncias, somos diferentes e somos diferenciados, esse é o dado fundamental da vida em sociedade – e aqui na terra brasilis isso é brutalmente marcante. Portanto, não há nenhum atentado à moral admitir que a nota 7 de um estudante negro (ou "branco", ou "pardo") pobre (que geralmente é obrigado a percorrer grandes distâncias de casa à escola e que, por isso mesmo, tem que acordar sempre mais cedo; que estuda em prédios mal-conservados e mal equipados; que, não raro, convive com a falta de aulas e de professores; que não tem condições de tomar aulas de reforço e que, não raro, é arrimo de família e, por isso, obrigado a trabalhar para sustentar a si mesmo e a outros) equivale à nota 10 obtida pelo estudante branco (ou "negro" abastado) e que, no mínimo, teve acesso a uma boa educação escolar e goza de boas condições de vida (que não preciso enumerar). E isso, ao invés de ferir o fantasmagórico princípio da igualdade ao, supostamente, estabelecer "privilégios" em favor de uma cor é, finalmente, a instituição da igualdade a partir da instauração da eqüitatividade (coisa que não vejo a "turma do contra" mencionar), uma vez que os candidatos passam a competir com iguais (pelo menos no que tange ao acesso às oportunidades) e, assim, os diferentes têm, enfim, o direito a um mesmo acesso ao que antes era, sob o disfarce da "concorrência justa", um privilégio dos "melhores" ( i.e., dos mais bem treinados), quase um monopólio (digo "quase" porque houve alguns poucos, dentre os quais me encontro, que, quase fazendo chover, conseguiram rompê-lo). E parece-me que o distinto prof. Romano, assim como alguns de seus colegas unicampianos, não é completamente insensível a isso, posto que apóia, em sua universidade, um sistema de avaliação que, embora diverso, parte do mesmo princípio das cotas – a saber, que a não ser nos tribunais (e olhe lá!!!) na verdade não há isonomia alguma entre os concorrentes. Por outro lado, afirmar, como alguns incautos, que antes das cotas havia negros nas universidades é pura e simplesmente tentar "tapar o sol com uma peneira", fechar ferimento com cuspe e tampar caixão com papel crepon, uma vez que antes das cotas a presença de negros nas universidades não ultrapassava a casa dos 5%, o que em uma sociedade que tem quase 85% de negros é um verdadeiro absurdo. Na verdade, cotas de 40% ainda não são justas. No fim das contas ainda estamos sendo lesados.
Em tempo, agora respondendo ao prof. Romano, cumpre ressaltar que quando falamos em negros não estamos necessariamente fazendo menção a uma cor específica. Embora eu não concorde com o princípio estadunidense do one drope rule, digo-lhe que ser negro no Brasil é algo que está para além da cor da pele. Aliás, o racismo da "terra das três raças" leva menos em conta nossas cores que nossos cabelos. Uma das partes mais complexas desse racismo é o estabelecimento de uma paleta quase infinita de cores, ao longo da qual as seqüelas derivadas do preconceito racial (bastante, mas não exclusivamente, relacionado ao fator cor da pele) têm se distribuído. E isso está na raiz de um de seus pontos mais cruéis que é a capacidade de impelir negros a alienarem-se de uma parte importante de seu próprio ser, sua negritude. Assim, por muito tempo a consciência negra (ponto crucial de orientação do nosso estar no mundo) existiu apenas em níveis subterrâneos. O que quer dizer que por muito tempo a maior parte das populações negras no Brasil estiveram a se nortear por bússolas existenciais estranhas a si mesmas – daí a recorrência entre negros da demonização das religiões de matriz africana, da exotização da imagem do continente africano (que muitos pensam ser um país), da negação de nossos padrões estéticos ( i.e., de nossa beleza), etc. E é diante isso que afirmar a idéia e o sentimento que chamamos negritude ao ponto de cobrir um amplo espectro da tal paleta de cores é uma tarefa histórica que ainda estamos a cumprir. Deve ter sido notado que no parágrafo anterior utilizei aspas para negro, quando abastado, e para branco, quando "pobre de Jó". Isso porque é parte do racismo tupiniquim a crença de que o dinheiro, esse ÜberGot que tudo pode, pode "embranquecer" – e a contrapartida está em plena vigência: a falta do dinheiro também pode "enegrecer". O fato é que o racismo brasileiro, que, infelizmente, é de uma sofisticação absurda, não foi montado apenas em bases biologistas, nem poderia ser, dada a diversidade fenotípica de nossa formação. Aqui há um jogo de posições e colorações que é capaz de desnortear as cabeças mais vagarosas. Um "negro" rico (desde que devidamente identificado como tal) é infinitamente melhor tratado que um negro pobre, que por sua vez é mais maltratado que um "branco" pobre, que, a seu turno, não recebe o mesmo tratamento de um branco endinheirado, mas, em condições não insólitas, pode vir a ser melhor tratado que um "negro" rico (antes que me perguntem, estou usando o termo rico em oposição a pobre – é simplista mas é, eis o que importa, inteligível), por outro lado, o "negro" rico dificilmente é tratado da mesma forma que o branco rico. Desenrolando o nó: em todo o caso o negro pobre tá fu... e, sim, levando em conta o jogo de forças, há espaço nas cotas para os "brancos" pobres (que geralmente subscrevem-se como "pardos" e são minoria, ao contrário do que o prof. Romano afirmou em sua entrevista ["milhões e milhões de brancos pobres que também não tem condições de acesso ao ensino superior" – ah, pára ô!!!]).
Mesmo assim há oposição. A oposição branca não é coisa que se possa estranhar, afinal trata-se dos "prejudicados". Perderam uma parte considerável de algo que lhes era quase todo (na prática) reservado. É a reação das forças dominantes. E a oposição negra? Aqui vai um palpite muito pessoal: a questão, nesse caso, é primeiro sociopolítica e depois cultural (ignorância mesmo!). Se averiguarmos quem são os negros que se dizem contra as cotas veremos que ou (1) são negros de classe média (e que, portanto, são bem menos afetados pelos efeitos do racismo brasileiro), engajados em instituições supostamente voltadas para a representação de populações negras, ou (2) são pessoas que, infelizmente, não tiveram e não têm (às vezes, e não poucas vezes, por desleixo) acesso à informação – e, principalmente nós que trabalhamos com educação, sabemos quais são os resultados disso. O segundo caso é bastante claro: a ignorância é a chave da questão. E o primeiro? O que estaria por trás da recusa das cotas por negros de classe média (às vezes até média alta) e envolvidos no movimento negro (tomado em termos amplos)? Vou lhes dizer exatamente o que penso: primeiro, as cotas não são boas para eles, pois seus filhos (geralmente mandados para colégios privados) não poderão se beneficiar delas, e digo porque já vi alguns reclamarem disso; segundo, as cotas não são boas para eles, pois se constituem na base de um movimento que em tempo não longo vai incidir na ampliação da concorrência entre negros academicamente qualificados (as classes superiores têm, instintivamente, a tendência a resistir à entrada de novos membros em suas fileiras e poucos são os seus integrantes que, pondo outros princípios acima dos de classe, não agem de acordo com essa tendência).
Terceiro e quarto argumentos (também não mencionados pelo prof. Romano): (3) as cotas não são a solução para o problema do acesso ao ensino superior, o que deve ser feito é a reforma da educação pública brasileira (que, enfim, proveria a mesma qualificação que a educação privada) e (4) as cotas só acirram (alguns até dizem que criam) o racismo. Que as cotas não são a solução, nós já sabemos. A solução talvez nunca seja encontrada, parece-me que, infelizmente, não há um graal para cada problema que aflige a nossa sociedade. Aliás, é assim que as coisas são: problemas que são sociais (e, logo, coletivos e inerentes à estrutura e a dinâmica de uma sociedade) não são problemas simples e, portanto, não têm uma solução simples (dããããããããã, é claro, né!) . O que não quer dizer que se deve abandonar as soluções parciais, posto que é sempre por meio delas – e, às vezes, de forma traumática – que se constrói "a solução". Em um país como o nosso, cuja questão racial é uma das mais complexas do mundo, o sistema de cotas é uma necessidade e sua implantação é um avanço enorme em direção ao solucionamento dos problemas que gravitam em torno de nossas (às vezes silenciosamente) conturbadas relações raciais e, por isso, mesmo não senda a solução, é algo que sob nenhum ponto de vista (inclusive o da moral) é censurável. Ademais, as cotas por si mesmas não poderiam acirrar um racismo assentado em bases comportamentais construídas ao longo de quatro séculos, um racismo que já chegou a ser chamado de cordial. A forma de racismo vigente em nossa sociedade e que impregna (até a medula) muitos de seus membros não incita ao confronto direto, mantém a tensão em níveis quase sempre implícitos, mas nem por isso menos danosos (ninguém é racista [sarcasmo viperino], mas as populações negras comem o pão que o diabo amassou com a parte interna do rabo no canto mais fedorento do quinto dos infernos). Assim, a melhor forma de desmontá-la e, com alguma sorte, proscrevê-la de nossas vidas, é torná-la manifesta em todas as suas faces. E, nesse sentido, o sistema de cotas é um poderoso instrumento porque desnuda o racismo entranhado em nosso sistema educacional (de alto a baixo). Os cotistas têm conseguido resultados que até mesmo antigos e atuais críticos do sistema de reserva de vagas consideram impressionantes – porque realmente são impressionantes pra quem acha que ser negro é igual a ser burro. Por outro lado, na rabeira dos descontentamentos, nunca se falou tanto (especialmente na imprensa – ela mesma, na condição de espaço de poder, um foco de perpetuação do racismo) em relações raciais no Brasil, nunca se discutiu tanto o racismo no mercado de trabalho, na educação, no acesso à saúde e a outros bens que deveriam ser de público acesso. Na longa duração, e, talvez, na média , esses fatos serão percebidos como prenhes de sementes de mudança, e mudança em direção a uma sociedade realmente democrática (ou, na pior hipótese, bem menos distante disso), cujas oportunidades sejam melhor distribuídas. E no mínimo por isso a vigência (e ampliação) do sistema de cotas deve ser defendida por nós.
Quinto argumento (e com ele volto a dialogar com o prof. Romano): as cotas são humilhantes para os negros (eu ainda não acredito que ouvi algo assim, em cadeia nacional, de um intelectual de sua estirpe). Desculpe-me, professor, mas com essa vou tirar os chinelos e mandar ver: esse argumento é todo bufado, falacioso até não poder mais. Por quê? Ora, vejamos... Primeiro, professor, humilhante é comprar aprovação no vestibular (o que geralmente é feito em Medicina e Direito, cursos de hegemonia branca) ou comprar diploma – e depois ser pego pela PF (é que no Brasil vergonhoso é roubar e não levar). Humilhante para um negro (ou negra) é passar a vida em subempregos – verdadeiras extensões da nominalmente extinta escravidão –, sabendo que poderia estar ocupando uma posição melhor – e tendo a consciência de que não foi por falta de inteligência, mas por falta de oportunidade, ao passo que o mundo circundante só diz o contrário. Caro professor, conheço pedreiros que seriam excelentes filósofos, padeiros que seriam grandes administradores, domésticas que seriam ótimas advogadas ou médicas, porteiros que seriam historiadores batutas e dançarinas que dariam a alma para concluir um curso de enfermagem. Sabe o que falta a todas essas pessoas? Oportunidade. Tem um grupinho miudinho que até bem pouco tempo ocupava todos os melhores espaços. E como fazia isso? Através do vestibular. Nas horas vagas trabalho com pré-vestibulares e sei muito bem que aprovações em processos vestibulares têm menos a ver com inteligência que com condicionamento/treinamento. Portanto, felicito-me em informar que não há humilhação alguma para os aprovados cotistas – eles e elas sabem muito bem do que se trata, que passaram porque, concorrendo com seus pares, apresentaram méritos, assim, sabem que não devem nada a ninguém (volto a afirmar, ser negro não é sinônimo de ser burro) e mostram isso em seus rendimentos acadêmicos (que não deixam a desejar quando comparados com os das moças e rapazes 'de família').
Vou me alongar um pouco e gastar um tempinho com mais um argumento utilizado pelo prof. Romano: o de que a adoção das cotas como forma de reparação histórica presume que as atuais gerações [brancas] são culpadas pelo que as passadas fizeram. Isso não é verdade, e esse argumento só mostra que há, sim, uma espécie de sentimento de culpa por parte dos ofendidos pelo sistema de cotas. Quando falamos em reparação (que é um termo do qual eu particularmente não gosto), não estamos falando em punição. Decididamente não é isso. Estamos falando em restituição – este é o termo. E não estamos, nós negros e negras de pulso e voz firme, como que a encarnar o benjamininano anjo da história que, todo lamuriento, só olha para o passado onde vê as pilhas de cadáveres. Não, nós olhamos para o passado, sim, mas, sobretudo, nós estamos falando de opressões presentes. É muito esquisito que um intelectual renomado ainda não tenha percebido isso. Na verdade, é impossível que não tenha percebido. Não penso que o professor é um ingênuo, queria muito poder acreditar em algo assim, mas não dá. Mas, voltando à afinação da viola caipira, por que digo que a política de cotas é uma forma de restituição? Porque através dela, a política de cotas, alguns jovens negros estão enfim podendo ter acesso ao que o suor de seus ancestrais e o suor de seus pais, irmãos, vizinhos e amigos (e não raro o seu próprio suor) tem financiado. Enfim, a universidade pública tornou-se realmente pública, deixou de ser uma espécie de clube. E até nisso temos uma forma de restituição. E, em tempo, nenhuma diferença faz, caro professor, que tenha havido agentes negros no processo de constituição do escravismo. Por quê? Porque com ou sem tais agentes uma coisa é inegável: houve a escravidão e essa escravidão é um fato constitutivo da vida econômica daquilo que chamamos de nossa nação e os benefícios de tal fenômeno não foram revertidos, nunca, em nosso favor; não há nenhuma nação africana que tenha aproveitado o que quer que fosse daquilo que, lá atrás, o tráfico de escravos representou em termos econômicos para elas. Pelo contrário, os mesmos povos que verdadeiramente se beneficiaram do que foi produzido pela mão-de-obra negra cativa (fundamental para o desenvolvimento do capitalismo, como o professor já deve saber), só acabaram de desgraçar com a situação daquelas terras. Convido-o a admitir, caro professor, que o fato de ter havido canalhas negros que vendiam e compravam escravos não suaviza a inegável – posto que maciçamente documentada – canalhice do traficante e do receptor brancos (sobre as quais se erigiu parte considerável do complicado, mas muito rentável, edifício econômico brasileiro), assim como a existência de dependentes químicos nunca será razão para inocentar os traficantes de drogas. Não vou pedir que olhe para seu coração, seria um pedido piegas, peço que olhe para o mundo ao seu redor e diga onde estão os dividendos do que foi feito das vidas de meus ancestrais, daí veremos se ainda haverá clima para sustentar o argumento que acabei de revirar.
Como se pode perceber, a argumentação dos oponentes do sistema de cotas é completamente baseada em argumentos falaciosos, não raro erísticos ( i.e., maldosamente retóricos como o quinto argumento), sofismas de interpretação, em que se misturam o falso e o verdadeiro, criando proposições falsas com ares de verdadeiras (como no primeiro e no segundo argumentos), ou, então, pela deliberada confusão da parte com o todo (ver terceiro argumento), induzindo a erros de acidente (onde se toma por essencial o que não é mais que informação acessória – como no caso das insistentes menções à participação de agentes africanos no tráfico negreiro), ou, ainda, por meio do recurso a falácias post hoc (aquelas em que se inverte a imagem do problema tomando conseqüências por causas, como no caso do quarto argumento), sempre visando desqualificar, obviamente de forma mal-intencionada, a idéia das cotas como instrumento útil à construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, na qual, dentre outros progressos, se possa sinceramente afirmar que a luta, salutar, pela ocupação dos espaços mais valorizados no mercado de trabalho se desenvolve em termos igualitários, sem distinções entre brancos e negros, em que ambos possam enfim, partindo de patamares semelhantes, ser avaliados de uma mesma forma e que, de verdade, os melhores concorrentes ocupem os melhores espaços. Em suma, uma sociedade que, por fazer valer plenamente – e não apenas em termos jurídicos (e nem isso se consegue em nossos dias) – o princípio da isonomia, não mais precise lançar mão de soluções amargas (para alguns) como as cotas.
Vanderlei Marinho
Professor de História ( COE-Quilombo, Projeto Educar para transformar e Instituto Cultural Steve Biko ) e mestrando em História Social do Brasil pela Universidade Federal da Bahia
P.S.: Esse texto foi escrito há algumas madrugadas, não me lembro qual, mas isso pouco importa.
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terça-feira, julho 10, 2007
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