Manifesto do Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto
Carta aos Parlamentares e Gestores sobre Reforma Política e Projeto de Nação João Pessoa (PB), 2 de julho de 2007.
1. O Congresso Nacional transmite à população a imagem do descrédito de si mesmo, dadas às sucessivas denúncias de escândalos administrativos e financeirospraticados por políticos de alto escalão envolvidos em esquemas de corrupção.
Assemelha-se a um organismo em estado de insolvência indesejável, colocando emsituação de risco a causa republicana e a estabilidade democrática do País.A opinião pública repudia a desmoralização da classe política. Denúncias de escândalos são apuradas e julgadas por um conselho de ética presidido por outro acusado, selecionado pelo réu! Resultaria na responsabilização dos envolvidos, ilesos e impunes? Como restaurar a verdade dos fatos ou restituir ao erário o que
foi surrupiado? Que satisfação darão à sociedade? O que esperar de um jogo de cartas marcadas?
2. A morosidade do processo investigatório conta com a influência corporativista de correligionários ademais dos grupos de pressão. Encenações, falácias, meandros de jurisprudência conseguem desconversar e contornar situações com o típico jeitinho brasileiro. O mérito das denúncias apuradas cede ao desgaste moral e ao enfado do noticiário, profuso e confuso.
Por fim, a desistência do processo de apurações com a vitória da incoerência, da improvisação, do relegamento. A memória histórica do nosso bom povo é frágil. O povo não reage e tudo esquece sem coragem moral para cobrar postura mais digna dos que ajudou a eleger democraticamente.
3. Absolvições sumárias, crimes abafados, anistia geral e irrestrita para acusados que nem foram adequadamente avaliados. A certeza da impunidade adestra a esperteza de políticos que insistem em desviar verbas do erário. Falcatruas, superfaturamentos, percentagens surrupiadas dos projetos e obras públicas se consagram como “caldo de cultura bem brasileira”. Roubar o erário tornou-se cultura de regra! O orçamento do Congresso alcança R$ 6 bilhões em 2007. Cada um dos 513 deputados e 81 senadores custa ao povo R$ 10 milhões por ano. Além do gasto, a qualidade de serviço público é incompatível com as reais necessidades do País.
4. As Casas onde se decidem os destinos do País tornaram-se balcões para negociatas rentáveis. Parlamentares e gestores legitimam suas farsas, acobertados por foros privilegiados. Sem dúvidas, seus lucros estão garantidos, contando com
vantagens administrativas, econômicas e jurídicas especiais. O movimento dos sem caráter e sem escrúpulo se fortalece a cada dia. As evidências dos crimes de lesa-pátria, mesmo que sejam desmascarados, seguem-se à cumplicidade de “negócios entre amigos” solidários, fraternais.
5. A crença da população se esvai diante de escândalos sucessivos, provenientes dos representantes por ela eleitos. Falsas lideranças fogem. Embrenham-se pelos labirintos de fantasiosa hermenêutica judiciária que lhes dá guarida. Abatem-se os
ânimos, desfere-se contra a coragem de construir braviamente no respeito à ordem constituída num Estado de direito e de fato.
6. Voltamos a ser colônia, regida por detentores do poder, acoimados pela ausência de um projeto de Nação. Há anos convivemos com esse cenário. Em contrapartida, o atraso de duas décadas e meia de crescimento. Que desenvolvimento esperar de uma nação que perde a sua soberania porque perde a sua honra? O clima pesado de Brasília é retrato do que acontece no País: a projeção do desespero do povo traído por representantes legitimamente eleitos. Suportamos a
reprodução da triste sina, sentenciada na estrela do ocaso, tenso, enigmático, obscuro.
7. O desregramento ético conseguiu desmoralizar os valores éticos presentes na nossa Carta Magna que, se conspurcada, converte-se em puro nominalismo.Os princípios democráticos lavrados qual sacrossanta oração nas páginas
constitucionais estão sendo negados de fato, quando não de direito. Chegávamos em 1988 à sublime consagração de nossa Constituição, cognominada cidadã, sustentáculo da democracia participativa do povo brasileiro, co-responsável na construção coletiva dos seus destinos.
8. Com atos criminosos que negam a Constituição, nossas instituições vão sendo estremecidas e desacreditadas ante a inexplicável omissão de muitos parlamentares e gestores. A maioria demonstra afastamento, frieza, covardia. O
povo, indiferente, afasta-se também. Não sabe mais a quem recorrer. Não acredita mais nas autoridades. Por atos heróicos de fé, o povo se agarra a alguma tábua de salvação. Refugia-se até na mística da religião. Conserva no coração o santo temor de Deus, sobretudo nas horas de sofrimento, praticando alguma obra de caridade em atitude de solidariedade humana.
9. O povo procura autoridades para resolver problemas de saúde, de emprego, algum recurso para sua sobrevivência. Na verdade, as autoridades se omitem. Por ausência de vontade política não permitem o povo crescer. Dificilmente orientam o
povo para assumir algum compromisso, não a favor de si, mas, da coletividade. Quem não percebe isso? Acossada pela violência, a população se apavora e se contenta... Dificilmente o povo reage. Os empobrecidos “se viram”. Já que não há trabalho para eles, contentam-se com as compensações da “bolsa família”. O povo não está nem aí. Contenta-se ao menos em comer e se divertir um pouco. Sabe que está sendo enganado. Honra e dignidade? Somente em discursos retóricos.
Falar sobre princípios de democracia representativa, de participação popular na construção da cidadania para uma massa de empobrecidos é mero discurso retórico.
10. O veneno mortífero da corrupção política alastra-se às lideranças, às instituições e aos seus responsáveis. O descrédito do povo nos torna suspeitos, vulneráveis. A desmoralização abate-se sobre aqueles que defendem os mais lídimos valores e se comportam com ilibada conduta. Os líderes e responsáveis pelas instituições são suspeitos de confabular conchavos com o intuito de praticar extorsões. Qual pandemia, o descrédito contamina a todos. Triste!
11. Para grandes males, grandes remédios. O momento nacional requer a reversão dos quadros dos desmandos que bradam aos céus por soluções, conclamando políticos e eleitores a amplos debates sobre Reforma Política. Claramente, os
caciques que não toleram mudanças mostram-se dispostos a manipular e inviabilizar transformações substanciais em detrimento dos privilégios pessoais. Os frutos bichados de corrupção revelam raízes apodrecidas de uma árvore moribunda.
12. Desde o Senado às Câmaras Municipais, a política deixe de representar uma negociata rentável para se tornar serviço à concidadania. Políticos despreparados, apadrinhados por oportunistas, não podem continuar a se locupletar. Falta-nos um
verdadeiro Projeto de Nação apontando prioridades planejadas em forma de políticas públicas, com organização, garantindo o controle administrativo e financeiro. Sem isso, continuaremos com conchavos de projetos superfaturados,barganhas feitas com dinheiro público, tudo isso prosperando graças à conivência de cúmplices. Falta-nos um verdadeiro projeto de Estado e de Nação!
13. Diante do espelho que revela o rosto da corrupção generalizada, as pessoas honestas desacreditam em transformações sociais. Poucas ainda acreditam no crescimento humano integral, no desenvolvimento sustentável com inclusão e justiça social. Prefiro me alistar nessa categoria. Por isso dirijo o meu apelo aos Vereadores e Deputados Estaduais. A política nasce no Município. Um Projeto de Cidade e de Estado depende, em grande parte, do Poder Legislativo. Se não existir meios de participação efetiva dos cidadãos eleitores, maiores chances para expedientes de corrupção.
14. A população paraibana que ver os seus parlamentares empenhados nas causas de reais interesses coletivos. Nas Câmaras e Assembléia definam e formulem um núcleo de objetivos públicos comuns. Dêem retorno à população sobre a aplicação
dos recursos em trabalhos realizados. Não se limitem a usar a imprensa (incluindo TV Câmara, Assembléia) atrelados a
um atavismo histórico, obcecados pelas disputas intestinas, corporativistas. Não há mais espaço para cabos de guerra, a favor ou contra o Executivo Municipal e Estadual. A população a custo consegue enxergar quem defenda as verdadeiras
causas que, de fato, lhe interessa!
15. Pressupondo e respeitando os programas de Partidos de VV. SS., demonstrem-se propulsores de boas articulações. Ilustrem projetos que asseguram o crescimento da cidade e da concidadania a favor de todos, não apenas de um ou de
outro “partidário”. Pela nobre missão que lhes é confiada, não percam a oportunidade de liderar a população, envolvendo-a nos debates pela Reforma Política e de um núcleo (mínimo) de prioridades estaduais e locais! Informem e formem a opinião pública em função das causas públicas, de interesse coletivo. Liderem e mobilizem a população. Não apareçam apenas em época eleitoral para pedir votos, agredindo-se mutuamente! Parlamentares e gestores, bancada paraibana: demonstrem metas comuns, articulem o método e articulação entre o Poder Legislativo e Executivo. Convoquem e organizem os eleitores militantes. Articulem sua participação cidadã em torno das políticas públicas, estaduais e municipais. Dêem retorno e satisfação sobre o que VV. SS. estão realizando. Avaliem avanços e recuos. Não maquiem dados, envolvam-nos na construção da história! Revitalizem as nossas raízes, como um povo de bravos!
16. A verdadeira atividade política acontece nas bases, na construção da cidade e da cidadania! Ampliem o seu campo de ação, chegando a abranger o Estado e a Nação. Os bens públicos, a “res pubblica”, são o eixo em torno do qual se
estruturam as políticas públicas e a aplicação dos recursos a elas destinados. A corrupção mata pessoas quando desvia recursos destinados aos serviços públicos. Impede que nossos filhos tenham acesso à escola qualificada. Impede que os
pobres tenham saúde e atendimento médico. Impede o empobrecido de crescer, capacitar-se, profissionalizar-se, conseguir meios para manter sua família.
17. A Câmara Federal discute timidamente a Reforma Política. Tenta aprovar uma reforma que não altere a Constituição. Houve “dificuldade” para conseguir o quorum requerido. Na realidade, muitos, sem preparo, não querem verdadeiras
transformações sociais que dependem de mudanças constitucionais. Complicado, não? Uma reforma que começa pela indisposição diante das transformações fundamentais confirma o rosto maquiado dos bastidores da política. Há corruptos
que insistem em se manter no poder com garantias de continuidade do crime de lesa-pátria para si e seus grupos de pertença. Apurados os crimes, nem sempre são responsabilizados nem punidos os criminosos desobrigados de ressarcir o erário surrupiado. Efetivamente não merecem a tolerância da população.
18. As representações políticas no Senado, na Câmara Federal, nas Casas Estaduais e Municipais devem ter a participação de eleitores. Porém, as lideranças precisam de formação política, devendo se envolver conjuntamente com a população de
forma direta e permanente na construção de um Projeto de Nação e de Estado com espírito cívico. Enfim, senhores parlamentares e gestores públicos: orientem o povo! Precisamos mais de educação do que de festas e mais festas, cuja soma financeira daria para qualificar professores da rede pública, otimizar recursos tecnológicos para as escolas dos filhos das classes humildes, reformar escolas e investir em hospitais, com atendimento mais humanizado e com aparelhagens modernas. Precisamos crescer e não nos enganarmos com “pão e circo”!
19. Nosso povo é bom, mas é passivo... A ambigüidade dessa passividade pode ser reorientada pelos caminhos da crítica construtiva, concidadã. Ajudem o nosso povo a se libertar da ignorância, da alienação, do atraso, do atrelo à dependência,
sobretudo através de políticas de capacitação e profissionalização. Dinheiro para projetos existe. Não existem projetos sérios. É isso! Falta-nos um projeto de Estado e de Nação, envolvendo o povo como sujeito promotor e evolutivo do seu próprio progresso.
20. Pouco nos interessa definir o modo de eleger deputados federais (foi rejeitada a proposta de votação em listas elaboradas pelos Partidos, à mercê da opção dos eleitores votando numa das listas propostas) sem o fortalecimento dos Partidos apresentando projetos com a participação popular. Saiam às ruas, façam dias de cidadania, caminhem com o povo, estejam mais presentes acompanhando a vida do povo. Promovam audiências e sessões populares, apresentem pistas de soluções dos problemas interessando a população em propostas e contra propostas. Envolvam a população! Que Deus os abençoe e os ajude! Livre-nos todos, da corrupção e da omissão, pois esta seria pior do que tentar acertar fazendo algo pela coletividade! E viva a Paraíba, terra amada!
+ Aldo di Cillo Pagotto, sss
Arcebispo Metropolitano da Paraíba
Comentário:
discordo em vários pontos de Sua Excelência Revma. Mas considero o seu documento importante. Pelo menos alguém da Igreja coloca alguns pontos nos ii, pois a mairoia dos antístetes cuida de agradar o Governante de plantão, nada mais. Gostei muito da frase seguinte: "O MOVIMENTO DOS SEM CARÁTER E SEM ESCRÚPULOS SE FORTALECE A CADA DIA."
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