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quarta-feira, dezembro 12, 2007

Comentário: na linha de respeitar as tendências sociais e políticas na sua pluralidade, reproduzo abaixo o artigo de Luiz Flávio Cappio saído hoje na folha de São Paulo. É possível discordar dos motivos e das razões apresentados pelo religioso. O caminho ideal é mostrar que os motivos por ele assumidos podem ser, ou não, partilhados no campo dos valores. Refiro-me, claro, à distinção de Max Weber no relativo à atitude, no mundo moderno, definida pelo politeísmo dos valores. Usar as crenças pessoais para impor conceitos ou políticas, é uma forma anterior à moderna de persuasão. Quem deseja encontrar a fonte inspiradora de Weber, neste ponto, a encontra no item "Dos padres" em Assim Falava Zaratustra: "O sangue é o pior testemunho da verdade;(...) atravessar o fogo pela sua doutrina, o que isto prova?" (Aber Blüt is der schlechteste Zeuge der Wahrheit; (...) Und wenn einer durchs Feuer geht für seine Lehre,was beweist dies! )

Um militante de qualquer causa não será impedido de efetivar seus alvos, mesmo e sobretudo que razões ponderáveis sejam apresentadas diante de seus ouvidos e olhos. Em algumas situações, isto leva a práticas úteis para a sociedade. Como foi o caso da resistência ao nazismo, absoluto dono do poder e contra o qual seria "louco" resistir. Todos os dados "objetivos" eram contrários à resistência.

Mas em muitas situações, agir segundo valores sem restrições e sem levar em conta ponderações científicas e objetivas, conduz a prejuºizos sociais e políticos, em detrimento até mesmo de quem age daquele modo. Os exemplos de Savonarola e de Lutero, de um lado, de Thomas Müntzer e Robespierre, de outro, servem como sinais de alerta.

No artigo do bispo, abaixo, coexistem a atitude mencionada, com mescla de argumentos racionais. Creio ser preciso argumentar sobre os segundos, deixando a primeira à sua própria lógica, sem reduzir os dois campos pela ironia. No texto, muitas coisas verdadeiras sobre o atual governo e prática política são enunciadas. De outro lado, basta analisar os operadores governamentais (como o lamentável Geddel, aquele que troca de patrão mais rapidamente do que trocamos de camisa)para nos dar conta de que, se a causa do governo é séria e grave, bem fundamentada científicamente, nem por isto os encarregados de efetivá-la merecem respeito, do presimente aos seus áulicos.

Seria bom apresentar argumentos contrários às teses do bispo, baseados em razões científicas. Quanto ao seu jejum, já vivi uma situação assim na cadeia, durante a ditadura. E hoje, a cada passo da covardia e pseudologia do PT e de seus "aliados" (caros), sinto vontade de fazer greve de fome.

Mas aprendi que passar pelo fogo para testemunhar doutrinas, nada prova quanto à sua veracidade.

Roberto Romano




Jejuo também por democracia real


Luiz Flávio Cappio

Acusam-me de inimigo da democracia por estar em jejum e oração combatendo um projeto autoritário e falacioso: o da transposição. Acusam-me de inimigo da democracia por estar em jejum e oração combatendo um projeto do governo federal autoritário, falacioso e retrógrado, que é o da transposição de águas do rio São Francisco.
Meu gesto não é imposição voluntarista de um indivíduo. Fosse isso, não teria os apoios numerosos, diversificados e crescentes que tem tido de representantes de amplos setores da sociedade, inclusive do próprio PT.Vivêssemos uma democracia republicana, real e substantiva, não teria que fazer o que estou fazendo.

Um dos mais graves males da "democracia" no Brasil é achar que o mandato dado pelas urnas confere um poder ilimitado, aval para um total descompromisso com o discurso de campanha, senha para o vale-tudo, para mais poder e muito mais riquezas. Tráficos de influências, desvios do erário, porcentagens em obras públicas e mensalões são práticas tradicionais na política brasileira, infelizmente, pelo visto, ainda longe de acabar. A sociedade está enojada e precisa se levantar.

Há políticos -e, infelizmente, não são poucos- que, por onde passaram na vida pública, deixaram um rastro de desmandos, corrupção, enriquecimento ilícito etc. Como ainda funcionam o clientelismo eleitoral, a mitificação de personagens, as falsas promessas de campanha, o "toma-lá-dá-cá" e mais deseducação que educação política do povo, esses políticos conseguem se reeleger e galgar posições de alto poder em governos, quaisquer que sejam as siglas e as alianças.

Na campanha do candidato Lula, o tema crucial da transposição era evitado o máximo possível. Mas as campanhas eleitorais, à base do marketing e das verbas de "caixa dois" das empresas, são tidas e havidas como grandes manifestações do vigor de nossa democracia, que, com urnas eletrônicas, dá exemplo até aos EUA... O projeto de transposição não é democrático, porque não democratiza o acesso à água para as pessoas que passam sede na região semi-árida, distante ou perto do rio São Francisco.

O governo mente quando diz que vai levar água para 12 milhões de sedentos. É um projeto que pretende usar dinheiro público para favorecer empreiteiras, privatizar e concentrar nas mãos dos poucos de sempre as águas do Nordeste, dos grandes açudes, somadas às do rio São Francisco. A transposição não tem nada a ver com a seca. Tanto que os canais do eixo norte, por onde correriam 71% dos volumes transpostos, passariam longe dos sertões menos chuvosos e das áreas de mais elevado risco hídrico. E 87% dessas águas seriam para atividades econômicas altamente consumidoras de água, como a fruticultura irrigada, a criação de camarão e a siderurgia, voltadas para a exportação e com seríssimos impactos ambientais e sociais. Esses números são dos EIAs-Rima (Estudos de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente), públicos por lei, já que, na internet, o governo só colocou peças publicitárias.

O projeto de transposição é ilegal e vem sendo conduzido de forma arbitrária e autoritária: os estudos de impacto são incompletos, o processo de licenciamento ambiental foi viciado, áreas indígenas são afetadas e o Congresso Nacional não foi consultado como prevê a Constituição.Há 14 ações que comprovam ilegalidades e irregularidades ainda não julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o governo colocou o Exército para as obras iniciais, abusando do papel das Forças Armadas, militarizando a região. A decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, de Brasília, em 10/12 deste ano, obrigando a suspensão das obras, é mais uma evidência disso.

O mais revoltante, porque chega a ser cruel, é que o governo insiste em chantagear a opinião pública, em especial a dos Estados pretensos beneficiários, com promessas de água farta e fácil, escondendo quem são os verdadeiros destinatários, os detalhes do funcionamento, os custos e os mecanismos de cobrança pelos quais os pequenos usos subsidiariam os grandes, como já acontece com a energia elétrica. Os destinos da transposição os EIAs/Rima esclarecem: 70% para irrigação, 26% para uso industrial, 4% para população difusa. Temos um projeto muito maior. Queremos água para 44 milhões de pessoas no semi-árido. Para nove Estados, não apenas quatro. Para 1.356 municípios, não apenas 397. Tudo pela metade do preço previsto no PAC para a transposição.

O Atlas Nordeste da ANA (Agência Nacional de Águas) e as iniciativas da ASA (Articulação do Semi-Árido) são muito mais abrangentes, têm prioridade no abastecimento humano e utilizam as águas abundantes e suficientes do semi-árido.
Fui chamado de fundamentalista e inimigo da democracia porque provoquei que o povo se levantasse e, disso, os "democratas" que me acusam têm medo. Por que não se assume a verdade sobre o projeto e se discute qual a melhor obra, qual o caminho do verdadeiro desenvolvimento do semi-árido? É nisso que consiste a nossa luta e a verdadeira democracia.

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Dom Frei Luiz Flávio Cappio, 61, é bispo diocesano da cidade de Barra (BA) e autor do livro "Rio São Francisco, uma Caminhada entre Vida e Morte".

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