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quarta-feira, dezembro 05, 2007

Segue a formula breve, para jornal (ali o espaço e pequeno) do Agradecimento a B nai B rith

Correio Popular de Campinas, 5/12/2007

Roberto Romano
Agradecimento a B’nai B’rith


“Pereça o dia em que nasci e a noite que disse: foi concebido um homem! (...) Aquela noite! dela se apoderem densas trevas; (...) seja estéril aquela noite (...) que não veja as pálpebras dos olhos da alva, pois não fechou as portas do ventre de minha mãe, nem escondeu dos meus olhos o sofrimento” (Jó, 3).

Do justo aos nossos dias, a humanidade amaldiçoa a noite onde o mal impera. Os nomes do abismo são infinitos: Satan, Lúcifer, o Maligno. Na modernidade, ele deixa de ser indicado por sujeitos e se impessoaliza em fichas terminadas em “ismo”, fascismo, nazismo, racismo. A sua virulência não se amaina e se potencia ao máximo. Nas Luzes, os seguidores da ciência percebem as armadilhas do Mal, mas apostam no bem. Segundo Diderot, “O gênero humano não subsistiria se o vício dominasse, pois é preciso o concurso de muitas ações boas para reparar os danos causados por uma só ação má; um crime basta para arrancar a vida de um ou muitos homens, mas quantas ações boas devem concorrer para conservar cada indivíduo?”. Quem escreveu O Sobrinho de Rameau, sabe até onde vai a baixeza da Humanidade.

O elogio romântico das trevas prepara o terreno imundo que gera várias noites: a Noite dos Cristais, a Noite das Longas Facas, a noite dos campos de concentração. Se o nazismo, o estalinismo, o fascismo usaram saberes científicos e bélicos para esmagar milhões de seres, cabe encontrar as raízes do mal no ser humano que produz ciência mas a dirige para a sua sede arrogante de poder. Não aceito que o Holocausto seja o fruto das Luzes modernas. Menos ainda que o genocídio só se tornou possível com a Ilustração e a modernidade, como afirmam Theodor Adorno, Max Horkheimer e Zygmund Baunann, em Modernidade e Holocausto. Sabemos até onde pode conduzir a burocracia. Mas lhe atribuir a causa magna do Holocausto é não apenas uma forma de enunciar meia verdade, ou fornecer a indivíduos concretos desculpas para sua entusiástica adesão ao poder que planejava o morticínio, desde longa data, antes mesmo de chegar à direção do Estado. Desculpa é a defesa escrita por Carl Schmitt ao Tribunal de Nuremberg. A Corte lhe pergunta “por que os Secretários de Estado seguiram Hitler?”. Resposta: “a burocracia ministerial alemã”.

A defesa de Schmitt é indecente e covarde, pois esconde sob a burocracia, para o dissimular, o seu racismo e anti-semitismo. Schmitt escreveu na Westdeutscher Beobachter (31/05/1933) o artigo Os intelectuais alemães, onde afirma que definir a inteligência sem o povo é perder o sentido do espírito. “Nenhum entendimento de um indivíduo único pode se subtrair ao todo, à totalidade de sua existência concreta, e está aí precisamente o seu vínculo com o povo”. Pensar diferente “seria fazer como se a geometria clássica pudesse ter sido inventada tanto por um negro inteligente quanto pelo grego Euclides, como se o gênio matemático do filósofo alemão Leibniz fosse pensável do mesmo modo, em época diversa entre os mexicanos ou siameses”. Ao falar de Einstein, Schmitt diz que ele odeia os alemães “quando especula como relativista sobre os átomos, parece ligado, em cada uma de suas fibras, incluindo a de seu cérebro, ao povo ao qual ele pertence e à situação política deste seu povo”. (Y. Zarka, Un detail nazi dans la pensée de Carl Schmitt).

Não existe neo-nazismo, mas nazismo aggiornato. Defender a ciência, as artes, as técnicas, apesar dos usos genocidas é tarefa civilizatória. O racismo e o anti-semitismo não têm origem na ciência. Julgo de má-fé o argumento que põe na ordem científica a consagração do mal no mundo. Na Encíclica Spe Salvi (Salvos pela Esperança) publicada por Bento XVI, é dito que a ciência pode conduzir ao ateísmo e à perda dos valores divinos e humanos. Mas se olharmos a história, no fanatismo religioso se encontram as raizes venenosas do ódio racista e anti-semita, a recusa dos direitos humanos. Basta recordar o Edito de Expulsão de 1492 e a Sententia Estatuto de Toledo de 1449 e o texto de Lutero, Sobre os judeus e suas mentiras. A razão é centelha divina em nossas mentes e, como afirma Yossel Rakover em momento de suprema dor, comparável à sofrida por Jó, “Blasfemamos contra Deus aos nos denegrirmos”.

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp.

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