COMENTÁRIO:
Gosto bastante da jornalista Cantanhede. Seus artigos, de modo costumeiro, são lúcidos e penetrantes. Não é o caso dos últimos escritos  sobre as Farc e seu embaixador no Brasil. No  texto abaixo fica bem clara a fragilidade lógica e factual de sua argumentação. Cantanhede abusa da arma retórica chamada paradoxo. O termo vem do grego "opinião" (doxa) e significa "ir contra a opinião corrente"(para ten doxan). Receita eficaz para atrair o público, no arsenal da retórica, é  defender causas perdidas ou injustificáveis. É assim que o orador Górgias fez o elogio de Helena, personagem odiado por todos os gregos. É assim que Rousseau, indo na contramão das Luzes, faz a crítica das técnicas e das artes.
Muitos jornalistas tentam usar a técnica do paradoxo, tendo em vista acicatar a opinião comum ou defender coisas impossíveis de serem defendidas.
Só examino, no artigo de Cantanhede, o símile entre Stroessner e o dito "embaixador das FARC". Quando o tirano paraguaio veio para o Brasil e foi aceito como exilado, suas bases de poder no Paraguai eram frágeis em demasia (ele caiu justo por tal motivo) e não haveria risco para o nosso país, tanto em termos de fronteira quanto de ação em nosso território. A situação das FARC é outra. Embora enfraquecidas, elas dominam parte do espaço Colombiano, ameaçam e invadem países vizinhos (se com a cumplicidade dos governos daquele países, é outra história), exercem diuturnamente, a partir de suas bases,  atividades bélicas e criminosas, com os seus negócios de narcóticos. Interessa, sim, saber o que tal grupo faz no Brasil. E se existem pessoas que operam em seu nome, aqui, criminosas seriam as nossas autoridades se aceitassem o fato.
Teria alguma coisa a dizer sobre os e mails. Sim, qualquer um pode inventar temas e pessoas em mensagens eletrônicas. Mas as investigações em andamento e já feitas, mostram demasiada coerência entre os emissários e os destinatários, incluindo aí as pessoas referidas nas mensagens. A prudência manda não aceitar a priori a veracidade das mensagens,mas também exige que não se descarte a priori o seu conteúdo de verdade.
Operar em sentido paradoxal pode trazer luz para aspectos de um debate, antes ignorados. Mas pode servir como cortina de fumaça para proteger interesses desconhecidos. E perigosos.
Roberto Romano 
São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008     
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  ELIANE CANTANHÊDE
  Chifre em cabeça de cavalo   BRASÍLIA - Alfredo Stroessner foi  ditador do Paraguai de 1954 a 1989  e não era flor que se cheirasse -que  o digam suas vítimas e descendentes. Mas, ao ser chutado do poder,  veio parar no Brasil, instalado cômoda e tranqüilamente na capital  da República como exilado político,  até morrer em 2006 de morte morrida, aos 93 anos de idade. Isso não significa que o governo  brasileiro financiasse o terror paraguaio, nem articulasse um golpe no  país vizinho, nem... nem coisa nenhuma. Apenas concedeu-lhe um  direito internacionalmente reconhecido: o asilo político. Agora, há um deus-nos-acuda porque o Brasil acolhe o cidadão colombiano Olivério Medina, ex-padre que se apresenta como "embaixador" das Farc e cuja mulher, uma brasileira, trabalha no Ministério da Pesca. Entonces, pergunta-se: 1) o país que acolheu Stroessner por 17 anos não pode fazê-lo com Medina por quê? 2) nem ele nem sua mulher podem trabalhar e devem morrer de fome? Essa discussão está fora de controle. A crítica que se deve fazer ao  governo Lula é outra, por ter sido  tão rápido e tão eficiente ao entregar os dois boxeadores cubanos de  bandeja (ou melhor, de avião venezuelano) para o regime nada amistoso de Fidel Castro. Não por dar a  Medina um status de asilado. É como os e-mails das Farc citando brasileiros: isso não prova nada,  muito menos participação na guerrilha, em contrabando de armas e  cocaína, exportação de revoluções e  articulações para derrubar Uribe. Estamos carecas de saber das antigas ligações de setores da esquerda brasileira com as Farc, mas as  Farc mudaram, o PT mudou, a turma do Planalto está feliz da vida  com o poder. Ninguém mais fala em  reformas, quanto mais em revolução em país alheio! No máximo, pode-se falar em saídas negociadas entre Uribe e Farc,  para evitar um mar de sangue. E  daí? Com tantos problemas reais, é  pouco para a gente ficar botando  chifre em cabeça de cavalo.
  elianec@uol.com.br
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