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quarta-feira, agosto 20, 2008

Publicada em 20/8/2008

Roberto Romano
Tirania e privilégios

Todos os dias, os brasileiros, escorchados por impostos e sem receber do Estado proteção física e espiritual, educação e saúde, segurança e justos tribunais, ficam sabendo pela imprensa (quando não impera a censura) que os operadores estatais legislam em causa própria, geram privilégios que alimentam seus desejos e ambições, em detrimento do bem comum. Nos três poderes do Brasil, vigora muita injustiça. O atual status quo é pior do que muitas ditaduras, porque é um poder de castas disfarçado com aparências democráticas. Como a cegueira do privilégio impede os dirigentes de enxergar a triste realidade do país, voltemos às fontes filosóficas que nos ajudam a perceber (falo dos “cidadãos comuns”) o quanto nosso Estado é tirânico.

No tratado sobre O Regime dos Príncipes, de Tomás de Aquino, escrito entre 1265 e 1266, o santo retoma Aristóteles: “Um regime torna-se injusto se, ao desprezar o bem comum da multidão, busca o bem privado do governante. Por tal motivo, quanto mais um regime se afasta do bem comum, mais ele é injusto (...) A tirania se afasta mais do bem comum, pois nela se procura o bem de um só, logo o regime do tirano é o mais injusto”. Com base em Aristóteles, mas também por recolher alguma lembrança do injusto platônico, Aquino diz que “o tirano é um o lobo que não garante a segurança dos governados e persegue os bons cidadãos, favorece as quadrilhas reunidas para delinqüir, impede a amizade, propicia a discórdia. Ele em nada difere de uma fera”.

Referência de Aquino é Isidoro de Sevilha, quando se trata da análise da lei e da tirania. A lei é fundamentada na razão e composta não tendo em vista a vantagem privada mas o bem comum dos cidadãos. Qual o alvo das leis? Segundo Isidoro citado por Aquino, “as leis foram feitas para que a audácia humana pudesse ser colocada em limites pelo medo que elas inspiram, para que a inocência fosse protegida no meio dos desordeiros, e que o pavor da punição restringisse os perversos de produzir danos”. Aquino cita Aristóteles: “‘É melhor que todas as coisas sejam reguladas por lei do que deixadas à decisão dos juízes’ e isto por três razões. Primeira, pois é mais fácil encontrar poucos sábios capazes de encontrar leis sábias do que muitos para julgar corretamente cada caso individual. Segunda, porque os legisladores devotam muito tempo ao que faz a lei enquanto o juízo sobre os casos singulares deve ser dado logo que o caso ocorre; mas é mais fácil para o homem ver o que é direito tomando em consideração muitos exemplos, em vez de um só caso. Terceira, porque os legisladores julgam termos em geral em vista do futuro, mas os juízes o fazem em relação ao presente, tratam com o que pode afetá-los pelo amor ou ódio ou ambição de algum tipo, e assim seu julgamento pode ser distorcido. Dado que a ‘lei animada’ dos juizes não se encontra em muitos homens, e porque ela pode ser distorcida, foi preciso, sempre que possível, que a lei determinasse como deveria ser o julgamento, e para muito poucas matérias se confiasse na decisão dos homens”.

Aquino reitera com Isidoro: “‘A lei não deve ser composta para vantagem privada mas para o benefício comum dos cidadãos’, e deve se adaptar ao bem comum. Se a lei é injusta, a ordem divinamente ordenada dos poderes não se aplica, e portanto um homem não é obrigado a obedecer a lei em tais casos, se pode resistir, assim o fazendo sem escândalo ou alarma pior”.

O privilégio de foro, auto-aplicado pelos políticos, é aceito pela Justiça sem maiores questionamentos. O ministro Joaquim Barbosa é dos poucos que criticam tal norma tirânica. E vem a notícia: o Estado brasileiro pagará mais de um bilhão de reais a magistrados, em vantagens, como ajuda moradia, mesmo que residam na mesma cidade onde julgam. Existiria algum nexo entre os privilégios ? Que diriam Isidoro de Sevilha, Aquino, Aristóteles sobre tais atos? Ajudam o bem comum? Ou são tirânicos? Aos, políticos, aos juízes e aos que pagam impostos, a resposta.

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