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quarta-feira, agosto 06, 2008

CORREIO POPULAR DE CAMPINAS 06/08/2008

Roberto Romano


ublicada em 6/8/2008


Eleições e medo



"Acho que há na sociedade um sentimento de medo. As notícias de abuso se espalham" (Ministro Gilmar Mendes, 5/8/2008). Um povo livre, diz Spinoza, sente mais esperança do que medo. Em povo subjugado o medo impera. Após o seqüestro da esperança e do estupro dos valores, perpetrado pelos atuais governantes brasileiros, é tarefa árdua seguir as demonstrações geométricas do maior autor ético moderno. Ler Spinoza é seguir as teses de Maquiavel, sobretudo o seu realismo sadio quanto ao ser humano. Ao recusar as motivações falazes dos grupos e indivíduos, o florentino coloca o dedo em nossa ferida mais purulenta. O legislador, diz ele, deve sempre partir da experiência comum, a que leva a concluir que "todos os homens são perversos" . Trata-se, em semelhante frase, de uma secularização da doutrina cristã sobre o pecado original. Calvino e Blaise Pascal, antípodas na crença mas profundos pensadores, não disseram algo diferente sobre o ser humano.

O desejo de prazer erótico, de mando político e de conhecimento sem apego a valores é marca de Caim, signo indelével se examinarmos a história. O que é o direito natural? À pergunta, Spinoza, na trilha de Maquiavel, só poderia mesmo responder do seguinte modo: "é o direito do peixe grande comer o peixe pequeno" . Enxergamos outra coisa na política dos últimos séculos? Sejam somados a Guerra dos Trinta Anos, os embates napoleônicos, as matanças das batalhas coloniais, os massacres da primeira e segunda Grandes Guerras do século 20, o que se passou no Vietnã e no Camboja, o que ocorre hoje no Oriente Médio. E não descobrimos outra coisa senão o indicado por Calvino, Pascal, Maquiavel, Spinoza.

O fato é que a guerra se prolonga nas sociedades, e o "direito natural" leva aos genocídios, ao holocausto dos que são e pensam diferente dos que manipulam a força física. Para diminuir a virulência dos mais fortes, filósofos e juristas imaginam o Estado e a política. Mas como todos os meios são convertidos em armas dos que possuem mais riqueza e poder, o Estado se transforma em formidável máquina de destruição, com o totalitarismo nazi-fascista e comunista. Em vez de assegurar a vida dos fracos, a burocracia estatal gera monstros na maioria dos povos em que se firmou. Em vez de esperança, ela expele o medo universal.

"Como o princípio do governo despótico é o medo, o fim é a sua tranqüilidade; mas não se trata de uma paz, é o silêncio dessas cidades que o inimigo está prestes a ocupar. A força não estando no Estado, mas no exército que a fundou, seria preciso para defender o Estado, conservar este exército; mas ele é formidável para o príncipe. Como pois conciliar a segurança do Estado com a segurança da pessoa?" (Montesquieu, O Espírito das Leis). O Brasil é um Estado despótico.

Examinemos a opinião pública nas atuais eleições, após anos da proclamação de que a "esperança venceu o medo" : as chamadas "milícias" atuam nas favelas cariocas e forçam, por medo, mulheres e homens a votar em candidatos do crime. A inflação retorna e ameaça as economias doméstica e nacional (segundo E. Canetti, se a inflação de Weimar fosse menor, milhares não cairiam nos campos de extermínio). Políticos corruptos e truculentos continuam a matança física de seus adversários e o morticínio espiritual com o exemplo de ética tortuosa ("é dando que se recebe" ). Quadrilhas usurpam a soberania do Estado e controlam corpos e territórios impunemente. "Autoridades econômicas" , a qualquer momento, podem alterar os impostos, sem consulta à cidadania. Escritórios de advogados podem ser invadidos, documentos apreendidos, tudo em nome de espetaculosa propaganda do Executivo federal. A mesma força armada, como se fosse um exército invasor, age sem peias legais e recebeu autorização para grampear os telefones de todos nós, sempre com a desculpa de combate à delinquência. "O medo não precisa de definição. Ele é uma emoção primitiva, por assim dizer, sub-política." (Raymond Aron). Se analisarmos o Brasil sob tal ótica, veremos que somos um país dominado pelo medo, um país sub-político. Até quando?

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