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domingo, agosto 31, 2008

Falei sobre o caso abaixo e, confesso, fiquei perplexo com ele. Mas pensando melhor, na universidade pública existe a troca de favores por bolsas, verbas de pesquisa, de viagem ao exterior, tudo mediado pelo segredo covarde dos assessores, todos presos ao compromisso ético de não revelar seu nome nos pareceres, mas sabendo, todos eles, contra quem agem na calada. A política aberta não difere da acadêmica. Só é mais franca, menos hipócrita e dissimulada. E termino aqui, como termino na entrevista abaixo : “E onde há clientela há o jeitinho.”
RR



Candidato promete bolsa de estudo a eleitor
O Estado de S.Paulo / Nacional - 29/08/2008

Ricardo Holz, que concorre a uma vaga na Câmara Municipal pelo PMDB, pede voto em troca de ‘atenção especial’ de ONG para conseguir benefício

Ricardo Brandt

O candidato a vereador Ricardo Holz (PMDB), da coligação São Paulo no Rumo Certo, tem usado uma organização não-governamental para conseguir votos em troca da promessa de obter bolsas de estudo em universidades particulares.

A lei caracteriza como compra de voto o oferecimento ou a promessa ao eleitor de vantagem pessoal de qualquer natureza, em busca de seu apoio. Pesquisa recente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) mostrou que 61% dos entrevistados conhecem alguém que trocaria favores por voto, mas 89% condenam quem faz isso.

Holz é presidente do Instituto Bolsa Universidade, uma ONG que funciona em uma pequena sala do 3º andar de um conjunto comercial da Rua 24 de Maio, centro da cidade. A entidade, segundo seu site, consegue “bolsas parciais de 5% a 70%” em “faculdades ou universidades parceiras do instituto” para quem “siga os passos e normas estipulados pelo instituto”.

Em seu site na internet, o instituto informa que tem parceria com 63 faculdades. A reportagem falou com quatro das mais conhecidas delas, PUC-São Paulo, Mackenzie, Uniban e Unip. As três primeira negaram ter a ONG como parceira. A Unip disse que tem convênio com a entidade, mas não comenta o uso das bolsas.

O interessado na obtenção da bolsa, ao procurar a sede da instituição, é levado por uma funcionária até outra sala do mesmo andar. Não há placas da ONG nessa nova sala, apenas adesivos da candidatura de Holz. Depois de perguntar qual o curso de interesse e até quanto o interessado pode gastar por mês com a faculdade, os atendentes avisam que o presidente da entidade é candidato a vereador e que para ter uma “atenção especial” e o nome incluído na lista de possíveis beneficiados é preciso conseguir para ele os votos de 20 pessoas.

A reportagem do Estado, após se cadastrar, foi até o local. O repórter recebeu duas folhas de papel com o nome de Holz, número eleitoral no cabeçalho e uma lista para ser preenchida com os dados de 20 eleitores que dariam seu voto. Ela inclui a zona eleitoral onde ele vota, para futura conferência.

Ontem, em novo contato por telefone, uma funcionária disse que há 12 anos a ONG concede as bolsas, mas este ano teria prioridade quem apoiasse a candidatura de Holz. “Se você trouxer 30 pessoas que se comprometam a votar no Ricardo, a bolsa é de graça. Mas fica entre a gente”, disse ela. Com as folhas, o funcionário entregou um envelope com material de campanha, inclusive folhetos mostrando Holz ao lado do candidato Gilberto Kassab (DEM). Holz nega que esteja comprando voto. “Eu peço o apoio dos associados. Não autorizo que façam isso.”

Um hábito antigo, de Estados onde o cidadão não tem direitos nem deveres

Gabriel Manzano Filho

O gesto do candidato Ricardo Holz é uma prova - mais uma - de que modernidade não é garantia de democratização e antigos hábitos sobrevivem nas novas formas de mando das sociedades atuais. Quem o diz é o professor de Ética da Unicamp Roberto Romano, veterano estudioso dos bons e maus costumes da vida brasileira. “É uma coisa lamentável, mas não surpreendente”, diz ele. “A compra de votos já era uma coisa comum no Império Romano.”

“Platão se irritava com essa tradição na Grécia antiga e Maquiavel a condenava na Florença no século 15. O autor italiano Luciano Canfora identifica o costume há 2 mil anos, no seu livro Júlio César, o Ditador Democrático”.

Mas por que o hábito é tão marcante no Brasil? “Porque nossa história é uma permanente negação, na vida social, da democracia e do liberalismo. A ausência de liberdade moldou a vida dos municípios. Construiu-se, desse modo, um sistema em que o indivíduo não tem direitos, mas, também, não tem deveres. Ele não é cobrado, não sente o dever de observar limites ou princípios.”

Na origem disso está o monopólio do poder pelo Estado, diz ele. “Vivemos num ambiente em que tudo se concentra no Executivo, que ainda fica com 70% do total dos impostos. Isso estrangula as aspirações do sujeito e ele recorre a truques para se safar. O deputado e o vereador se tornam estafetas de luxo, que fazem a mediação entre quem tem o poder e o dinheiro e quem dele precisa.”

Romano observa que o povo brasileiro conviveu, desde as origens do País, com experiências de absolutismo monárquico. Seguidas rebeliões liberais foram massacradas. A República Velha herdou esse viés absolutista do Estado. “Tudo conduziu à desvalorização do indivíduo - o catolicismo dominante, conservador, o monopólio de poder exercido durante a República Velha, as duas ditaduras no século 20. Dessa salada saíram os valores sociais que moldam nossas relações sociais de hoje.” O que temos como eleitorado é uma clientela, diz ele. “E onde há clientela há o jeitinho.”

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