Resposta à seita (1) Roberto Romano
Corre pela internet uma carta assinada pela viúva de Paulo Freire. Nela, aproveitando a reportagem da Veja, com pesquisa de opinião sobre o ensino brasileiro, explodem velhos ódios contra mim, mantidos e cultivados até hoje à socapa. O pretexto foi a indicação, pelas jornalistas que assinam a matéria, de meu nome (e de outros) como consultor de suas análises. Sem prestar atenção ao fato (verificável por quem é dono de seus neurônios) de que as responsáveis pelas afirmações da reportagem são as jornalistas, a menção de meu nome como consultor (quem não é tolo, sabe que as assertivas não podem ser imputadas, sem prova, ao consultor, mas a quem usa, literalmente ou não, as informações) levantou o dedo duro contra minha pessoa.
Os ódios são devidos a um artigo que escrevi quando o professor era secretário da prefeita Luiza Erundina. Na ocasião, a secretaria convocou um concurso para provimento de cargo no magistério público municipal. Ao analisar a bibliografia obrigatória do concurso, fui tomado de espanto ao ver que os livros do titular da pasta eram exigidos dos candidatos. Em todo país civilizado, mesmo no Brasil, é evidente o conflito de interesses que tal atitude suscitava. Verifiquemos a consciência de um candidato que não concorda com a teses do secretário: qual a garantia de seu direito subjetivo (e objetivo, garantido constitucionalmente) de livre opinião? Trata-se de um escândalo sem justificativa ética. Indignado com a nítida agressão e uso da ordem pública para promover um conjunto doutrinário particular, escrevi o artigo Ceaucescu no Ibirapuera para a Folha de São Paulo. Como única resposta tive o silêncio ressentido da seita. Nem o titular da secretaria nem os seus áulicos se pronunciaram. Claro, seria confessar o abuso discutir a evidência, provada em Diário Oficial. A partir de então, sempre que pelo Brasil eu topava com os fiéis, percebia a hostilidade traduzida de forma grosseira, insinuações sobre minha ortodoxia de esquerda etc.
Como se tratava de fato passado e como não tinha obtido resposta pública, esqueci o caso e segui na luta contra os abusos da coisa pública, perpetrados por figuras eminentes ou por liliputianas personalidades. Após a redação do artigo, segui outras batalhas pelos direitos humanos e civis e tive o reconhecimento das mais variadas faces da sociedade brasileira. Da distinção a mim outorgada pela Associação Juízes para a Democracia à medalha da B’ nai B’ rith, recebida em 2007 (entre os agraciados nos anos anteriores cito a dra. Zilda Arns), sempre norteei minha vida pública pela defesa da dignidade, da responsabilidade, do apego aos valores éticos e morais. Se firo uma ou outra seita ideológica, política, religiosa, fico triste, mas pago o preço das retaliações.
Na carta mencionada, sou tratado de “filósofo”, assim entre aspas, e “defensor da ética do mercado”. O uso das aspas para desacreditar adversários ou críticos é norma das seitas. Houve na Alemanha uma seita que usou e abusou das aspas. Cito Victor Klemperer, lingüista que sofreu a violência física e espiritual em sua própria terra. Nos escritos do Terceiro Reich, mostra Klemperer, “Chamberlain e Churchil e Roosevelt sempre são apenas ‘estadistas’ em aspas irônicas. Einstein é um ‘pesquisador científico’, Rathenau um ‘escritor alemão’”. Não existe, na Alemanha da época, um só artigo de jornal, ou impressão de um discurso que não use tais aspas irônicas invertidas”. (Victor Klemperer, Language of the Third Reich, LTI Lingua Tertii Imperii, London, Continuum, 2000, p. 73).
Ao atacar, com aspas, minha inscrição na universidade, os redatores da carta usam instrumento retórico pouco recomendável, talvez porque ignorem a sua virulência. Eu os desculpo pela falta de conhecimento. Mas como atacaram minha honra, ao afirmarem que só penso na ética do mercado e não dos valores universais, voltarei ao assunto para informar aos leitores mais detalhes sobre o assunto. Não abri a caixa de Pandora, mas eles, agora, suportem os resultados. |