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quarta-feira, outubro 22, 2008

Publicada em 22/10/2008

CORREIO POPULAR DE CAMPINAS


Ética, plágios, universidade

Roberto Romano

Os saberes integram o patrimônio da humanidade. Toda descoberta - conceito, fórmula, instrumento, figura - resulta dos milênios durante os quais as mãos, os cérebros com inteligência, fantasia e imaginação, lutaram contra a morte no interior da natureza. Blaise Pascal, inventor da máquina de calcular e de muitas coisas práticas, afirma que jamais deveríamos dizer “meu livro”, mas sempre “nosso livro”, pois somos co-autores das gerações que nos precederam.

Com o advento das individualidades modernas, autônomas diante dos coletivos, o nome dos idealizadores integra a descrição do próprio invento. É o direito de propriedade que segue normas legais similares aos dos outros campos da vida pública e particular. O autor, embora tenha partido de conhecimentos anteriores, ao acrescentar sua parcela conceitual tem o direito e o dever de nele indicar o seu nome. Direito e dever pois é preciso, face ao Estado e à sociedade civil, apontar o responsável pelo erro ou acerto das idéias e noções publicadas. Com o plágio, o responsável fica indeterminado, o público ignora a quem culpar ou tecer encômios.

Quando entra nos laboratórios, arquivos, bibliotecas, o pesquisador atualiza o ser humano que busca conhecer o presente e prever o futuro. Se um indivíduo (ou grupo) subtrai aos leitores, especializados ou não, fontes e referências técnicas, etc. ele bloqueia o trato da humanidade consigo mesma. Não ocorre apenas falta legal contra a propriedade privada, mas um atentado contra o nosso gênero. Tal dimensão nem sempre é assumida nos campi, apesar da ordem coletiva ser a “universidade”, corporação dos responsáveis pelos paradigmas do saber em nível planetário. Digo corporação porque as universidades nasceram quando a corporação dominava a Europa. Fechada, a produção corporativa era mantida em segredo. As universidades usaram aquele modelo, mas romperam com o segredo técnico. Corporação sui generis onde os saberes eram publicados. O plágio seria um atentado à essência dos negotia scholaria.

O erro na pesquisa pode ser dito em múltiplos sentidos, a maioria negativos, mas também com significação positiva. Nem sempre as sendas batidas levam ao verdadeiro. Errar, então, significa seguir vias mais longas do que a indicada por sistemas que não mais explicam fatos novos. Existe erro e erro. Quando alguém se desvia das teses dominantes, erra segundo os donos da opinião pública, igrejas, academias, agências de financiamento, etc. Mas a busca pode revelar que o erro grave residia nos que impediam sua pesquisa.

O erro pode vir da pressa na publicação, sem os cuidados de exame rigoroso, e por apropriação indébita de análises alheias, devida à incompetência. Em tal caso, a universidade está em questão porque permite que um pesquisador titulado ocupe cargo de responsabilidade institucional, sem o domínio exigido. E também ocorre a apropriação indébita mas competente, com pleno dolo do responsável individual ou coletivo. Os erros constituem um acidente no curriculum dos plagiários, ou seria hábito, modus operandi? A ética, no mundo herdeiro da Grécia, liga-se ao hábito (hexis), à postura que se tornou costume, quando repetida pelos sujeitos em plano ativo ou reativo. Quem usa nome e idéias alheias e os submete ao público, já deve ter feito algo similar. Se não o fez, deve ser punido, para que seu ato não se transforme em hábito. Se, em vez de punição, a pessoa recebe estímulo, prejudicará outras pessoas e coletivos.

O pesquisador é uma parcela pensante do genero humano. Erros devidos à incompetência e ao dolo, em detrimento de outros, lesam a humanidade. Esta última espera dos trabalhos científicos luzes para vencer desafios. O plágio distorce a verdade no conteúdo e na forma, aumenta a incerteza humana no universo. Em vez de trazer vida, colabora para a morte. Cabe às comissões de ética prevenir plágios. Urge discutir com os jovens o respeito ao ser humano. Inteligências agudas e corações valorosos não aceitam o papel de parasitas. E tal é a maestria dos plagiários.

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