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segunda-feira, junho 25, 2007

O ecologismo charlatao.

Quem ri?
O texto merece ser lido: Ban Ki-moon, o atual secretário-geral das Nações Unidas, publicou artigo de opinião no "Washington Post" onde oferece explicação curial para a tragédia do Darfur. Que se passa naquela região do mundo, com 300 mil mortos (mínimo) e um número incontado e incontável de refugiados?

A sanidade clássica apontaria culpas para o regime brutal que, instalado em Khartoum desde 1989, iniciou várias campanhas de extermínio étnico e ideológico: primeiro, com o simpático propósito de apagar as populações cristãs e animistas do sul; e, depois, elegendo para a matança as populações campesinas e maioritariamente não-árabes do Darfur. A limpeza, como usualmente acontece, não seria executada pelo governo --mas através de milícias "independentes" e "rebeldes" que poderiam fazer o trabalho sujo sem implicar o regime.

Ban Ki-moon tem nova tese. Para o secretário-geral, o Darfur explica-se com o aquecimento global, essa vulgata secular que tudo absolve e simplifica. Os islamitas do Sudão andam a matar africanos com uma violência semelhante à do Ruanda? É do tempo. Ou seja, é a nossa ganância energética que aquece os ânimos dos islamitas sudaneses. Quando se consome energia com selvática ferocidade, a temperatura sobe, a chuva diminui, os recursos escasseiam e, atenção ao salto lógico, um governo africano resolve armar milícias terroristas e iniciar a expulsão, o estupro e o extermínio de milhões de sudaneses.

A explicação é audaz, admito. Mas, infelizmente, ela não salva Ban Ki-moon e a nobre organização que ele atualmente dirige.

Primeiro, não salva a impotência das Nações Unidas. Uma vez mais, e depois do Ruanda em 1994, a ONU presencia mais um genocídio perante os seus olhos, um cenário de horror que, muito compreensivelmente, obriga os burocratas do clube a levantá-los para o céu. Só para ver se ainda chove.

E, depois, não salva nem altera a natureza profundamente racista de um conflito que, com chuva ou sem ela, existiria sempre enquanto o governo de Khartoum, dominado por uma ideologia de submissão e conquista, estivesse interessado em apagar qualquer presença não-árabe no país.

Ban Ki-moon pode acreditar que, sem tropas no terreno e com menos desodorante matinal nas cidades do Ocidente, talvez o regime sudanês seja mais compassivo com as populações do Darfur. As palavras do secretário-geral são uma piada grotesca. Mas eu duvido que, a prazo, ainda haja alguém no Darfur para rir dela.

João Pereira Coutinho na Folha Online

Comentário:

O estágio mágico do pensamento, longe de ser expulso pela ciência, permanece como brasa sob cinzas. Ele ressurge em situações de crise da razão. E os resultados mostram seu peso horrendo: nazismo no século 20, misticismo ecológico e autoritarismo, como no caso do dirigente mundial da ONU,citado acima, que absolve genocidas pondo a culpa no clima, hipótese aliás bem velha no pensamento humano. Basta recordar o escrito médico hipocrático "Sobre os Ares e os Lugares" e, nos séculos 16, 17, 18, as teses sobre o nexo entre clima e caráter dos povos, vigentes em Bodin, Montesquieu, etc. Muita parolagem sobre a "preguiça tropical" se aproxima do diagnóstico delirante do líder da ONU. É a banalização do primitivismo em estado puro.

No debate ecológico atual, o importante seria fazer uma suspensão dos juízos axiológicos e ideológicos, para ir "às próprias coisas", segundo o ditame de Francis Bacon retomado na Crítica da Razão Pura. Mas é quase impossível esta ida às coisas, ou seja, aos objetos debatidos, porque existe uma espessa cortina de slogans, frases feitas, certezas dogmáticas em pauta. O exame frio dos dados, a comparação prudente, enfim, todos os procedimentos das ciências, nada disto impera na guerra verbal no campo da ecologia, porque temos diante de nós dois feneômenos muito conhecidos e criticados por Erasmo de Rotterdam e seus herdeiros das Luzes: a superstição ecológica une-se à uma lucrativa industria de supostas "proteções à natureza". Muita gente que antes tinha fé transcendente (o Apocalipse cristão) agora tem uma fé imanente (o Apocalipse ecológico). Em ambos, o grito atemorizador: "o mundo vai acabar amanhã!".

Na longa espera do Apocalipse, os sacerdotes se aproveitam do medo e da esperança simplórios, e lucram com a venda de santinhos, políticas públicas, campanhas de "esclarecimento", etc. Como na exploração que levou à revolta de Lutero, contra venda de indulgências e de pés de galinha como se fossem ossos de santos e da Virgem, há uma indústria lucrativa do terrorismo ecológico que usa slogans contra a técnica, as ciências, etc. e alimenta simplórios na era eletrônica. Some-se a tudo isso uma pitada forte de heideggerianismo charlatanesco, com a identificação entre técnica e metafísica, e o bolo indigesto da superstição semi-letrada está pronto para o forno.

Rousseau: se você soubesse o mal trazido pelas suas frases bombásticas, você jamais teria escrito o Discurso sobre as Ciências e as Artes. Ele serve, hoje, exatamente aos seus inimigos maiores: os parasitas que vivem do medo que vendem à humanidade, colocando-a sob ferros nunca antes vistos.

Roberto Romano

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