Powered By Blogger

sábado, junho 09, 2007

O Estado de Sao Paulo, 09/06/2007

Lula cria vagas para abrigar aliados

Em 2 meses, secretaria com status de ministério foi aberta, outra está prometida e cargo no BB foi desmembrado

Silvia Amorim

Os planos de montar uma coalizão forte que assegure a governabilidade neste segundo mandato têm custado caro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para saciar a sede dos partidos aliados por cargos no primeiro escalão, a estrutura do governo tem se revelado insuficiente e a saída encontrada por Lula é o desmembramento de órgãos para criar postos. Nos últimos dois meses e meio, o saldo é o seguinte: uma secretaria com status de ministério criada, outra já acertada nos bastidores e que pode ser anunciada ainda em junho e, no capítulo mais recente desse processo, Lula deu sinal verde nesta semana para a duplicação de cargos no Banco do Brasil.

Neste caso, a acomodação de aliados políticos custou ao presidente uma promessa de campanha. Quase dez meses depois de dizer que não aceitava nomear nem mesmo um faxineiro para o banco, Lula orientou o conselho de administração a propor aos acionistas, ainda este mês, a separação da vice-presidência de Governo e Agronegócios em duas unidades, para acomodar o ex-senador Maguito Vilela, do PMDB, e o ex-ministro da Agricultura Luiz Carlos Guedes Pinto, ligado ao PT.

O primeiro passo rumo ao fatiamento da administração foi dado no fim de março, com o anúncio da criação da Secretaria Especial de Portos. O assunto, antes de competência do Ministério dos Transportes, ganhou uma pasta e com status de ministério. A mudança está longe de seguir um critério técnico.Tudo foi feito para compensar o PSB pela perda do Ministério da Integração Nacional, entregue ao PMDB.

O Ministério do Planejamento pode ser o próximo a perder atribuições em prol da acomodação política. Para atender a um pedido do vice-presidente, José Alencar, está em curso a criação da Secretaria de Ações de Longo Prazo. A pasta deve acomodar o professor Roberto Mangabeira Unger, indicado por Alencar.

Também com status de ministério, a nova secretaria incorporaria o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Núcleo de Assuntos Estratégicos. O Ipea pertence hoje ao Ministério do Planejamento.

NEGÓCIO ARRISCADO

Ao criar cargos para atender às demandas dos aliados, Lula abre um precedente perigoso. A opinião é dos cientistas políticos David Fleischer, da Universidade Federal de Brasília (UnB), e Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“O Orçamento tem suas restrições. Por outro lado, esses partidos políticos afrontosamente fisiológicos, quanto mais carne você der, mais eles querem. Aí, começa um jogo perigoso”, avalia Romano. Para ele, o remédio de hoje pode ter um gosto amargo no futuro. “Pode chegar um momento em que você não consegue mais atender à demanda desenfreada por cargos e a coalizão pode rachar.”

Fleischer tem outra preocupação. “O problema disso é que você está descentralizando demais o governo. Isso significa que vai diminuindo o controle das funções. Ao dar muita autonomia dessa forma, por puro fisiologismo, abre-se uma porta para maracutaia e corrupção.”

Ambos concordam que a prática, embora condenável, é inevitável. “Se for mantida a atual estrutura do Estado brasileiro, com essa hegemonia do Executivo e o Legislativo como mero transmissor de recursos para as regiões e apoio comprado pelo governo, é impossível pensar em outro modo de governar”, destacou Romano.

“É uma prática inevitável. Infelizmente o presidencialismo de coalizão funciona assim. Foi assim no governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso... em todos”, disse Fleischer. “No geral, é condenável, mas, pragmaticamente, é louvável à medida em que busca unir forças para governar”, emendou.

No caso do Banco Brasil, o professor de filosofia da Unicamp considera que o loteamento político é até mais preocupante, porque, segundo ele, pode comprometer a economia. “Isso tudo deveria ser muito meditado pelo presidente”, afirmou.

Para pôr fim a deste tipo de barganha em nome da governabilidade, aponta Romano, é preciso estabelecer um novo pacto federativo, que deveria, entre outros objetivos, reduzir o poder central. “Se você não federalizar de fato o Estado brasileiro, você não tira das mãos do presidente esse superpoder, que o leva, como um bloco de cimento, sempre para baixo. É triste ter uma República em que o onipotente não é onipotente e o Legislativo não é o Legislativo.”

Para Fleischer, Lula ainda terá muita dor de cabeça nessa acomodação política. “A repartição de cargos no segundo e terceiro escalão nem começou.”

Arquivo do blog