"Quero que se faça justiça", diz doméstica espancada no Rio
Após receber alta de hospital, Sirlei afirmou querer que agressores "paguem'
A polícia do Rio prendeu ontem mais dois rapazes acusados pelo crime, sendo que um deles se entregou no fim da noite no 16º DP
DA SUCURSAL DO RIO
"Quero que se faça justiça", afirmou à Folha a empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32, após receber alta do hospital Barra D'Or, ontem, no Rio. Ela foi espancada e roubada por cinco jovens na madrugada de sábado, quando estava em um ponto de ônibus na av. Lúcio Costa, na Barra da Tijuca (zona oeste). Ela seguia para uma consulta médica.
"Eu quero que eles paguem, não sei como", disse ela, ao ser questionada se pretendia pedir indenização às famílias dos rapazes de classe média que identificou como seus agressores. Três suspeitos foram presos no sábado, e outros dois, ontem.
A doméstica foi espancada às 4h30 de sábado. Outras duas mulheres que estavam no ponto de ônibus também teriam sido agredidas. Um dos detidos disse à polícia que o grupo pensou que a vítima era prostituta."Mesmo que [as outras mulheres que estavam no ponto de ônibus] fossem prostitutas, não tinham que fazer [as agressões]", afirmou Sirlei."Foram muitos chutes, pontapés, socos, cotoveladas", descreveu ela. Mostrando o braço roxo e inchado, Sirlei disse que tentou se defender em vão das agressões. "Coloquei para proteger o rosto, mas eles ficaram chutando o meu braço."Segundo a doméstica, não houve dúvida para reconhecer os agressores. "O reconhecimento foi imediato."
A polícia do Rio prendeu ontem de manhã o universitário Rubens Arruda, 19, acusado de ser um dos agressores. Seu pai, o empresário do setor naval Ludovico Ramalho Bruno, indicou o local em que ele estava, a casa de um amigo na Ilha do Governador (zona norte).O estudante de turismo Rodrigo Bassalo, 20, que estava foragido, se entregou às 23h15 acompanhado de advogados no 16º DP (Barra da Tijuca), onde passaria a noite preso. Ele não falou com a imprensa.
A partir da placa do carro usado pelos rapazes, anotada por um taxista que testemunhou a agressão, a polícia prendeu no sábado o estudante de direito Felipe Macedo Nery Neto, 20. Ele admitiu o espancamento, disse que o grupo pensava que a vítima fosse uma prostituta e deu os nomes dos demais rapazes. Foram presos então Júlio Junqueira, 21, dono de um quiosque na praia da Barra e estudante de gastronomia, e Leonardo de Andrade, 19, técnico em informática.Ontem, quando negociava a apresentação do filho à polícia, na 37ª DP (Ilha do Governador), o empresário Ludovico Bruno tornou-se vítima de um conflito na Ilha do Governador entre a PM e traficantes.Por volta das 9h, o empresário estava em um banco, na entrada, quando o local foi metralhado. Uma das balas atingiu suas pernas de raspão. "Não morri porque Deus não quis."
Contratado pelo empresário José Maria Souza Mota, patrão de Sirlei, para representá-la, o advogado Marcus Fontenele disse que entrará na Justiça contra os suspeitos com uma ação civil por danos morais, físicos, estéticos e financeiros.
De acordo com o delegado Carlos Augusto Pinto Nogueira, Nery Neto é o único dos quatro presos que mantém uma "postura agressiva". Os demais dizem estar arrependidos e não param de chorar. O delegado indiciou os cinco por tentativa de latrocínio.O advogado de Andrade, Paulo Scheele, disse que seu cliente não participou do espancamento. A Folha não conseguiu ouvir pais e advogados dos demais. (SERGIO TORRES, MALU TOLEDO e MÁRCIA BRASIL)
"Existem crimes piores", diz pai de jovem agressor
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
O microempresário Ludovico Ramalho Bruno, 46, disse acreditar que o filho Rubens Arruda, 19, estava alcoolizado ou drogado quando participou do espancamento da empregada doméstica Sirlei Pinto. "Uma pessoa normal vai fazer uma agressão dessa?", perguntou ele após ter sido vítima de um tiroteio na delegacia. Dono de uma firma de passeios turísticos marítimos, Bruno afirmou que o filho não deveria ser preso, para não conviver com criminosos na cadeia. "Foi uma coisa feia que eles fizeram? Foi.
Não justifica o que fizeram. Mas prender, botar preso, juntar eles com outros bandidos... Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses? Existem crimes piores." Se forem indiciados, os acusados vão responder por tentativa de latrocínio (pena de 7 a 15 anos de prisão em caso de condenação) e lesão corporal dolosa (de 1 a 8 anos de prisão).
Folha - O sr. acredita na acusação contra seu filho?
Ludovico Ramalho Bruno - Eles não são bandidos. Tem que criar outras instâncias para puni-los. Queria dizer à sociedade que nós, pais, não temos culpa nisso. Eles cometeram erro? Cometeram. Mas não vai ser justo manter crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham, presos. É desnecessário, vai marginalizar lá dentro. Foi uma coisa feia que eles fizeram? Foi. Não justifica o que fizeram. Mas prender, botar preso, juntar eles com outros bandidos... Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses? Existem crimes piores.
Folha - O sr. já falou com ele?
Bruno - Não. É um deslize na vida dele. E vai pagar caro. Está detido, chorando, desesperado. Daqui vai ser transferido. Peço ao juiz que dê a chance para cuidarmos dos nossos filhos. Peguei a senhora que foi agredida, abracei, chorei com ela e pedi perdão. Foi a primeira coisa que fiz quando vi a moça, foi o mínimo que pude fazer. Não é justo prender cinco jovens que estudam, que trabalham, que têm pai e mãe, e juntar com bandidos que a gente não sabe de onde vieram. Imagina o sofrimento desses garotos.
Folha - O sr. acha que eles tinham bebido ou usado droga?
Bruno - Estamos com epidemia de droga. A droga tomou conta do Brasil. O inimigo do brasileiro é a droga. Tem que legalizar isso. Botar nas farmácias, nos hospitais. Com esse dinheiro que vai ser arrecadado, pagar clínicas, botar os viciados lá, controlar a droga.
Folha - Mas o sr. acha que eles poderiam estar embriagados ou drogados?
Bruno - Mas é lógico. Uma pessoa normal vai fazer uma agressão dessa? Lógico que não. Lógico que estavam embriagados, lógico que podiam estar drogados. Eu nunca vi [o filho usar droga]. Mas como posso falar de um jovem de 19 anos que está na rua numa epidemia de droga, com essas festas rave, essas loucuras todas.
Folha - Como é o seu filho em casa?
Bruno - Fica no computador, vai à praia, estuda, trabalha comigo. Uma pessoa normal, um garoto normal.
Comentário:
Quando se trata de Pobre, Preto, Prostituta, tudo vale no país da classe média fascista. Vale espancar, roubar, agredir a honra (aliás, quem disse que para os moçoilos e seus papais existe honra em pobre? Para eles, honra é privilégio de quem tem status, não é mesmo?). Tanto é verdade, ficamos sabendo, que o doce de coco que espancou covardemente uma pessoa frágil (que se dirigia ao médico) "tem caráter, estuda". E, lógico, não pode ser misturado aos "bandidos", pois certamente será estuprado na prisão, para falar o mínimo. Tem caráter....tem caráter...tem caráter...a frase bate na consciência filosófica como uma tapa : caráter é um dos elementos essenciais da moral kantiana. Depois, no século 20, foi analisado por E. Mounier (O Tratado do Caráter) e finalmente exposto, na sua crueza, por Richard Sennet: A Corrosão do Caráter.
Na verdade, a coisa é mais comezinha e brutal. Tenho um amigo sociólogo e economista de primeira plana que me disse, tempos atrás, depois de mesa redonda que partilhamos: o certo é que a classe média brasileira, ou o que se entendia por ela (trata-se de conceito difícil, em todos os sentidos, mas a realidade empírica é patente), com o modelo de desenvolvimento econômico (?) dos últimos tempos, desde pelo menos o final do governo militar, está perdendo as gorduras, acumuladas na era do Estado forte e do Brasil pequeno em termos urbanos. Quem tinha "gorduras" (casa, apartamento, casa de praia, terrenos, poupanças, etc. ) na classe média, as está gastando rápido devido ao desemprego, à veloz modificação tecnológica com padrões de consumo exigentes (não mais se trata de comprar eletrodomésticos americanos, como na era Dutra, mas de objetos caros e que dão visibilidade), modas, restaurantes, tudo acima do nível das entradas mensais. Os pais se penduram em dívidas, ficam desempregados e imaginam manter as aparências a todo custo. A todo custo. Os filhotes, todos com muito caráter, de compradores das drogas passam, muito rápido, a vendedores. partilhando o destino dos "sem caráter ou estudo". Note-se que os bonitinhos agrediram PARA ROUBAR. E quem rouba, nestas condições, é porque não tem dinheiro para pagar as suas necessidades, sejam elas físicas ou imaginárias. Enfim, os docinhos de coco são entes duplos: de classe média, estudam e podem ter acesso às benesses sociais, políticas, econômicas. Eles ainda não descobriram o filão petista, por enquanto aberto apenas aos "companheiros". Mas há um encontro no meio do rio, das águas: os "companheiros", também à mingua de recursos lícitos, aceitam jipes presenteados, pegam milhões de empréstimos sigilosos, etc. Tornam-se ilegais e seguem à margem dos procedimentos visíveis e justificáveis. Os moçoilos da classe média assumem a ilegalidade para cobrir um modus vivendi acima dos padrões do contra cheque de papai ou mamãe: a roupa de marca é cara, os carros mais ainda, a TV, os restaurantes, as namoradas, etc. Alguém paga a conta, pois como dizem os norte-americanos, sábios em muitas coisas que ignoramos, não existe almoço grátis. E a sugestão do papai, para que as drogas sejam legalizadas? É possível assumir várias atitudes em relação ao problema. O argumento Ad hoc do genitor magnânimo é evidente. O filhotinho deve ser tratado como doente, não como criminoso. Ah! O mesmo papai diz, ele é "uma criança". Se é criança, o que fazia ele, altas horas da noite, embriagado em companhia de seus iguais? Papai estava nanando? Que sono pesado!
Em todo caso de violência, roubo, etc. é importante usar a misericórdia. Não desejo que os rapagões torturadores sejam torturados no xilindró. Desejo acreditar que estejam de fato arrependidos. Quero o seu retorno ao trato civil, sobretudo em se tratando do que estuda DIREITO. Mas a entrevista de papai mostra a origem dos males. É sempre o raciocínio dos que vivem nos porões da Casa Grande: disciplina? Só para os de baixo. Prisões? Só para os de baixo. Respeito? Só para os que "não têm caráter".
Onde estão os que botaram fogo no indio Galdino? Coitadinhos! A notoriedade sumiu, absolvendo o seu ato.
Isto é Brasil. Isto é fascismo. Isto é falta de lei e de efetiva democracia.
No mesmo dia, na mesma edição de jornal (Folha de São Paulo), os que seguem os preceitos democráticos podem ler as seguntes frases, dignas de um país com tradição ditatorial (no século 20, sofremos sob duas ditaduras, é bom lembrar), pronunciadas por alguém que deveria zelar pelo Estado de Direito, mas que não faz por seguir ordens do "governo companheiro" :" A privacidade é garantida na Constituição, como também há garantias constitucionais para a vida, o patrimônio público e pessoal. Não há valores absolutos quando estão em questão interesses sociais" (Paulo Lacerda).
Atenção! Alerta! Com tal pensamento jurídico, logo os "interesses sociais" determinarão quem merece, ou a quem deve ser negada as garantias da Lei. Os jornalistas que servem como linha auxiliar de semelhantes procedimentos, leiam alguns volumes das histórias "revolucionárias" (de esquerda ou direita). Os que operam como linha auxiliar são os primeiros a serem fuzilados. E bem merecem tal sorte.
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